À piauí, Queiroz confirmou que esteve nas tendas do Anil no sábado, mas disse que não fez campanha, até porque "é crime eleitoral fazer essas coisas" Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress
A tendinha do Queiroz
Apontado como operador da rachadinha da família Bolsonaro, Fabrício Queiroz busca voto em ação social numa região controlada pela milícia
No último sábado, dia 6 de agosto, os moradores do Anil, um bairro na região de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, tiveram uma surpresa ao sair de casa. A Rua Araticum, uma das principais da região, tinha sido ocupada por tendas. Dentistas estavam a postos para aplicar flúor nas pessoas. Técnicos estavam equipados para medir a pressão arterial e glicose da população. Barbeiros prontos para aparar cabelos. Até oficiais de cartório tinham sido mobilizados para agilizar a retirada de segunda via de documentos. Se alguém quisesse aproveitar para casar e oficializar a união ali mesmo, era só chegar.
Um professor que mora no Anil estava a caminho da feira e se deparou com a cena inusitada. Aproximou-se para entender o que estava acontecendo, passou os olhos pelos frequentadores até que viu um senhor calvo e sorridente conversando com todo mundo. Era Fabrício Queiroz, o famoso operador das rachadinhas da família Bolsonaro, segundo investigações do Ministério Público. Ele vestia uma camiseta da seleção brasileira e conversava com moradores. Por lá circulavam adesivos dos “amigos do Queiroz”.
Policial Militar aposentado, Queiroz disputa uma vaga na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) neste ano pelo PTB. Se eleito, será o titular de um gabinete, depois de anos como assessor do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, hoje senador pelo PL do Rio. À piauí, Queiroz confirmou que esteve nas tendas do Anil no sábado, mas disse que não fez campanha, até porque “é crime eleitoral fazer essas coisas”.
Sobre sua presença sob as tendas da Rua Araticum, Queiroz retruca: “Qual o problema, minha filha? Eu estava. Posso estar onde eu quiser. Apertei a mão de cinco pessoas lá. Em momento nenhum falei de política.” De acordo com o candidato, a ação é organizada periodicamente pela Fundação Leão XIII, ligada ao governo do Rio de Janeiro. O governador é o bolsonarista Cláudio Castro (PL-RJ). Com seu histórico e as evidências de que era o operador da rachadinha da família Bolsonaro, Queiroz tornou-se uma presença radioativa. Em abril de 2021, ele foi flagrado no estacionamento do Palácio Guanabara, sede do executivo estadual, acompanhando uma filha que tomaria posse em um cargo na Casa Civil. Quando sua presença foi percebida por assessores de Castro, a contratação foi cancelada.
“Eu não distribuí adesivo. O pessoal que criou pra mim. Tem um pessoal ali que me apoia, os irmãos gêmeos”, explicou Queiroz sobre sua presença no evento da Rua Araticum. “Desde a pandemia eles distribuem cerca de quatrocentas quentinhas pro pessoal que está precisando lá uma vez por semana”, prosseguiu. “Eles falaram que vão me ajudar, mas esse trabalho social não tem nada a ver comigo, não. Está querendo me vincular? Não tenho nada no governo, nada, nada, nada.” Um perfil no Instagram chamado Renato Gemeos 38 tem vídeos com cenas de distribuição de marmita para a população no Anil. A foto do perfil é de Queiroz com uma bandeira do Brasil atrás e a frase “Amigos do Queiroz”.
O policial aposentado não gostou de saber que um morador havia relatado o episódio à piauí. (O professor que conversou com a revista pediu para não ser identificado com receio de retaliações, já que a região é dominada pelas milícias.) “Bota o nome dele pra eu saber quem é. Está querendo botar palavra na minha boca. Não falei nada com a população porque cheguei lá já tinha terminado”, disse. “Fui lá pegar um amigo para ir a uma feijoada. Já estavam desmontando umas tendas, eu nem sabia o que estava acontecendo lá.” O professor contou, no entanto, que não foi a primeira vez que viu Queiroz nesse tipo de ação.
Em 1º de maio, Dia do Trabalhador, tendas foram montadas no meio da Rua Araticum, o que impediu carros de passar ou estacionar. Por volta das 11 horas, os organizadores puseram uma mesa na rua para apoiar panelas de feijoada. Rapidamente uma fila se formou. Lá pelas 12h30, Queiroz desceu de um Honda Civic, aproximou-se da mesa dando orientações sobre as quentinhas. Depois foi embora, de acordo com o professor. “Eu acho que você está querendo me vincular aí para dar trabalho pra mim. Não vai ser legal. Não vai, não”, reagiu Queiroz.
