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    O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao centro, durante a sessão que aprovou o Orçamento de 2023 - Foto: Elaine Menke/Câmara dos Deputados

questões eleitorais

Orçamento secreto puniu PSB e Cidadania

Partidos tentaram barrar esquema e recuaram; deputados desses partidos que acompanharam Lira, porém, acabaram levando a melhor na reeleição

Breno Pires | 11 out 2022_18h09
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As urnas foram cruéis com partidos que pediram ao Supremo Tribunal Federal para barrar o esquema do orçamento secreto e, depois, voltaram atrás. PSB e Cidadania enfrentaram pressões, mas mesmo assim pediram o fim do mecanismo, em junho do ano passado, depois que uma série de reportagens publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo denunciou o orçamento secreto, que virou moeda de troca do presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Mas, depois disso, sob uma onda de pressão dos deputados aliados ao presidente da Câmara, Arthur Lira, PSB e Cidadania recuaram e desistiram das ações. Agora, não apenas diminuíram as bancadas da Câmara Federal, como também o total de deputados estaduais. 

Na Câmara, o PSB, que elegeu 32 deputados em 2018, já tinha sofrido uma diminuição na bancada para 23 e, agora, despencou para 14 deputados. O Cidadania, por sua vez, teve oito deputados eleitos em 2018, caiu para sete e, agora, só elegeu cinco. O partido está em uma federação com o PSDB, que fez outros 13 deputados. 

Nas Assembleias Estaduais, o PSB caiu de 65 deputados estaduais em 2018 para 54 em 2022 – elegendo uma média de dois por estado. O Cidadania (então PPS) baixou de 22 deputados estaduais para 17 eleitos, fazendo menos de um por estado. O PSB, no máximo, igualará os três governadores que elegeu em 2018 — fez um no primeiro turno, Carlos Brandão, no Maranhão, e tem dois candidatos no segundo turno, no Espírito Santo (Renato Casagrande) e na Paraíba (João Azevedo). O Cidadania não terá governador.

Como a piauí mostrou na reportagem Centrão colhe os votos do orçamento secreto , as emendas de relator ajudaram a reeleger 140 deputados do Centrão, que contaram com 6 bilhões de reais de dinheiro público, para dar o destino que bem entendessem, além do Fundão Eleitoral, de 5,7 bilhões. As emendas privilegiam a base aliada de Bolsonaro, mas são usadas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, para premiar deputados de oposição que eventualmente sigam a sua orientação em votações de interesse do governo.

Depois que PSB e Cidadania entraram no STF contra a prática, Lira e aliados bolsonaristas pressionaram os deputados das duas legendas que tinham interesse em receber os repasses do orçamento para que revissem a posição. Pelos dados compilados pela piauí, entre 2020 e este ano, 10 deputados do PSB e do Cidadania candidatos à reeleição tiveram ao menos 144 milhões de reais em emendas do orçamento secreto – média de 14,4 milhões. Entre esses dez, o índice de reeleição foi alto: seis se reelegeram (60%) – padrão Centrão. Mas outros 15 deputados dos dois partidos não tiveram recursos, e dentre eles apenas 4 se reelegeram (27%).

Na prática, o que aconteceu com esses dois partidos resume como a banda tocou no Congresso. Quem não marchou com Lira ficou para trás; quem cedeu a ele, por conveniência ou ideologia, recebeu sua cota e ajudou a manter vivo o esquema do orçamento secreto – e de certa forma contribuiu para o crescimento da bancada do Centrão. A quantidade de parlamentares reeleitos com uma mãozinha invisível no orçamento, e os valores que eles tiveram à disposição, certamente, são maiores. A base de dados analisada pela piauí só leva em conta 19 bilhões de reais, valor que foi possível mapear dentro de um total de 45 bilhões de reais já empenhados (reservados para gasto), restando ainda outros 8 bilhões de reais a empenhar até o fim do ano. 

 

Um outro recorte dentre os candidatos que tiveram acesso ao orçamento secreto ajuda a mostrar o poder das emendas: os que foram reeleitos tiveram, em média, valores maiores, 18,9 milhões de reais, enquanto os não reeleitos tiveram média de 7,7 milhões de reais.

Há também dois deputados do PSB que receberam emendas, mas mudaram de partido para concorrer nas eleições: Júlio Delgado, em Minas Gerais, e Aliel Machado, no Paraná, ambos pelo PV. Machado teve 52 milhões de reais em emendas e se reelegeu. Júlio Delgado, que já foi líder do PSB, teve ao menos 8,2 milhões e ficou de fora. 

O significado do recuo do PSB e do Cidadania foi mais político do que jurídico. Serviu para reduzir um pouco a pressão sobre o Lira, mostrando que nem todo mundo estava convicto da inconstitucionalidade. Na prática, a ação continua a tramitar no STF, em que pese a desistência. É o que acontece com as ações que tratam das emendas de relator-geral do orçamento, incluídas no orçamento com o código RP-9, com permissão que não está na Constituição mas é inserida desde 2020 na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

O pedido de desistência não passou sem críticas, na época. Senador do Sergipe, Alessandro Vieira, que integrava o Cidadania, ameaçou se desfiliar do partido (acabou trocando o Cidadania pelo PSDB). Ele chamou o orçamento secreto de “escândalo de dimensão nacional”, em nota pública divulgada na época, para marcar a discordância do novo posicionamento do partido.

