A epopeia de Luzia
Em Salvar o fogo, de Itamar Vieira Junior, as emoções dos personagens refletem a cara e os problemas do Brasil
Cheguei ao livro Salvar o fogo pela necessidade despertada por Torto arado, de ler mais sobre as histórias de pessoas de origem humilde que vivem longe do litoral. Por mais que essas trajetórias fossem localizadas em territórios distantes de Goiânia, onde nasci, elas lembravam as histórias picadas que sempre ouvi. Se separar dos irmãos para buscar melhores condições de vida, por exemplo. Não voltar ou reencontrar muito tarde sua família – no caso do meu avô materno, José Francisco, só depois de aproximadamente três décadas, por insistência da mineiridade da minha avó, Ilda.
Também me influenciou na chegada ao livro o zum-zum-pá criado pela publicação de uma resenha de Lígia G. Diniz na revista Quatro Cinco Um.
Salvar o fogo demora mais a engatar do que Torto arado, que já no primeiro capítulo pega o leitor e a leitora. No caso do livro mais recente, o desenrolar da figura de Luzia foi responsável por minha aproximação. A vontade dela de ir embora, casada, na juventude com um pretendente promissor, e o pesadelo em que esse suposto amor se converte; a intuição que a liga a uma espiritualidade que não pode mais existir, frente a uma estrutura de poder católica que se impõe; a corcunda que a faz, ainda mais, alvo e diferença.
As dores de Luzia são compreensíveis, mas ela é uma personagem complexa, com algumas características que às vezes repelem. A amargura que vem com seu cuidado, por exemplo; ou sua submissão, sempre acompanhada de uma dureza que serve à mímica de ser parte de uma “elite”, mesmo que seja tida como um fantasma. Há também a confiança que se faz cegueira e, de novo, gera o abuso.
Mas Luzia muda, solta os cabelos crespos que viviam represados. Sai do encarceramento doloroso. Talvez o desfecho do livro seja previsível, mas era disso mesmo que eu precisava, como leitora. Alguém para me dizer que ser quem não se é de fato é um fardo muito pesado para se carregar pela vida inteira. É preciso salvar a lava do vulcão, em que o artista plástico Leonilson (1957-93) construiu seu autorretrato. Algo que parece muito diferente do fogo de Vieira, que faz questão de levar em conta as urgências cotidianas da vida. Mas os dois, ao final, são parecidos quando tomados como combustível para assumir a controvérsia gigante que é ser sincero consigo mesmo.
Leia um trecho do livro, publicado na edição da piauí de março de 2023: https://piaui.folha.uol.com.br/exclusivo-um-trecho-do-novo-livro-do-autor-de-torto-arado/
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