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    Alok Sharma, presidente da COP26, no último dia de Conferência | Foto: Paul Ellis / AFP

cartas de glasgow

Entre a frustração e o otimismo

Conferência do clima se encerra com definição de regras e novos compromissos dos países, mas resultados decepcionam ativistas e não bastam para conter o aquecimento global

Bernardo Esteves | 13 nov 2021_19h56
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A COP26, a Conferência do Clima de Glasgow, se encerrou na noite de sábado (13/11), um dia depois do previsto, com a definição de regras para a implementação no Acordo de Paris, assinado em 2015 por quase duzentos países. A conferência foi marcada também pelo anúncio de compromissos assumidos pelo Brasil e por outros países, incluindo a intenção de zerar o desmatamento e reduzir as emissões de metano, um dos principais gases responsáveis pelo efeito estufa por trás do aquecimento da atmosfera. Mas as decisões deixaram um sentimento de frustração nos ativistas e movimentos sociais, que julgaram o resultado insuficiente para conter a crise climática.

A frustração é compreensível e, de certa forma, esperada: as ruas pediam compromissos agressivos dos países para diminuir suas emissões de gases-estufa. A pauta dos negociadores, porém, era mais modesta e envolvia a definição de regulações para viabilizar que os países atinjam a meta estabelecida em Paris, que é limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C em relação à era pré-industrial.

Nas discussões entre os signatários do acordo, estavam questões como a transparência na forma como os países deverão relatar o cumprimento das suas metas, o prazo com que terão que apresentar compromissos mais ambiciosos ou os mecanismos que regerão o mercado internacional de carbono criado com o intuito de ajudar os países a reduzirem suas emissões.

A decisão final da COP26 – o chamado “Pacto Climático de Glasgow”, ratificado na noite de sábado, junto com uma série de anexos – aborda cada um desses itens e, com isso, fecha o chamado livro de regras do Acordo de Paris. É o que os negociadores esperavam da conferência do clima deste ano, e é o tipo de avanço que era factível esperar dentro dos limites do multilateralismo, em que as decisões são tomadas de forma consensual e cada país tem poder de veto.

Fora das salas de negociação, porém, o mundo segue distante do objetivo traçado pelo Acordo de Paris. Mesmo que os países cumpram as contribuições voluntárias que apresentaram uns aos outros para frear o aquecimento global, o planeta deve se aquecer 2,4°C até o fim do século, bem além do patamar considerado seguro pelos cientistas. O cálculo já considera os compromissos mais ambiciosos que os países apresentaram em Glasgow, conforme haviam pactuado. 

O Pacto Climático de Glasgow insistiu na importância de os países manterem vivos os esforços para manter o aquecimento abaixo do limite de 1,5°C, e solicitou que eles apresentem até o fim do ano que vem novos compromissos de redução de emissões que levem em conta esse objetivo. O texto inclui também uma novidade histórica, ao trazer pela primeira vez num documento oficial das conferências do clima uma menção aos combustíveis fósseis – a principal fonte global de gases-estufa (mas não no caso do Brasil, cujas emissões se devem principalmente ao desmatamento).

No entanto, a menção aos combustíveis fósseis acabou entrando no documento numa versão bem atenuada em relação à redação original. No primeiro rascunho da decisão, os países eram convidados a “acelerar a eliminação gradativa do carvão e dos subsídios aos combustíveis fósseis”. Na versão seguinte do rascunho, a frase foi enfraquecida, e na plenária final ela foi novamente abrandada em resposta a uma objeção da Índia. No documento final, os países são estimulados a “intensificar os esforços rumo à redução gradual do uso de carvão mais poluente [unabated coal] e à eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis ineficientes”. 

A menção inédita aos combustíveis fósseis foi festejada por ambientalistas, mas a atenuação da linguagem foi recebida com frustração. “Seria muito produtivo se os termos tivessem sido revistos”, disse Stela Herschmann, do Observatório do Clima. “Sabemos que, nesta década, se quisermos manter a chance de manter o mundo no rumo de 1,5°C, esses recursos têm que ficar no chão.”

