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E o vento não levou…

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E o vento não levou…

Um guia de filmes clássicos que podem ser encontrados nas plataformas de streaming

Miguel Barbieri Jr., especial para a piauí | 25 dez 2025_11h36
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Em um texto no ano passado, contei que antes de ser crítico de cinema fui dono de uma videolocadora em São Paulo nos anos 1980 e 90, um período em que treinei a habilidade de recomendar títulos conforme o gosto do freguês. Uma seção especialmente prazerosa de montar era a dos clássicos, em tempos ainda distantes da mordomia do streaming. Estavam lá fitas com Charles Chaplin, Fred Astaire, Bette Davis e outras figuras míticas.

Às vezes me surpreendo com o que recebe o carimbo “clássico”, de forma tão elástica. Alguns estudiosos alegam que merecem esse carimbo filmes produzidos até a década de 1940. Estes ficariam arrepiados ao percorrer o catálogo do Globoplay, por exemplo, e encontrar uma seleção de “clássicos” que inclui de Rambo II a Shakespeare Apaixonado.

Para quem tem o privilégio de tirar folgas neste fim de ano, é boa a oportunidade para colocar a lista de filmes atemporais em dia. Fiz abaixo uma seleção de clássicos com C maiúsculo – filmes que não morrem, frequentemente estarão em listas de “melhores de todos os tempos” dos cinéfilos, continuarão influenciando novas gerações de cineastas e podem ser imitados (mas jamais refilmados, embora alguns da lista tenham ganhado remakes vergonhosos).

Nosferatu (Alemanha, 1922) – Mubi, Telecine, Filmicca, Looke e Belas Artes à la Carte.

 

Esqueça a versão floreada, porém visualmente deslumbrante, que Robert Eggers dirigiu em 2024. O original, da década de 1920, é um exemplar marcante do cinema expressionista alemão, ao lado de outras obras-primas como Metrópolis e O Gabinete do Dr. Caligari. O contraste de luzes e sombras na fotografia em preto e branco e a maquiagem dramática, características do movimento, se fazem presentes nessa livre versão de Drácula, de Bram Stoker – os personagens tiveram seus nomes trocados porque os herdeiros do escritor não autorizaram a adaptação. Um dos grandes nomes do cinema mudo, o diretor Friedrich Wilhelm Murnau foi para Hollywood em meados dos anos 1920 e morreu num acidente de carro, em 1931, aos 42 anos.

 

A Felicidade Não se Compra (Estados Unidos, 1946) – Belas Artes à la Carte, Looke e NetMovies (grátis).

 

Já virou lenda dizer que é o filme mais reprisado no Natal dos americanos. E há uma boa resposta para essa adesão em massa a uma das mais lindas fábulas do cinema. Também um dos roteiristas, o genial diretor Frank Capra comandou uma história com grande sensibilidade. O registro é sobre um homem (interpretado por James Stewart) que, extremamente desiludido com os negócios e à beira do suicídio, recebe a visita de um anjo, que o faz enxergar a vida por um prisma jamais imaginado. Combina com festa natalina, com promessas de Ano-Novo e com momentos em que o espectador precisa de uma boa dose de esperança.

 

Ladrões de Bicicletas (Itália, 1948) – Belas Artes à la Carte

 

O neorrealismo italiano foi um movimento que surgiu logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. As produções tinham baixo orçamento, muitos atores não eram profissionais, e os enredos visavam retratar as mazelas e as dificuldades financeiras da população – a vida como ela é, só que registrada nas telas. Além de Visconti e Rossellini, Vittorio De Sica foi um dos expoentes do movimento e seu Ladrões de Bicicletas continua bastante atual. A história é sobre um homem que batalha para conseguir um emprego decente e, assim, servir de modelo para o filho pequeno. Mas a tentação do roubo poderá desviar o caráter do protagonista.

 

Crepúsculo dos Deuses (Estados Unidos, 1950) – Belas Artes à la Carte


Uma das obras-primas (talvez a maior) do diretor Billy Wilder ganhou um musical da Broadway (também adaptado para o audiovisual), mas ninguém teve a coragem e a ousadia de refazer o original, embora o tema seja atemporal. A estrela decadente Norma Desmond (papel da magnífica Gloria Swanson), atriz do cinema mudo, tenta voltar ao cinema com a ajuda de um jovem roteirista (William Holden). Mas encontra apenas desilusões pelo caminho. O filme revolucionou a narrativa cinematográfica por não ser linear, ter um narrador-defunto e usar flashbacks. Não à toa, levou o Oscar de melhor roteiro em 1951. Vale lembrar que
Sunset Boulevard (seu título em inglês) foi, de certa maneira, “homenageado” em A Substância, tendo Demi Moore interpretando uma atriz recusada na tevê por estar “velha” demais.

