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    Crédito: Projeto Comprova

questões da desinformação

Novas redes, velhas mentiras

TikTok e Kwai, relevantes pela primeira vez numa eleição presidencial brasileira, concentram metade dos conteúdos checados pelo Comprova na campanha

Daniel Tozzi | 30 set 2022_15h29
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Em um vídeo que viralizou no TikTok, a apresentadora do Jornal Nacional Renata Vasconcellos anuncia o resultado de uma pesquisa eleitoral em que Bolsonaro lidera com 44% das intenções de voto. Mentira, é claro. Em outra gravação, um homem que se diz produtor rural e veste chapéu de cowboy afirma que Lula, quando presidente, mandou parar a produção de arroz em Roraima para demarcar terras indígenas. Mentira. Outro vídeo mostra um morador em situação de rua sendo preso por policiais durante uma motociata de apoiadores de Bolsonaro. A legenda mente ao dizer que esse homem estaria disfarçado de mendigo para tentar matar Bolsonaro com uma faca. 

Esses três conteúdos, que somavam 3,7 milhões de visualizações nesta terça-feira (27), foram publicados nas últimas semanas no TikTok e no Kwai, redes sociais voltadas para a disseminação de vídeos curtos. As peças foram analisadas pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 43 veículos de comunicação, inclusive a piauí, para verificar informações suspeitas nas redes sociais. O trecho do Jornal Nacional foi editado de forma enganosa; a decisão de demarcar terras indígenas partiu do Supremo Tribunal Federal (STF), não de Lula; e o homem detido na motociata não portava nenhuma faca

Na campanha deste ano, conteúdos compartilhados no TikTok ou no Kwai foram a origem de praticamente metade das verificações do Comprova. Entre 16 de agosto (primeiro dia oficial de campanha) e 25 de setembro, o projeto publicou 47 checagens, das quais 23 tratavam de conteúdos que viralizaram nas duas plataformas. Foram 14 no TikTok e 9 no Kwai. As demais postagens analisadas surgiram do Twitter, Instagram, YouTube, Facebook e outros sites. 

TikTok e Kwai desembarcaram no Brasil, respectivamente, em 2018 e 2019, mas a massificação das plataformas aconteceu mesmo a partir de 2020. Essa é, portanto, a primeira eleição presidencial em que os dois aplicativos desempenham papel relevante espalhando informações. No Brasil, segundo dados do site DataReportal, havia 74,1 milhões de usuários no TikTok até janeiro deste ano. O Kwai, segundo estimativas divulgadas pela própria empresa em 2021, tem ao menos 45 milhões de brasileiros inscritos.

“Pesquisas já mostram como o número de usuários e principalmente a quantidade de tempo gasto em redes como o Facebook vêm caindo. Esse público, majoritariamente os mais jovens, aderiu a plataformas cujos conteúdos têm um apelo imagético maior, como Instagram e as redes sociais de vídeos curtos”, explica Camilo Aggio, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele pesquisa o papel da comunicação em campanhas políticas. Segundo Aggio, TikTok e Kwai têm ocupado mais espaço nesse contexto devido à dinâmica veloz e tom satírico dos seus conteúdos. Boa parte das publicações são memes e montagens simples.

Aggio aponta outro elemento que fez essas redes sociais caírem no gosto dos brasileiros: a interação rápida com o WhatsApp, que, segundo ele, ainda é a ferramenta de comunicação primordial na consolidação de laços em qualquer esfera social, entre elas a da militância política. “Com um ou dois cliques você consegue fazer um conteúdo em vídeo sair do TikTok para o WhatsApp e compartilhá-lo com seus contatos”, explica o professor da UFMG. “Se a gente pensa numa perspectiva mais ampla, de um ecossistema de plataformas, o TikTok e o Kwai têm essa capacidade de alimentar uma circulação muito mais veloz e eficiente de conteúdo, e talvez por isso essas redes estejam ocupando uma posição de centralidade na hora de produzir conteúdos originais.”

Em contato com a piauí, a assessoria do TikTok no Brasil disse que remove da rede conteúdos com informações falsas sobre o processo eleitoral ou que violam outros pontos das diretrizes de comunidade da empresa. O TikTok também informou que mantém parceria com agências de checagem independentes e citou o acordo assinado no início do ano com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para combater a desinformação no ambiente digital. Segundo a empresa, todo conteúdo postado na rede que tenha relação com a eleição recebe uma etiqueta que redireciona o usuário para uma página oficial do aplicativo com um guia sobre as eleições.

o Kwai afirmou que, além de parceria com agências de checagem, possui um mecanismo de segurança que mistura inteligência artificial e análise humana para identificar conteúdos que infrinjam as políticas de comunidade da empresa, o que inclui, entre outras coisas, o combate à disseminação de notícias falsas. Em relação ao período eleitoral no Brasil, a empresa disse que desenvolveu uma política específica, que pode rotular conteúdos como falsos ou remover essas publicações da rede. Perfis que compartilham desinformação de forma constante também podem ser removidos, segundo o Kwai. A empresa também firmou um acordo com o TSE e, entre outras iniciativas em parceria com a Corte, lançou a página Central das Eleições

 

Dos 47 conteúdos investigados pelo Comprova até aqui na campanha eleitoral, 42 citam nominalmente algum candidato. A grande maioria (32) tinha o objetivo de prejudicar a candidatura do ex-presidente Lula ou exaltar os feitos do governo Bolsonaro. Apenas 8 das 47 postagens tentavam prejudicar a imagem de Bolsonaro ou exaltar Lula. Dois posts atacavam a presidenciável do MDB, Simone Tebet. Ambos foram feitos por apoiadores de Bolsonaro. 