O Pacto de Glasgow traz poucos avanços, no entanto, em relação ao financiamento aos países em desenvolvimento, um tema que ameaçou travar as negociações durante a conferência. No Acordo de Paris, os países desenvolvidos se comprometeram a empenhar 100 bilhões de dólares por ano a partir de 2020 para ajudar as nações em desenvolvimento em seus esforços para reduzir suas emissões e se adaptar aos efeitos do aquecimento global. No entanto, os recursos ainda não chegaram a esse patamar.

O Pacto de Glasgow insta os países desenvolvidos a atingir esse valor “com urgência” e a dobrar sua ajuda para a adaptação dos demais até 2025, em relação aos patamares de 2019, mas não disse com clareza de onde virão os recursos. “A formulação do texto é uma espécie de ‘devo, não nego, pago quando puder’ por parte dos países ricos”, comparou a advogada Suely Araújo, do Observatório do Clima.

Outra demanda dos países menos desenvolvidos que não foi atendida no texto é a busca por fundos de reparação pelas perdas e danos que já são sentidas nessas nações em função da crise climática. Os países desenvolvidos têm se oposto a esse pleito, por temor de que a ajuda seja vista como um reconhecimento de culpa pelo aquecimento global, com possíveis desdobramentos legais. O Pacto de Glasgow reconhece a importância de que esses países tenham recursos para lidar com suas perdas e danos, mas não dão detalhes sobre o montante ou a origem dos fundos. 

A resolução adotada pela Conferência do Clima foi recebida com otimismo por Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa. “O texto está bem estruturado e balanceado, tanto que ninguém está feliz.” Dentre os aspectos positivos, ela apontou a determinação de prazos de cinco anos para que os países apresentem novas metas, a pavimentação de caminhos para um financiamento mais agressivo para a adaptação nos próximos anos e a regulamentação dos mercados de carbono – que “não ficou perfeita, mas conseguimos virar a página e seguir em frente”.

Ela celebrou também que o pacto esteja estruturado em torno do objetivo de limitar o aquecimento a 1,5°C: “O Acordo de Paris está vivíssimo, vamos agora para a implementação a pleno vapor.” Unterstell considera que essa foi a conferência do clima mais permeada pelas preocupações do mundo real. “A diplomacia é incremental”, afirmou. “É ótimo ver um pacote tangível e ambicioso em termos daquilo que o multilateralismo pode entregar a curto prazo.”

Já Karen Oliveira, da The Nature Conservancy Brasil, avaliou que o texto trouxe avanços, mas o resultado final não passa de uma carta de intenções. “Sejamos sinceros, não saímos de Glasgow com novos compromissos”, afirmou. Ainda assim, ela vê motivo para otimismo. “Se por um lado os governos em geral – e o brasileiro em especial – não foram tão ambiciosos, por outro vimos uma grande movimentação da sociedade civil e uma aliança com o setor privado em vários projetos, mostrando que existe conhecimento e condições financeiras para se implementarem soluções.”

O otimismo, no entanto, contrasta com o que estava sendo pedido pelos movimentos sociais não só nas ruas, mas também nos corredores da conferência. A COP26 teve a presença marcante de jovens ativistas, do movimento negro e de povos indígenas – que, no caso brasileiro, foram representados em Glasgow por uma delegação de tamanho sem precedente. Os ativistas vieram à COP26 exigindo justiça climática e o fim dos combustíveis fósseis, reivindicações bem mais ambiciosas do que o que estava em pauta nas negociações.

Apesar de não atendidas, as reivindicações dos movimentos sociais talvez estejam alinhadas com o que é necessário para que se limitem os efeitos da crise climática. “Ainda há uma distância muito grande entre o resultado dessa COP e o que o planeta precisa”, disse o ambientalista Carlos Rittl, da Rainforest Foundation. “Os consensos fechados em Glasgow se pautam pelo mínimo denominador comum, que não é o caminho apontado pela ciência, pelas ruas ou pelo mundo real dos eventos climáticos extremos.”

A avaliação de Stela Herschmann foi na mesma direção. “A conferência não foi um fracasso, mas tampouco entregou o que o mundo precisa”, afirmou. Para ela, a decisão não refletiu o senso de urgência que a crise climática inspira. “A cada minuto que perdemos discutindo se as metas dos países têm ambição ou não, situação piora e vidas são perdidas.”

* A hospedagem do repórter em Glasgow foi financiada pelo Instituto Clima e Sociedade.

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