 

Cantando na Chuva (Estados Unidos, 1952) – HBO Max


Dois anos depois de
Crepúsculo dos Deuses, os diretores Stanley Donen e Gene Kelly também usaram a metalinguagem neste que é considerado “o musical dos musicais”. A história gira em torno da transição do cinema mudo para o sonoro – e da dificuldade de uma atriz de voz esganiçada em se adaptar ao novo modelo. Hoje onipresente em listas de melhores filmes de todos os tempos, o título só recebeu duas indicações menores (melhor trilha sonora e melhor atriz coadjuvante, para Jean Hagen) no Oscar de 1953 – e perdeu ambas. Os números musicais permanecem intactos na memória, em especial a dança na chuva de Gene Kelly ao som de Singin’ in the Rain.

 

As Diabólicas (França, 1955) – Belas Artes à la Carte



Foi um fiasco a versão americana de 1996 estrelada por Sharon Stone (no auge da carreira) e pela francesa Isabelle Adjani. O original tinha Simone Signoret e Véra Clouzot (esposa do diretor Henri-Georges Clouzot) numa sintonia impecável e nos papéis da amante e da mulher de um detestável diretor de escola. Com sede de justiça, elas elaboram um “plano perfeito” para matá-lo. Clouzot foi um mestre francês do suspense (quase comparado a Hitchcock) e, antes de Les Diaboliques (título original), realizou outra obra-prima do gênero, O Salário do Medo, de 1953, também disponível no streaming Belas Artes à la Carte.

 

Testemunha de Acusação (Estados Unidos, 1957) – Amazon Prime Video

 

Nem o telefilme de 1982 nem a minissérie inglesa de 2016 chegaram aos pés dessa outra obra-prima do diretor Billy Wilder. Agatha Christie (sim, a própria escritora britânica) foi uma das roteiristas, já que a história é inspirada em seu conto homônimo, que está no livro Testemunha de Acusação e Outras Histórias. Há vários longas-metragens do subgênero “filme de tribunal”, mas Testemunha de Acusação é considerado um dos grandes pilares da categoria ao apresentar um julgamento de reviravoltas eletrizantes. Um homem (Tyrone Power) será julgado pelo assassinato de uma mulher de meia-idade e um experiente advogado entra em cena para defendê-lo. Um dos momentos mais marcantes é o depoimento da esposa do acusado, interpretada com a frieza gélida da alemã Marlene Dietrich.

 

Noites de Cabíria (Itália, 1957) – Looke e Netmovies (grátis)



O diretor Federico Fellini foi casado com a atriz Giulietta Masina de 1943 até sua morte, em 1993. Durante as cinco décadas de união, eles fizeram sete longas-metragens juntos, e Noites de Cabíria é o ponto alto do casamento profissional, tanto que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1958. No papel de uma prostituta apaixonada por um pretendente misterioso, o cineasta (e também roteirista) humanizou e deu densidade afetiva às profissionais do sexo. Com uma belíssima fotografia em preto e branco e acompanhado pela trilha sonora de Nino Rota, Fellini fez um de seus filmes mais tristes e melancólicos, próximo do neorrealismo italiano. Bob Fosse transformou a história num musical da Broadway em 1966, e, posteriormente, o levou ao cinema como Sweet Charity (1969).

 

Os Incompreendidos (França, 1959) – Telecine



O primeiro longa-metragem de François Truffaut é considerado um dos pilares na Nouvelle Vague, celebrado movimento que rompeu com os padrões estéticos e narrativos do conservador cinema francês da época. Crítico da revista Cahiers du Cinéma, ele levou às telas uma história inspirada em suas próprias experiências da infância e adolescência, já que foi rejeitado pela mãe e criado pela avó. Truffaut criou aqui o emblemático Antoine Doinel, um garoto de 14 anos que, desprezado pelos pais e vivendo nas ruas, acaba cometendo delitos. O realizador fez ainda mais quatro filmes com o mesmo personagem, sempre interpretado por Jean-Pierre Léaud, mostrando a sua evolução, sobretudo afetiva e sentimental.

 

Quanto Mais Quente Melhor (Estados Unidos, 1959) – Amazon Prime Video


Todos os filmes que tenham a atuação de Marilyn Monroe, que morreu aos 36 anos, em 1962,  podem ser considerados clássicos. Em mais uma das obras-primas do diretor Billy Wilder, aqui apostando na comédia, Tony Curtis e Jack Lemmon interpretam músicos que, fugindo de mafiosos de Chicago, se disfarçam de mulher para acompanhar uma banda feminina numa viagem de trem. Por mais que o comportamento da dupla de protagonistas seja considerado politicamente incorreto hoje, por retratar o feminino de forma caricatural, o humor rasgado permanece ileso e a derradeira sequência (em que Lemmon revela ser homem para um pretendente) comprova a contemporaneidade do texto de Wilder.