Nas postagens analisadas pelo Comprova, predominam ataques pessoais, seja aos candidatos, aos seus apoiadores ou, de maneira mais ampla, aos partidos aos quais são filiados. Foram checadas catorze publicações desse tipo. Postagens contendo desinformação sobre políticas públicas ou o desempenho do governo federal aparecem em seguida, com oito posts analisados no período. Empatados em terceiro lugar, com cinco posts, estão: pesquisas eleitorais de intenção de voto; pandemia de Covid e publicações que mentiam sobre apoios que determinados candidatos receberam na campanha. Também foram temas de checagem supostas propostas dos presidenciáveis ou de seus partidos (quatro vezes) e o processo eleitoral no Brasil (três). Outros três posts traziam temas indefinidos ou outros assuntos. 

Das catorze publicações que faziam ataques pessoais, dez tinham Lula como alvo. É o caso de um vídeo que diz que o petista alugou “o avião mais caro do mundo” para fazer campanha em cidades do Nordeste, o que não aconteceu. Por três vezes os ataques foram direcionados contra Bolsonaro e seus apoiadores, como em um post no Twitter que usou fotos de ângulos diferentes para depreciar a adesão aos atos do Sete de Setembro. Simone Tebet também foi o alvo de uma postagem desse tipo: um perfil de Twitter chamado “Família Direita Brasil” mentiu ao dizer que a presidenciável do MDB assistiu a uma médica “ser humilhada” durante depoimento à CPI da Covid no Senado, em 2021. 

Dentre as oito verificações do Comprova sobre políticas públicas do governo federal, quatro mentiam ou descontextualizavam fatos para atacar os governos do PT. Foi o caso de um vídeo no TikTok que reuniu informações equivocadas para criticar financiamentos do BNDES. Duas postagens mentiam sobre acontecimentos do governo Bolsonaro para defendê-lo. Uma delas era um vídeo postado no YouTube que negava a existência do chamado “orçamento secreto” e fazia afirmações descontextualizadas para justificar a alta generalizada de preços no Brasil. Apenas uma postagem investigada pelo Comprova durante a campanha usou informações falsas ou enganosas para atacar medidas do governo Bolsonaro: um apoiador de Lula postou um vídeo no TikTok dizendo que o presidente havia confiscado verbas do abono salarial dos trabalhadores para usá-las em outros programas sociais, o que não aconteceu.

 

O terceiro tema mais comum nas checagens do Comprova foi a desinformação sobre pesquisas eleitorais. Nessa categoria, todas as cinco publicações foram feitas por apoiadores de Bolsonaro e atacavam a credibilidade dos institutos de pesquisa. Como se sabe, as pesquisas mostram Lula em primeiro lugar nas intenções de voto. Circulou nas últimas semanas, por exemplo, uma notícia falsa afirmando que o Ipec funcionaria no mesmo local do Instituto Lula

Também foram checadas cinco publicações que mentiam sobre apoios recebidos pelos candidatos a presidente. A maioria desses posts (quatro) servia para ajudar Bolsonaro. Um exemplo é um vídeo publicado no Twitter em que um pastor sul-coreano entrega um presente ao atual presidente durante um evento religioso em Brasília. Nas redes, o pastor foi apontado como sendo presidente da Coreia do Sul evidentemente não era. O vídeo era uma tentativa de rebater a ideia de que Bolsonaro está isolado no cenário internacional. 

Em paralelo, notícias falsas sobre a pandemia de Covid continuam a circular e foram tema de cinco verificações do Comprova. Quatro delas punham em dúvida a eficácia e a segurança das vacinas, enquanto outra falava sobre o chamado “tratamento precoce” usando como fonte um texto enganoso publicado no site Médicos pela Vida

 

Supostas propostas dos presidenciáveis foram tema de quatro boatos checados pelo Comprova. Lula e o PT foram alvo de dois deles: um sobre empréstimos com dinheiro público para a Venezuela, outro sobre a proibição do plantio de soja no estado de Mato Grosso. Simone Tebet teve uma fala retirada de contexto para insinuar falsamente que ela prometia cobrar mais impostos da população mais pobre. Já com Bolsonaro, uma postagem enganava ao utilizar recortes de uma entrevista concedida por ele em 2019 para sugerir que o presidente planejava acabar com os direitos trabalhistas no país. 

Por fim, o processo eleitoral em si foi tema de três verificações publicadas pelo Comprova desde 16 de agosto. As três postagens foram feitas por bolsonaristas: uma enganava ao dizer que as Forças Armadas teriam papel de destaque na apuração dos votos no dia das eleições; outra mentia ao afirmar que o eleitor deveria escrever o nome do seu candidato no caderno de assinaturas das seções eleitorais para poder auditar a votação; e a última enganava sobre a situação da candidatura de Lula junto à Justiça Eleitoral (o post usava um vídeo de 2018 que noticiava a exclusão do ex-presidente naquela eleição). 

Os três conteúdos com outros temas analisados pelo Comprova no período foram: a suposta tentativa de ataque a faca contra Bolsonaro durante uma motociata; um vídeo que zomba de um evento de Lula no Pará após a estrutura do palco ter tido problemas por causa de uma chuva; e um vídeo que mostrava o nome de Lula tarjado em uma placa de um museu no Rio (essa foi a única verificação do Comprova na campanha que recebeu a etiqueta “Comprovado”, ou seja, era um vídeo verdadeiro).