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    Ilustração: Carvall

questões de sobrevivência

O churrasquinho que salvou Lula

Defesa do direito a picanha e cerveja gelada deu visibilidade a petista na campanha e irritou Bolsonaro – mas antes ajudou o próprio candidato a vencer a quarentena

Thais Bilenky | 03 nov 2022_15h46
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O presidente Jair Bolsonaro (PL) se incomodou com o discurso do churrasquinho feito por Lula (PT), seu sucessor eleito. “Vai acreditar nessa conversa mole de que ‘todo mundo vai comer picanha todo final de semana’? Não tem filé mignon para todo mundo”, criticou, em agosto, durante a campanha eleitoral da qual sairia derrotado. Apoiadores do petista, por outro lado, iam ao delírio nos comícios quando Lula defendia o direito ao “churrasquinho e à cervejinha” no final de semana.

Além de resgatar a memória de tempos de bonança econômica para atrair votos, Lula tinha um motivo pessoal para recorrer ao discurso. Ele próprio se recolocou politicamente graças ao churrasquinho.

Quando ele foi preso pela Lava Jato, em 2018, muitos aliados sumiram. Lula passou a conviver com aqueles que o visitavam na cadeia ou com quem trocava cartas. Por mais numerosas que fossem as restrições impostas pela cela, quem acompanhava Lula diz que ele se mostrava mais confiante do que o seu pessoal, animava a tropa e tinha um horizonte mais largo da situação do que o seu entorno.

O problema mesmo veio depois de solto, na pandemia. O isolamento do primeiro ano de Covid foi cruel ao petista, então com 74 anos. Saído da prisão, se viu confinado de novo, apesar da expectativa de voltar a circular pelo país. E então mesmo no PT começou-se um movimento para aposentá-lo.

Em meados de 2020, notas plantadas em alguns veículos, sem fonte identificada, diziam que Lula era chamado de “gagá” por ex-ministros petistas. Candidato a presidente em 2018, Fernando Haddad (PT) era estimulado a botar o “bloco na rua” de novo. O ex-presidente se mostrou resignado.

Na época, ele convivia com três assessores e seus seguranças, todos fazendo quarentena juntos na casa de São Bernardo do Campo, além da esposa, Janja, e a sogra, que morreu em outubro de 2020 de Covid. Desde que deixou o governo, o petista tinha o hábito de confraternizar com os funcionários do Instituto Lula, das cozinheiras aos faxineiros, políticos e assessores. Carne, vinagrete, farofa e macaxeira não podiam faltar. 

 

Em casa, diante dos riscos sanitários de se compartilhar uma refeição, os churrascos se tornaram escassos e cuidadosos, mas ainda assim aconteciam. A deterioração da economia brasileira e o encarecimento dos alimentos mobilizaram Lula. Ele passou a monitorar o preço da picanha e de outros produtos da cesta básica diariamente. Pedia à assessoria que entrasse em sites de supermercado e relatasse todo dia os valores.

Em dezembro de 2019, ele gravou um vídeo reclamando dos preços. “Não é possível que o Brasil seja o país com o maior rebanho de gado do mundo e o povo pobre não possa comprar carne. Hoje o povo não está podendo comprar meio quilo de carne moída porque está custando 22 reais”, criticou. No Mato Grosso, um dos estados com grande produção bovina brasileira, o quilo de coxão duro, por exemplo, tinha passado de 24,51 reais, no ano de 2020, para  33,98 reais, em 2021.

A assessoria notou um engajamento maior com as publicações de Lula nas redes sociais quando ele passou a falar da fome e da carestia. Lula centrou a crítica nisso.

Até que, em 6 de março de 2021, o Ipec publicou uma pesquisa mostrando que Lula tinha maior potencial de voto do que Bolsonaro. Dois dias depois, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou as condenações do petista feitas pela Vara de Curitiba na Lava Jato. Com isso, ele recuperou seus direitos políticos. Poderia ser candidato outra vez.

 

No dia 10 ele foi comemorar com um discurso no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. “Você não sabe como eu ficava feliz quando eu via um trabalhador mostrar uma picanha e falar: ‘Eu vou comer picanha e vou tomar uma cerveja.’ É uma coisa fantástica”, discursou.

O tema da fome é central na vida de Lula. Ele viveu em insegurança alimentar na infância, tirou o Brasil do Mapa da Fome quando presidente e sempre falou que só descansaria quando os brasileiros pudessem tomar café da manhã, almoço e jantar. E foi esse tema – agora com o direito ao churrasquinho – que se tornou central na eleição e o reabilitou na vida política.