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    Eduardo Cunha, Rafael Picciani e Eduardo Paes em Sepetiba em 2014 FOTO: REPRODUÇÃO_YOUTUBE

questões da política

Eduardo Paes e a incômoda sombra de Cunha

Malu Gaspar | 10 mar 2016_18h00
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O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, gosta de dizer que o maior legado de sua gestão, que termina no final do ano, será o projeto de revitalização da região portuária da cidade, o Porto Maravilha. De fato, é um impressionante trabalho de reurbanização, que abriu ruas, construiu dois museus, bulevares e túneis, além de descortinar para os cariocas a orla do Centro da cidade. Mas o projeto corre o risco de passar para a história com duas nódoas bastante incômodas. A primeira é a da corrupção. A segunda, um prejuízo bilionário para os trabalhadores brasileiros.

O enredo que envolveu o Porto Maravilha em uma negociata milionária começou a ser desvendado no final do ano passado, quando os donos da Carioca Engenharia, uma das empreiteiras do consórcio contratado para a obra, fecharam com o Ministério Público um acordo de delação premiada. As outras componentes do consórcio são a Odebrecht e a OAS. Segundo os delatores, entre junho e julho de 2011, as empreiteiras se reuniram para combinar o pagamento de uma propina de 52 milhões de reais ao deputado Eduardo Cunha. Em troca, ele ajudaria a liberar recursos do fundo de infraestrutura do FGTS, a poupança pública dos trabalhadores num total de 3,5 bilhões de reais – montante que a Caixa Econômica Federal aplicou na compra dos títulos emitidos pela prefeitura do Rio que viabilizaram o projeto. Sem esses recursos do FGTS, geridos pela Caixa, a principal vitrine da administração de Eduardo Paes não teria saído do papel.

Cunha tinha influência decisiva sobre o assunto, pois indicara o vice-presidente de Fundos de Governo da CEF, Fábio Cleto. A parte da Carioca no acerto, 13 milhões de reais, foi paga em dólar e depositada em contas no exterior. A Procuradoria Geral da República agora quer apurar, entre outros detalhes, se e como foram pagos os outros 39 milhões de propina que, em tese, cabiam à Odebrecht e a OAS. Na última semana, Supremo Tribunal Federal autorizou a abertura do inquérito. Os donos da Carioca disseram que o acerto não envolvia ninguém na prefeitura nem no governo do estado – o que também vai ser verificado pela PGR.

A outra mancha no projeto do Porto – cujo alcance total ainda não se conhece – diz respeito ao rombo que a empreitada pode provocar no FGTS. Ao comprar, sozinha, todos os títulos imobiliários do Porto Maravilha emitidos pela prefeitura, a CEF passou a deter o controle dos novos projetos imobiliários na região. Isso significa que qualquer incorporador interessado em construir edifícios naquela área precisa comprar da Caixa os papéis da prefeitura do Rio que dão esse direito. Em troca do “privilégio”, o banco assumiu um enorme risco – o de pagar por todas as obras de renovação realizadas no bairro. Ou seja, por toda a renovação urbanística do Porto Maravilha. Mais exatamente 7,6 bilhões de reais, incluindo o valor já pago pelos títulos.

Segundo a promessa feita ao conselho do FGTS, controlado pelo governo, o plano era tão bom que a Caixa, ao vender a papelada, arrecadaria bem mais do que os 7,6 bilhões que teve que gastar com obras na região. Apesar da promessa atraente, nenhum investidor privado se interessou pelos papéis. Para os gestores especializados, era um projeto grande e arriscado demais, mesmo em tempos de bolha imobiliária. É por isso que se pode dizer que, sem o dinheiro do FGTS, a obra do Porto nunca teria saído. Apesar de, no final das contas, apenas recursos públicos terem sido empenhados no projeto, a prefeitura do Rio, a Caixa e os empreiteiros ainda chamam o negócio de PPP, uma parceira “público-privada”.

Pois bem. A crise veio, os incorporadores se retraíram e, hoje, dos quinze projetos de edifícios que compraram os títulos na CEF e tiveram sua construção autorizada, apenas seis começaram a sair do chão. O banco diz que a prova de que a operação é boa é que os papéis, comprados a 545 reais, hoje são vendidos por cerca de 1 800. Só não destaca o fato de que apenas um terço deles já ganhou o mercado – e que, mesmo assim, não foram pagos em dinheiro vivo, mas trocados por salas ou andares nos prédios ainda em construção. Só devem virar dinheiro mesmo depois que os imóveis estiverem prontos e forem alugados ou vendidos a terceiros. Enquanto isso não acontece, o FGTS sangra.

Em 2014, como o investimento não estava dando o retorno esperado e o dinheiro para as obras estava acabando, o Fundo decidiu injetar mais 1,5 bilhão de reais e estender o prazo para a papelada começar a dar retorno, de quinze para 25 anos (o Ministério Público também apura a suspeita de propina para a liberação desse segundo aporte). Até agora, portanto, 5 bilhões de reais do dinheiro do trabalhador brasileiro já foram despejados na região portuária, sem nenhum retorno concreto.

Enquanto isso, o prefeito do Rio mantém encontros com empresários, principalmente os paulistas – que, no final das contas, são quem banca ou desbanca as candidaturas presidenciais no Brasil. Nesses tête-à-têtes, o alcaide se gaba de sua capacidade administrativa, por ter conseguido realizar uma Olimpíada sem estouros no orçamento e sem corrupção. Sustenta que sua administração é uma grande parceira do setor privado. E, publicamente, já se descolou de Eduardo Cunha – alguém que, como mostro na reportagem de capa desta edição da Piauí, era tratado no passado como um aliado próximo. Paes sabe que, para seu futuro político, é fundamental atravessar a atual crise sem ser contaminado pelas estripulias de Cunha. Se vai conseguir, só o tempo dirá.

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