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“Diplomacia” – arte da dissimulação

| 17 mar 2016_16h49
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A pequena sala do Estação Botafogo 3, no Rio, com 66 lugares, estava cheia na única sessão de domingo (13/3/2016), para assistir a Diplomacia, de Volker Schlöndorff. Em cartaz desde janeiro, o filme, que é um primor, chega ao circuito com dois anos de atraso.

Na essência, trata-se de uma aula de dissimulação. Os bons propósitos do cônsul sueco Raoul Nordling (André Dussollier) para evitar a destruição de Paris, ordenada por Adolf Hitler em agosto de 1944, deixam claro que espionar, omitir, enganar e mentir são considerados recursos legítimos em nome de uma causa virtuosa.

O general nazista Dietrich von Choltitz, de seu lado, é franco e honesto. Ele recebeu uma missão e seu código de conduta impõe que ela seja efetivada. Para convencê-lo a cancelar a demolição da cidade, o diplomata encobre sua tática e o alcance dos seus propósitos, enquanto o militar nazista nada tem a esconder.

Dificilmente alguém duvidará dos méritos do intento de Nordling – evitar a implosão de Paris, inclusive de marcos históricos da cidade, entre outros, a Torre Eiffel, o Louvre, a Praça da Concórdia e a catedral de Notre-Dame. As imagens de arquivo na abertura de Diplomacia são eloquentes. Mostram Varsóvia destruída depois de ter sido evacuada pela Alemanha. Ao mesmo tempo, o espectador perceberá que para alcançar objetivos notáveis, não é bem definido o limite além do qual não é possível ir.

Após carreira, iniciada ainda jovem, em 1966, durante a qual adaptou obras de grandes autores – Musil, Brecht, Grass, Proust –, realizando filmes complexos, um dos quais – O tambor – que lhe valeu a Palma de Ouro, no Festival de Cannes de 1979, e o Oscar de melhor filme em língua estrangeira em 1980, Schlöndorff faz agora com maestria um filme de câmara. Na maturidade dos seus mais de 70 anos, preserva a unidade de espaço e tempo próprias da origem teatral do roteiro, sem qualquer prejuízo para o resultado na tela. E talvez para evitar visões preconceituosas que considerassem Diplomacia mero teatro filmado, guarda para o final  a legenda esclarecendo que trata-se da adaptação da peça teatral homônima do jovem escritor Cyril Gely, co-autor também do roteiro.

Em entrevista ao site da Criterion Collection, Schlöndorff apresentou Diplomacia dizendo que o filme é sobre “o poder da palavra para convencer alguém a fazer a coisa certa. É literalmente o título; é sobre diplomacia. Não é sobre alemães e franceses ou um general alemão. Não é sequer sobre dilemas morais – devemos ou não destruir uma cidade? É literalmente o que a convicção de um homem, através da conversa, enganando, mentindo, sendo honesto e tudo isso combinado, pode conseguir, e também que poderia haver palavras para acabar as guerras. Isso é realmente o que me apaixona nesse filme, e, claro, celebrar Paris, o que para mim não foi difícil. A dedicatória do filme no final a Richard Holbrook não é apenas um gesto. Esse é o sentido mais profundo. Aonde se olhe no mundo, tem-se a sensação de que a maioria dos conflitos são estúpidos e desnecessários. Não são sequer sobre conquistas territoriais. É tudo sobre coisas que as pessoas têm na mente, a ideia de um inimigo, a maneira de lutar com eles. E então, palavras… Eu acredito que palavras podem mudar a realidade.

O diplomata americano Richard Holbrook, a quem Schlöndorff se refere, é um veterano do Departamento de Estado dos Estados Unidos, com fama de ser um “talento raro, porém problemático”, segundo seu perfil publicado na New Yorker, em 2009. Holbrook negociou o fim da guerra na Bósnia e no início da Presidência Obama foi encarregado de lidar com a situação alarmante no Paquistão e no Afganistão, considerados a maior aposta da política externa do governo americano.

Durante as negociações sobre a Bósnia, o diplomata* britânico Christopher Hill descreveu Holbrook assim: “Ele desestabiliza o interlocutor. Não mostra suas cartas. Faz você pensar que precisa fazer o acordo com ele, mas que ele pode não ser capaz de conseguir o acordo da outra parte. Ele usa humor. Ele faz uma expressão dispéptica que induz a perguntar ‘o que é?’, e ele dirá, “Estou preocupado. Não sei de vai dar certo’. Ele usa todas essas ações performáticas para alcançar suas metas.” É desse modo que Nordling age em Diplomacia.

A lamentar o fato de que Schlöndorff não tenha podido fazer o filme sobre o livro To End a War (Para acabar uma guerra), de Richard Holbrooke, no qual trabalhou com o autor. Trataria das negociações com  Slobodan Milosevic para chegar ao acordo de Dayton, relativo à paz na Bosnia e na Herzegovina. Nas palavras de Schlöndorff, Holbrooke era um diplomata cruel que usuaria todos os meios.” Os recursos necessários para a produção do filme foram negados sob alegação de que “ninguém tem interesse pela Iugoslávia”. Êta mundo!


*A primeira versão do texto atribuía erroneamente a frase ao historiador Christopher Hill, homônimo do diplomata Christopher Hill, que é quem realmente deu a declaração.

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