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Crise ecológica some dos debates presidenciais
Cientistas discutem como ganhar relevância, mas enfrentam desprezo na campanha eleitoral
Os estudiosos da ecologia são habituais portadores de más notícias, avaliando a ameaça a espécies de plantas e animais e monitorando a degradação dos diferentes biomas. “Muito do nosso trabalho ultimamente tem sido documentar o declínio da biodiversidade, e é importante que o mundo saiba disso”, resumiu o biólogo americano Emmett Duffy a um auditório repleto de colegas brasileiros no fim de agosto. “Mas é importante também entender o que está ao nosso alcance para fazer frente a isso.”
Diretor de uma rede de observatórios marinhos ligados ao Instituto Smithsonian, em Washington, Duffy foi um dos palestrantes de um congresso que reuniu quase 400 ecólogos na Unicamp. Fiéis à sua vocação, os cientistas apresentaram no encontro estudos que mostram como o aquecimento global, o avanço da fronteira agrícola e pressões de todo tipo estão ameaçando diferentes ecossistemas brasileiros. Mas os pesquisadores sabem que, se quiserem ser relevantes em tempos de crise – desafio proposto como tema do congresso –, não podem se contentar em traçar o diagnóstico das ameaças, e precisam ver os resultados de suas pesquisas traduzidos em políticas de defesa do meio ambiente.
“A maioria dos cientistas acha que o conhecimento é como água: basta espalhar para que ele preencha todos os buracos, mas não é verdade”, disse a cientista política Maria Carmen Lemos, professora da Universidade de Michigan. “A verdade é que alguém tem que se encarregar disso”, continuou a pesquisadora, que investiga como a ciência do clima é incorporada às políticas públicas na América Latina e nos Estados Unidos, onde atua desde o fim dos anos 80.
O aquecimento global é um caso emblemático do descompasso entre ciência e política. A ciência diagnosticou a crise climática há pelo menos trinta anos, e de lá para cá só tem melhorado a resolução do retrato, mas o problema ainda não foi enfrentado pelos governos. No dia da palestra de Lemos em Campinas, Donald Trump anunciou novos avanços no desmonte da política climática de Barack Obama. O republicano já disse que o aquecimento global é uma farsa e tirou os Estados Unidos – o principal emissor histórico de gases do efeito estufa – do Acordo de Paris, no qual quase 200 países se comprometeram a limitar o aumento da temperatura do planeta a 2ºC, quem sabe 1,5ºC. Numa entrevista no dia seguinte, a cientista política disse que o presidente americano age por oportunismo. “Creio que Trump acredita na mudança climática. Ele pode ser muitas coisas, mas burro não é.”
Já no Brasil, a urgência que os cientistas apontam na questão climática contrasta com a ausência do tema na campanha eleitoral. O assunto praticamente não deu as caras nos debates entre os presidenciáveis realizados até aqui, e dois dos principais candidatos – Geraldo Alckmin e Jair Bolsonaro – sequer mencionam a mudança do clima em seus programas de governo. Bolsonaro chegou a defender em entrevistas que, a exemplo dos Estados Unidos, o Brasil também abandone o Acordo de Paris. Para não dizer que o tema ambiental esteve totalmente ausente das discussões, no debate da TV Gazeta/Estadão, neste domingo, Guilherme Boulos e Alvaro Dias falaram brevemente sobre o impacto dos agrotóxicos no meio ambiente.
Para o meteorologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o tema não tem apelo eleitoral porque as consequências do aquecimento global e as políticas necessárias para fazer frente a elas se desenrolam em outra escala temporal. “Os políticos brasileiros gostam de soluções que podem implementar e ver resultados para se reelegerem, por isso não abordam assuntos que precisam de políticas de longo prazo”, disse Nobre numa conversa após sua palestra.
O engenheiro florestal Fabio Scarano, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, lembrou que a questão ambiental pode não atrair votos, mas vai assombrar o ganhador das eleições, seja quem for. “Se a ciência estiver certa, temos até 2030 para mudar muito profundamente nosso padrão de uso dos recursos naturais, caso contrário chegaremos a 2050 com o planeta 2ºC mais quente do que antes da era industrial”, alertou. “Vem muita coisa pela frente se não fizermos nada a respeito.”
Um reflexo da frustração dos cientistas com a falta de voz no debate público é a decisão de alguns deles de se candidatar a cargos no Parlamento nas eleições de outubro. Mas essa opção divide os pesquisadores. “Não sei se é a melhor estratégia a se adotar”, ponderou o ecólogo Rafael Loyola numa mesa-redonda em que o tema veio à tona. “O papel dos cientistas deveria ser o de informar a sociedade para que os políticos possam tomar decisões com base em evidências”, continuou o professor da Universidade Federal de Goiás.
Para Scarano, da UFRJ, o engajamento dos cientistas na política é bem-vindo e sinaliza a abertura que eles devem ter para outros setores da sociedade. “Para irmos do discurso para a ação transformadora é preciso diálogo, e os acadêmicos estão acostumados a falar só para si mesmos”, disse o engenheiro florestal à piauí.
Capacidade de diálogo foi justamente o que faltou aos cientistas nas discussões que levaram à aprovação em 2012 do novo Código Florestal, que muitos ambientalistas consideram fraco por não oferecer proteção suficiente para a vegetação nativa dos biomas brasileiros. O exemplo foi citado durante uma mesa-redonda em tom de mea-culpa pelo engenheiro agrônomo Luiz Antonio Martinelli, que participou das discussões para a elaboração da lei. Para o pesquisador da USP, os cientistas não souberam se organizar. “Parecíamos um exército totalmente descoordenado. Fomos extremamente ingênuos, tomamos uma lavada e saímos com o rabo entre as pernas.”
O caso deveria servir de lição para que os cientistas aprendam a ouvir os setores que têm outros interesses nas questões ambientais, prosseguiu Martinelli. Para isso, é preciso superar a dicotomia que costuma opor o meio ambiente ao agronegócio, que pautou a discussão do Código Florestal e continua viva na esfera pública. “Precisamos de uma agenda comum que conserve ecossistemas com suas funções para termos uma agricultura minimamente sustentável”, defendeu. “Mas os programas de governo dos principais candidatos a presidente são todos dicotômicos. Nenhum deles propõe essa agenda comum.”
Em busca do diálogo que tem faltado com o resto da sociedade, um grupo de cientistas conversou com representantes do governo, do setor produtivo e de ONGs, índios e jornalistas antes de elaborar um relatório apresentado no evento em Campinas. O documento em questão – um diagnóstico que busca sintetizar os conhecimentos disponíveis sobre a biodiversidade brasileira e sobre os serviços prestados pelos ecossistemas de nosso território – foi escrito por 120 pesquisadores e será lançado oficialmente em 7 de novembro no Rio de Janeiro. Resta ver se os governos adotarão os remédios recomendados pelo diagnóstico.
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