O caso jogou também luz sobre a fragilidade dos partidos na comparação com as bancadas da Câmara. “A bancada solicitou [a desistência], e claro que o partido, o presidente individualmente, não ia fazer contra a bancada”, disse o presidente do Cidadania, Roberto Freire, em junho do ano passado, ao justificar o recuo. “A bancada entendeu que não tem problemas, que aquilo é normal”, disse, com misto de frustração e impotência. A piauí procurou Freire e o presidente do PSB, Carlos Siqueira. Nenhum dos dois quis falar.

O líder do Cidadania era o deputado Alex Manente, de São Paulo. Na época, ele disse que não havia feito indicação de emendas do relator-geral, apesar de o Estadão ter noticiado que o nome dele constava em uma planilha. Ele disse que apenas apontou ao presidente do Cidadania uma “contradição” em relação ao posicionamento do partido na Câmara. “Primeiro, não sabíamos do ingresso da ação. Mas, quando consultados como bancada, respondemos que tanto a bancada da Câmara como a do Senado votaram a favor do orçamento”, disse. 

Agora, porém, Manente rendeu-se abertamente às delícias do orçamento secreto. Ele solicitou, oficialmente, no site do Congresso, e teve aprovação do relator-geral, para indicação de 8,4 milhões só neste ano de 2022. Disse, também, ter indicado 5,4 milhões no ano passado. Ao normalizar o mecanismo de repasses, Manente afirma que “o próprio Supremo já identificou o nome de todos os parlamentares que tiveram resultado no orçamento que dizem secreto” e diz que não enxerga “motivo de ação nisso daí”.

Ao contrário do que o deputado diz, os dados de indicações de parlamentares entregues ao STF não passam de 30% do volume total de emendas do relator-geral do orçamento, referentes aos anos de 2020 e 2021. Ou seja: 70% continuam em segredo. Não há como o eleitor saber mesmo se um deputado informa uma parte e omite outra. E mesmo nas novas indicações, realizadas em 2022, a publicidade é optativa: qualquer parlamentar pode se esconder por trás de indicações registradas no nome de prefeitos ou representantes da sociedade civil, de quem sejam padrinhos.

Manente, no entanto, não credita a diminuição da bancada do Cidadania às questões ligadas ao orçamento secreto. “Todo partido que não esteve na polarização sofreu nesta eleição. O Cidadania é um dos partidos que sofreu com a não polarização. Manteve seus princípios colocados, pelo equilíbrio de uma social-democracia, liberal na economia”, disse. “Na minha opinião, a questão é política. O leitor não analisa orçamento, emenda. O eleitor analisa a posição que você está colocando. Eu digo isso com muita tranquilidade. Eu tive mais de 50% da minha votação exclusivamente pelo trabalho que eu fiz, focado, direcionado ao eleitor equilibrado, que quer um país sem rompantes de um lado e de outro, e que quer enxergar o futuro. Então eu não vejo que o orçamento secreto, seja lá o nome que é dado, influenciou no resultado da eleição.”

O principal aliado de Arthur Lira na bancada do PSB na Câmara, Felipe Carreras, de Pernambuco, avalia que o orçamento secreto pode ter tido um peso, junto com outro fatores. Segundo ele, o bom desempenho do Centrão pode ter a ver com as alianças regionais, em que partidos de centro-direita se coligam, muitas vezes, com governos de esquerda. “As emendas também ajudaram. É óbvio”, disse.

Mas ele avalia que a questão ideológica também foi preponderante e diz que é momento de o partido parar para pensar. “O povo foi nos extremos”, diz ele, julgando que um partido como o PT é tão radical quanto os bolsonaristas de extrema direita. “Eu acho que essa radicalização na política foi um dos fatores. O partido precisa de uma avaliação mais detalhada, de estado a estado, para ver o desempenho. Em vários estados, o partido não conseguiu atingir o coeficiente eleitoral, como no Ceará e no Maranhão.”

Diferentemente do líder do Cidadania, Carreras disse que, na próxima Legislatura, vai tentar cobrar mudanças no modelo de emendas de relator-geral. “Eu acho que na próxima legislatura, que não vai mudar nada nessa, eu vou fazer uma cobrança maior para existir uma regra mais clara. E que o poder não fique tão concentrado na mão de poucas pessoas, e que tenha não só transparência, mas também critério, para não ficar muito com um e pouco com outros”, disse.

Para a cientista política Beatriz Rey, pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre o Congresso da Uerj, a oposição deveria ter se mobilizado de maneira mais intensa contra o mecanismo das emendas de relator. “A oposição realmente poderia ter feito mais, para que o escândalo ficasse mais conhecido, como o mensalão e o petrolão”, disse. Segundo ela, a baixa mobilização pode ser uma consequência de deputados de muitos partidos terem tido acesso a recursos. “O orçamento secreto é um produto da gestão Bolsonaro, do Congresso da gestão Bolsonaro. E o PT parece que teve como estratégia deixar o Bolsonaro se derreter sozinho. E a gente sabe, com o resultado do primeiro turno, que foi uma aposta errada, porque Bolsonaro saiu forte do primeiro turno”, disse.

Rey considera, no entanto, que o orçamento secreto é o mais grave escândalo da história recente do país, na relação do Executivo com o Legislativo, “pelo número de perversidades que introduz na arena eleitoral e legislativa”. “O mensalão não distorceu o processo legislativo do jeito que o orçamento secreto distorceu, em parte pelo enorme fortalecimento do presidente da Câmara, que pode negociar diretamente liberação de verbas com aqueles de quem quer ter apoio”, disse.