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    Deolane Bezerra em sua casa em Riviera de São Lourenço, no litoral paulista

questões policiais

Deolane, um fenômeno imobiliário

Em apenas dois anos, patrimônio em imóveis do clã da advogada cresceu de 4,7 milhões para 16,7 milhões de reais, em meio a suspeitas de lavagem de dinheiro e proximidade com criminosos

Allan de Abreu, do Rio de Janeiro | 08 out 2024_08h21
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No dia 20 de novembro do ano passado, a advogada criminalista Dayanne Bezerra Santos contatou, via WhatsApp, o gerente da conta corrente que ela mantinha no Banco Itaú, em São Paulo. Dayanne queria fazer um saque dali a quatro dias, no valor de 2 milhões de reais. O valor imediatamente acendeu um sinal de alerta no gerente, que perguntou à advogada o motivo de um saque com valor tão alto. Dayanne disse que o dinheiro seria utilizado para comprar um imóvel de Deric Elias Costa Silva, àquela altura investigado pela Polícia Civil por suspeita de associação criminosa e prática de jogos de azar ao fazer rifas de carros de alto valor em redes sociais. O gerente solicitou a ela cópia do contrato de compra e venda do imóvel, mas a advogada disse que só teria o documento após entregar os 2 milhões a Silva.

Imediatamente o banco comunicou o caso ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que, por sua vez, constatou movimentação de dinheiro na conta de Dayanne incompatível com seu patrimônio declarado à Receita Federal. Diante das conclusões do Coaf, o Itaú não só negou o saque milionário como encerrou a conta da advogada por suspeita de lavagem de dinheiro. Silva, o suposto vendedor do imóvel a Dayanne, acabaria preso em julho deste ano, acusado de assassinar um homem com onze tiros à queima-roupa, sete deles no rosto, em Osasco, Grande São Paulo. 

Comprar imóveis na região metropolitana de São Paulo tem sido uma constante na rotina tanto de Dayanne quanto de sua mãe, Solange, e de suas duas irmãs mais velhas, ambas também advogadas criminalistas: Deolane e Daniele. Um levantamento da piauí em cartórios de imóveis no estado de São Paulo constatou que, apenas nos últimos dois anos, o patrimônio imobiliário do clã Bezerra Santos mais do que triplicou, passando de 4,7 milhões de reais no fim de 2022 para 16,7 milhões atualmente (os valores correspondem ao que foi formalmente declarado nos documentos de compra e venda). Um aumento de 260%.

As transações imobiliárias constantes, muitas vezes ultrapassando a casa do milhão de reais, misturam-se às suspeitas de que o clã Bezerra Santos esteja diretamente envolvido na lavagem de dinheiro do crime organizado. Em setembro último, Deolane e a mãe, Solange, chegaram a ficar vinte dias presas preventivamente, suspeitas de branquear milhões de reais do jogo do bicho em Pernambuco, terra natal da matriarca e das três filhas. Ao analisar as transações bancárias das quatro, o Coaf encontrou centenas de movimentações financeiras suspeitas e, em alguns casos, incompatibilidade entre as cifras depositadas e sacadas das contas e o patrimônio declarado pelas Bezerra Santos.

À Polícia Civil de Pernambuco, Deolane declarou, ao ser presa no início de setembro, ter uma renda mensal média de 1,5 milhão de reais, proveniente de honorários advocatícios e publicidade em rede social. Um valor e tanto, especialmente se comparado à infância miserável da família em Vitória de Santo Antão, zona da mata pernambucana. Quando Daniele, a primogênita (um ano mais velha do que Deolane e dois à frente de Dayanne) tinha 3 anos, a mãe divorciou-se do marido alcoólatra e violento. Trabalhou como cozinheira para sustentar as três filhas e, em 1996, repetindo a saga de muitos nordestinos, mudou-se para São Paulo. “Elas [as filhas] dormiam no colchão, e eu no tapete, na cozinha. Chorávamos abraçadas. Eu vim para cá com muitos planos, mas também com muitas incertezas”, disse Solange em entrevista à TV Record em 2022.

Apesar das dificuldades financeiras, as três filhas se formaram em direito. Em 2014, Daniele e Deolane começaram a advogar na área penal; Dayanne só conseguiria o seu registro na OAB bem mais tarde, em 2020. O primeiro imóvel próprio da família viria em 2011: um apartamento modesto, de 58 m2, na Rua Cantareira, bairro da Luz, área central da capital paulista, adquirido por Dayanne por 161 mil reais, em valores corrigidos. No ano seguinte, Daniele também adquiriu o seu imóvel, um apartamento de 108 m2 no bairro do Ipiranga por 1,37 milhão de reais, em valor atualizado, em sociedade com seu então marido, Narcílio Domingos de Aguiar, que em 2009 havia assassinado a tiros um desafeto na entrada de uma boate em São Paulo. 

