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Drible da vaca, linha burra e outros bichos

No último sábado, no Maracanã, o atacante Geuvânio deu uma desconcertante meia-lua no lateral rubro-negro João Paulo e entregou o gol da vitória do Santos de bandeja a Robinho, que apenas empurrou para a rede. Depois do jogo, choveram matérias falando sobre o “drible da vaca” de Geuvânio e dando o mote para esse post.

| 08 out 2014_17h28
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No último sábado, no Maracanã, o atacante Geuvânio deu uma desconcertante meia-lua no lateral rubro-negro João Paulo e entregou o gol da vitória do Santos de bandeja a Robinho, que apenas empurrou para a rede. Depois do jogo, choveram matérias falando sobre o “drible da vaca” de Geuvânio e dando o mote para esse post.

Expressões do futebol seguem o mesmo caminho da linguagem nossa do dia a dia, estando sujeitas a constantes mudanças e adaptações. Não há como nem por que tentar engessá-las. Entretanto, creio que algumas deveriam ser preservadas, já que sua definição original era mais bacana.

Um exemplo: hoje vejo muita gente, incluindo narradores e comentaristas, chamando a linha de impedimento de linha burra, o que só não pode ser considerado burrice porque este é um blog bem-educado.

“Linha burra” era uma expressão utilizada pelos comentaristas esportivos da minha infância no Rio de Janeiro – Ruy Porto, Luiz Mendes, João Saldanha. O futebol era diferente e os times atuavam com esquemas bem mais estáticos. Muitas vezes os quatro zagueiros ficavam praticamente em linha reta, e bastava ultrapassar um deles para o atacante se ver livre de todos e sair na cara do goleiro. Quando alguma zaga se apresentava com essa ingênua formação, lá estava uma legítima “linha burra”. A linha do impedimento pode ser arriscada, por exigir muita coordenação dos zagueiros e depender da competência do bandeirinha, mas de burra não tem nada. Pelo contrário: é um dos recursos mais inteligentes para diminuir a área de trabalho e neutralizar o ataque adversário.

Outra expressão que tem sido mal interpretada é “montinho artilheiro”. Nessas jogadas que estão na moda, em que alguém levanta uma bola na área, todo mundo sobe e passa em branco, o goleiro não sabe o que fazer, a bola toca no chão e entra, alguns narradores atribuem o gol ao montinho artilheiro, que não é isso. Antes de mais nada, para existir o montinho artilheiro é necessário que se esteja num gramado ruim – o que, mesmo no Brasil pós-Copa, é pleonasmo. O traiçoeiro artilheiro só entra em cena quando uma bola é chutada queimando a grama e, ao se aproximar do goleiro que está pronto para agarrá-la rente ao chão, alguma saliência do terreno faz com que ela suba, tirando qualquer chance de defesa. 

O verdadeiro drible da vaca foi criado por Eduardo, um habilidoso ponta-direita do Cruzeiro que se transferiu para o Corinthians e virou meio-campista. Eduardo colava a bola no pé – com a vantagem de fazer isso tanto com o direito quanto com o esquerdo – e a conduzia em direção ao marcador. Quando o adversário dava o bote, ele puxava a bola para o outro lado, fazendo um movimento giratório semelhante ao que a vaca faz ao mexer o rabo. Alguém batizou o lance de “drible do rabo de vaca”, que acabou simplificado para “drible da vaca”. Portanto, bem diferente da meia-lua. Outro dia vi, num site que explica a origem de certas expressões, que o drible da vaca foi criado no campo de uma fazenda que costumava ser invadido por plácidas vaquinhas, e elas precisavam ser dribladas. Pura lenda rural, além de ser uma explicação que joga no mesmo time daquela que liga a palavra “forró” aos engenheiros ingleses que, no início do século passado, vieram a Pernambuco para a construção da Great Western Railway Company e gostavam de organizar bailes para todos. O professor e filólogo pernambucano Evanildo Bechara tratou de demonstrar que essa história era conversa pra boi dormir e jogou-a para escanteio.

Em um dos capítulos de , Mario Filho faz um registro delicioso. Segundo ele, a analogia com os frangos no futebol brasileiro surgiu quando, num daqueles estádios antigos e acanhados, em que todo mundo ouvia o que todo mundo gritava, um goleiro levou um gol numa posição esquisita, de cócoras, penando para agarrar a bola que lhe escapava das mãos como foge um frango de quem o tenta capturar. Lá da arquibancada, um gaiato gritou que o goleiro parecia estar “cercando um frango” – perfeita tradução da cena bizarra. Mario Filho reclama que, com o tempo, “cercar um frango” virou “engolir um frango”, o que pode ser indigesto. E tem gente que, pra piorar, usa “levar um frango”, que simplesmente não quer dizer nada.

Também não consigo entender por que, de algum tempo pra cá, as pessoas passaram a dizer que foi no ângulo qualquer bola que tenha entrado no alto do gol. Toda semana temos um monte de exemplos disso, mas reparem neste link, de um lance importante da Copa do Brasil 2013. A imagem mostra, sobretudo a da câmera colocada atrás da linha de fundo, que no chute de Amaral contra o Atlético Paranaense a bola entrou muito mais perto do meio do gol do que do ângulo. Porém, no textinho logo abaixo do vídeo, no próprio site do canal Fox Sports, está lá: “Amaral recebeu, ergueu a cabeça e acertou uma bomba no ângulo do gol do Atlético-PR”.

Eu, hein.

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