 

Psicose (Estados Unidos, 1960) – Telecine


É difícil escolher apenas um filme do gigante Alfred Hitchcock, um dos cineastas mais incensados da história, mas Psicose, além do imenso sucesso de bilheteria, gerou continuações, um spin-off em formato de série (Bates Motel) e até sátiras, sobretudo na lendária cena do assassinato no chuveiro da personagem de Janet Leigh. Em 1998, o diretor Gus Van Sant fez um remake colorido seguindo fielmente os passos de Hitchcock, que foi um fiasco. Para criar o psicopata Norman Bates, o Mestre do Suspense inspirou-se no livro de Robert Bloch, que, por sua vez, registrou na literatura a história do serial killer Ed Gein (há uma minissérie da Netflix que explica a ligação entre eles). Entre outras inovações, Hitchcock fez algo até então impensável: matar a protagonista após vinte minutos do início do filme. 

 

A Doce Vida (Itália, 1960) – Telecine



Paparazzo, hoje sinônimo de fotógrafo à caça de celebridades, foi um termo que surgiu nessa obra-prima de Fellini, que venceu o Oscar de melhor figurino e recebeu outras três indicações: melhor diretor, melhor roteiro original e melhor direção de arte (preto e branco). Fotojornalista é a profissão do personagem de Marcello Mastroianni, que se deslumbra com o estilo de vida da aristocracia decadente de Roma quando vai cobrir a visita de uma atriz estrangeira à capital italiana. Foi o jeito que Fellini encontrou para criticar uma parcela hedonista e fútil da sociedade cujo destaque é a emblemática sequência em que Mastroianni e Anita Ekberg se banham na Fontana di Trevi, um dos pontos turísticos mais visitados de Roma, mas cuja real razão do sucesso muitos visitantes desconhecem.

 

Vidas Secas (Brasil, 1963) – Netflix


Dono de uma rica filmografia, Nelson Pereira dos Santos adaptou com êxito o livro homônimo de Graciliano Ramos após os sucessos de Rio, 40 Graus (1955) e Rio, Zona Norte (1957). A história de uma família que vagueia pelo sertão nordestino em busca de comida e trabalho é o retrato de um Brasil que parece longínquo, mas encontra ecos ainda hoje, mesmo passados sessenta anos de sua realização. O estilo naturalista do filme vem da influência do neorrealismo italiano, que, além dos filmes de Nelson, inspirou trabalhos de Glauber Rocha e Cacá Diegues.

 

Tubarão (Estados Unidos, 1975) – Netflix e Telecine


Steven Spielberg filmou no mar, com muita dificuldade, estourou o orçamento e acreditava que o filme estivesse destinado ao fracasso. Tubarão, porém, se tornou um dos dez mais vistos da história. E não é para menos – filas gigantescas nos cinemas, sequências, imitações e até paródias (lembra da pornochanchada brasileira Bacalhau?). Eis um ótimo exemplo de que um clássico pode estar alinhado com produções de grandes estúdios e ser extremamente bem recebido pelo público. Assim como o livro de Peter Benchley, que originou o roteiro, o filme também deixou a plateia em pânico ao entrar no mar.

 

O Império dos Sentidos (Japão/França, 1976) – Reserva Imovision


Eis um raro caso em que um filme clássico tem cenas de sexo explícito, sem entrar no terreno da pornografia. O diretor japonês Nagisa Oshima (1932-2013) escandalizou o mundo ao retratar a relação obsessiva entre a camareira de um hotel e o dono do estabelecimento. É um título inspirado em um caso real, de 1936, que traduz com fidelidade o universo erótico do casal, que passava dias transando de maneiras até inusitadas, como o uso do estrangulamento como satisfação do prazer sexual.

 

Taxi Driver (Estados Unidos, 1976) – Netflix


Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, o drama de Martin Scorsese chegou ao Oscar de 1977 com apenas quatro indicações e não levou nenhum prêmio. O tempo, porém, fez jus a uma das obras-primas do cineasta nova-iorquino que usa sua cidade natal como palco das andanças do taxista interpretado brilhantemente por Robert De Niro. Solitário veterano de guerra e emocionalmente instável, ele tenta tirar das ruas uma criança que se prostitui (Jodie Foster) enquanto se vê envolvido num romance de curta duração. “You talkin’ to me (você está falando comigo?)”, pergunta-se o personagem Travis Bickle mirando o espelho, numa das cenas mais icônicas do cinema.

 

Pixote, a Lei do Mais Fraco (Brasil, 1980) – Netflix


Argentino naturalizado brasileiro, Hector Babenco ganhou o mundo quando Pixote foi eleito o melhor filme estrangeiro de 1982 por várias associações de críticos americanos e recebeu também uma indicação ao Globo de Ouro – perdeu para o inglês Carruagens de Fogo. A história do garoto que vive nas ruas não era novidade no cinema (vide a trajetória do menino de Os Incompreendidos), mas havia um diferencial. Babenco, numa visita à Febem, conheceu alguns menores de idade e, dias depois, conversou pessoalmente com eles, já que um grupo havia fugido da instituição. Nasceu aí a ideia do filme, que teve integrado ao elenco uma personagem travesti e uma prostituta madura, interpretada magistralmente por Marília Pêra.

 

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