Foto: PT na Câmara
É impeachment ou golpe?
Um levantamento feito pela Bites em sites de notícias e blogs da grande mídia a partir das expressões “Não vai ter golpe” e “Fora Dilma”
Uma das palavras prediletas dos profissionais da política é narrativa. Em política, muitas vezes a narrativa importa mais do que os fatos. É por isso que, nos últimos meses, a guerra de versões em torno da crise tem sido tão violenta quanto a luta que se desenrola em Brasília. O que se viu ontem na capital foi a prova de que, embora nas cordas, o governo marcou um ponto na narrativa da crise. Autora do pedido ao Congresso, junto com os juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr., a advogada Janaina Paschoal dedicou parte importante de seu discurso a responder ao “Não vai ter golpe” propagado pelos defensores de Dilma. “Tenho visto cartazes com os dizeres de que impeachment sem crime é golpe. Essa frase é verdadeira. Acontece que estamos diante de um quadro em que sobram crimes de responsabilidade. Para mim, vítima de golpe somos nós”, ela disse diante do auditório repleto de deputados.
Foi uma resposta à própria Dilma, que tem recorrido diariamente a variações da expressão. Só ontem, no curto discurso de lançamento de mais uma fase do programa Minha Casa Minha Vida, a presidente pronunciou a palavra golpe três vezes e golpista uma vez. Hoje, no ato de apoio à presidente promovido por artistas no Palácio do Planalto, mais palavras de ordem ligando impeachment a golpe. Em sua fala no Congresso, Janaina poderia ter ignorado a questão e se dado por satisfeita com o fato de quatro ministros do STF e um ex-ministro já terem declarado não considerar golpe a abertura de um processo de impeachment. Ou confiado nas pesquisas que mostram que quase 68% da população quer Dilma fora do cargo. Se ela não o fez, é porque sabe da importância de vencer o debate também no campo da narrativa. Para entender em que ponto estamos nessa guerra, pedi ajuda a uma agência especializada em monitoramento de opinião pública na Internet, a Bites.
A primeira constatação interessante é que o “Não vai ter golpe” pautou o debate nas últimas semanas não apenas em Brasília, mas também na mídia tradicional. Um levantamento feito pela Bites em sites de notícias e blogs da grande mídia a partir das expressões “Não vai ter golpe” e “Fora Dilma” mostrou que, nos últimos 30 dias, 7 287 artigos citavam a expressão governista, contra 4 650 menções ao bordão da oposição. Uma explicação possível para esse “sucesso” é que a palavra golpe deu forma ao sentimento difuso dos que defendiam o governo, mas careciam de um argumento forte para fazê-lo. Outra prova de sua eficácia é a sensibilidade que o bordão desperta nos ânimos da oposição. “Quando falávamos no Congresso que impeachment era golpe, percebíamos que a oposição ficava acuada. Como funcionou, continuamos repetindo”, conta o deputado petista Wadih Damous, um dos porta-vozes do governo na Câmara.
Os fatos deram uma ajuda. O mapa produzido pela Bites mostra que o pico de menções ao “Não vai ter golpe” no Twitter ocorreu dois dias depois da divulgação do diálogo entre Dilma e Lula a respeito do termo de posse, grampeado pela operação Lava Jato. Na Internet, o “Fora Dilma” ainda é bem mais forte do que o bordão dilmista. Em 30 dias, a hashtag #foradilma foi citada 292 155 vezes, mais que o dobro das 115 914 vezes em que o #naovaitergolpe apareceu. No Facebook não há nenhum grupo ou comunidade expressiva em torno do “Não vai ter golpe”. A maior comunidade identificada registrava 14 766 integrantes até a tarde de ontem. Do outro lado, uma das maiores comunidades dedicada ao “Fora Dilma” tem 109 770 membros.
Essas métricas mostram que a narrativa do golpe está pautando a grande mídia, mas nas redes sociais o que prevalece é a narrativa pró impeachment. Segundo os analistas, isso pode estar acontecendo porque, no ambiente virtual, a polarização já está “cristalizada”. “A quantidade de gente no centro, ainda sem opinião, é cada vez menor. Quando elas decidem, em geral vão na direção do impeachment, em razão do agravamento do quadro econômico”, diz Manoel Fernandes, diretor da Bites.
A influência desses movimentos de opinião pública no embate em curso hoje no Planalto é incerta, mas, a julgar pelo que já ocorreu no passado, em momentos críticos na política, duas coisas podem acontecer. A primeira, mais provável, é a pressão sobre os deputados e senadores aumentar à medida que o processo de impeachment avance. Como as redes são pró-impeachment, essa pressão tende a ser desfavorável à presidente. A segunda possiblidade é o discurso anti-golpe começar a penetrar nas redes sociais, rompendo a cristalização que existe hoje e fazendo a balança pender a favor do governo. Mas, na opinião de Fernandes, para isso ocorrer é preciso que ou surjam fatos novos que reforcem a impressão de que Dilma está sofrendo um golpe, ou apareçam novos e insuspeitos “propagadores” da mensagem governista.
“Por ora, quem fala em golpe nas redes são figuras cuja imagem está ligada ao petismo. Se esse discurso passar a ser difundido por pessoas não associadas a nenhuma posição, a coisa pode começar a mudar”, diz Fernandes. Não é, portanto, impossível que o “Não vai ter golpe” triunfe também na rede. Mas não vai ser fácil, uma vez que a crise econômica tende a continuar reforçando o embalo do impeachment. Só para ficar com as estatísticas da Internet: desde dezembro, a audiência do portal Mais Emprego do Ministério do Trabalho, que entre outros recursos permite a consulta ao seguro-desemprego, saltou de 530 mil visitas mensais para 1,2 milhão. Nos últimos 90 dias, as buscas no Google Brasil sobre “seguro desemprego 2016” cresceram 1.300%. O poder da narrativa pode ser imenso, mas nem sempre consegue se sobrepor à força dos fatos.
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