Numa conversa horas antes, também por telefone, Queiroz contou à piauí como será sua atuação caso seja eleito deputado estadual. “Minha prioridade com certeza é a segurança pública. Sou policial reformado, tenho trinta anos de polícia, sou paraquedista, sou conservador, defendo o armamento, defendo a vida, a liberdade de expressão, sou contra ideologia. A minha pauta é praticamente a pauta de direita, o que não quer dizer que a esquerda não tenha pauta que a gente possa votar junto.” Ele diz que vai trabalhar para melhorar a qualidade do serviço prestado pelo Hospital Central da Polícia Militar e tentar construir uma escola militar na Zona Oeste do Rio. “Vou tentar, né? Deputado estadual não pode fazer muito, mas [pode] brigar.”
Sua pretensão era virar deputado federal, mas foi convencido a ir mais devagar e tentar uma cadeira de deputado estadual. Questionado se o conselho veio de Flávio Bolsonaro, ele respondeu que “praticamente não”. Como estadual, precisará de menos votos para se eleger (seu objetivo é conseguir 50 mil) e terá menos concorrentes. Os bolsonaristas terão como candidatos a deputado federal pelo Rio de Janeiro figuras como o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o deputado federal Hélio Lopes e o sargento Max Guilherme, ex-assessor do presidente da República que se tornou desafeto de Queiroz. A ele, Queiroz se refere como “o menino da segurança que vai usar o sobrenome do Bolsonaro”.
Amigo de Bolsonaro por trinta anos, Queiroz se tornou peça central na investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre um suposto esquema de desvio de salário de servidores do gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj. Queiroz foi apontado como operador de uma organização criminosa que recolhia parte do salário dos funcionários em benefício próprio – num esquema que causou prejuízos de 6 milhões de reais aos cofres públicos, de acordo com as investigações. Durante mais de um ano, o paradeiro de Queiroz ficou desconhecido até ser preso, escondido num imóvel em Atibaia (SP), de propriedade de Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro. Foi posto em prisão domiciliar dias depois. Em novembro de 2021, o Superior Tribunal de Justiça anulou as provas do processo da rachadinha. Sete meses mais tarde, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro rejeitou a denúncia contra Flávio. O caso voltou à estaca zero na Justiça, e o Ministério Público ensaia recomeçar o processo.
À piauí, Queiroz diz não saber se terá apoio dos Bolsonaro em sua campanha, mas torce por isso. “A benção dele dizendo ‘ah, Queiroz é isso, isso, isso’ com certeza vai ajudar, né? Se 1% dos seguidores do Flávio ou meio por cento do Jair votar em mim, eu sou o deputado mais eleito [sic] aqui”, afirmou. “Se der certo vou fazer um excelente trabalho na Alerj. Se não, vou continuar minha vida normal, com minha aposentadoria de policial. Não vou deixar de apoiar o presidente em hipótese alguma. Não é porque sou amigo dele, não. É porque eu acho que [se a oposição quer que ele saia do poder] tem que tirar ele no voto, não fazer essa política que a esquerda vai de quanto pior melhor para o Brasil para derrubar o presidente.”
Queiroz disse que ganha 13.600 reais como policial aposentado. Na primeira versão da declaração de bens que entregou à Justiça Eleitoral para registrar sua candidatura, não constava nenhum bem. Questionado, retificou a informação – segundo ele, foi uma falha do PTB. Declarou que possui 690 mil reais em bens, incluindo dois imóveis. Ele afirma que não sabe se receberá repasses do fundo eleitoral do PTB para tocar a campanha. “Sou pato novo”, justifica. Acha que a fama obtida com o escândalo da rachadinha pode até atrair a simpatia de eleitores bolsonaristas porque ele não se voltou contra a família presidencial nem quando esteve preso. “Tem muitos que se dizem bolsonaristas que, se passassem por 10% do que passei, iam fazer de tudo. Tentaram me comprar pra falar mal da família. A prova de fogo acontece quando chegam ao poder e viram as costas para o presidente. Fica fácil, com gabinete e a máquina na mão.” Difícil, mesmo, é pedir voto em região de milícia sob as tendas do Anil.