Já naquela época, Aguiar era investigado pela Polícia Civil do Ceará e pelo Ministério Público de São Paulo por liderar uma quadrilha especializada em falsificação de documentos e fraudes bancárias em Itapipoca, interior cearense, e na capital paulista. O esquema foi descoberto depois que Aguiar desviou 800 mil reais da própria quadrilha. Daniele não foi investigada no caso, que acabou prescrito. O casamento terminou em 2014. Tempos depois, Aguiar processou a ex-esposa na Justiça, acusando-a de vender, sem o seu consentimento, um apartamento dele ao padrasto dela, marido de Solange. Daniele foi condenada a indenizar o ex-marido.

A matriarca Solange, por sua vez, comprou o primeiro imóvel em dezembro de 2013: um apartamento de 138 m2 na Vila Regente Feijó, região do Tatuapé, em São Paulo, por 640 mil reais, em valores atualizados. Deolane foi a última a ter imóvel próprio na capital paulista. Em 2017, ela adquiriu um apartamento no mesmo condomínio da mãe, na Vila Regente Feijó, por 274 mil reais, em valores corrigidos, embora um imóvel nesta região possa valer mais. Em abril de 2021, Deolane vendeu o imóvel para um empresário para quem ela advogara após ele ser detido por furtar água da Sabesp por meio de um “gato”. Apenas seis meses após essa transação, Everton de Souza, o Gordão, integrante da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), foi preso em flagrante no imóvel com uma pistola calibre 40 e 26 gramas de drogas ilícitas (metanfetamina e ecstasy). 

Gordão é sobrinho de Francisca Alves da Silva, a Pretinha, casada com o irmão mais novo de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, principal liderança do PCC. Como a piauí mostrou em setembro, Deolane, amiga de Pretinha, é suspeita de adquirir bolsas de grife furtadas em São Paulo — os acessórios, segundo investigação da Polícia Civil, eram comercializados em redes sociais por uma das filhas de Pretinha, Bárbara Alves Mota.

Deolane começou a ganhar fama nos sites de fofoca e nas redes sociais a partir de um acontecimento trágico em 2021: a morte do seu noivo, o MC Kevin, ao cair da varanda de um hotel na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Foi quando a família comprou seu primeiro imóvel de alto padrão. Deolane pagou 1,6 milhão de reais por um terreno no residencial Tamboré, vizinho ao badalado bairro de Alphaville, em Barueri, na Grande São Paulo. No ano seguinte, a advogada foi convidada para participar do reality show A Fazenda, da TV Record. Não venceu a competição, mas turbinou seus seguidores nas redes sociais, sobretudo no Instagram. Hoje são 22,2 milhões.

A evolução do patrimônio de Deolane                                                Ilustração: Mario Kanno

 

Mas foi a partir de 2023 que a família Bezerra Santos começou a investir pesado na compra de imóveis de alto padrão. Em dezembro daquele ano, uma holding criada por Deolane para gerir seu patrimônio pagou 4 milhões de reais por um terreno no condomínio Riviera de São Lourenço, em Bertioga, um dos mais caros do litoral paulista. Coincidência ou não, o então namorado da advogada, o narcotraficante Caio Bernasconi Braga, morou no mesmo condomínio no primeiro semestre de 2023, com o nome falso de João Ricardo, já que na época estava foragido da Justiça. Braga era braço direito de Sergio de Arruda Quintiliano Neto, o Minotauro, um dos maiores traficantes de cocaína em Ponta Porã, Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai. Minotauro, que chegou a montar uma milícia com trinta homens armados e é suspeito de encomendar o assassinato de um policial na fronteira, acabou preso em 2019. Ambos lideravam um esquema de transporte de cocaína do Paraguai até os portos de Santos e de Recife, de onde a droga era exportada para a Europa.

A piauí apurou que Braga e Deolane passaram juntos a noite de 30 de abril e a madrugada de 1º de maio de 2023 na casa da advogada em Barueri. Na época, o casal pretendia investir no aplicativo de transporte Urban, concorrente do Uber — Daniele, a irmã de Deolane, virou sócia no empreendimento, e a influencer chegou a fazer publicidade do aplicativo nas redes sociais. Braga seria preso pela Polícia Federal no dia seguinte, 2 de maio, em Ponta Porã. Um mês depois, Deolane visitou Braga na penitenciária federal de Campo Grande.

Somente neste ano, o clã Bezerra Santos adquiriu 7,3 milhões de reais em imóveis, incluindo um apartamento duplex no bairro do Tatuapé, em São Paulo, no valor de 2,6 milhões, e um terreno em um condomínio fechado de Santana de Parnaíba avaliado em 2,4 milhões. Nas redes sociais, Deolane afirma possuir doze imóveis, um deles em Orlando, na Flórida. (A piauí encontrou seis propriedades no nome dela no estado de São Paulo, e em Orlando consta apenas uma empresa em nome da advogada, aberta em fevereiro deste ano.) 

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa de Deolane informou que nem ela nem a mãe ou as irmãs iriam se pronunciar sobre o assunto.

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