Foto: Danilo Verpa/Folhapress
“Eu me sinto mais seguro sem a polícia aqui”
Morador da comunidade de Morrinhos, no Guarujá, descreve os momentos de tensão e pânico dos últimos dias
Na noite de 27 de julho, um policial militar da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) foi baleado quando fazia patrulhamento próximo à comunidade Vila Zilda, no Guarujá, cidade do litoral de São Paulo. O policial acabou morrendo. Desde então a Polícia Militar de São Paulo vem realizando uma operação militar em várias comunidades da área. Até o momento já foram confirmadas catorze mortes. Um designer que vive na comunidade de Morrinhos relatou o clima de tensão dos últimos dias.
Em depoimento a Pedro Tavares
Eu moro na comunidade de Morrinhos, no Guarujá. E aqui a comunidade é dividida em Morrinho 1, 2, 3 e 4. O Morrinho 1 é como se fosse uma classe A da favela, com moradias um pouco melhores. E vai diminuindo. O 4 é onde eu moro. E ainda tem, um pouco mais pra trás, o pessoal que mora em barracos. Aqui a gente está próximo das comunidades da Vila Zilda e da Vila Julia. A morte do PM foi nessa região.
Na sexta de manhã o Guarujá todo já tava cheio de policia. De tarde mataram um e de noite mais outros, pelo que ficamos sabendo aqui. O clima tá bem pesado. Você olha na rua e não vê ninguém. Sensação de terror e de medo. Na verdade, o clima aqui é sempre esse. Não nesse nível de matança, mas sempre esse. De medo e insegurança.
A gente tá falando com os amigos e parentes por grupo de WhatsApp. Grupos que a gente já tinha, pra falar de futebol, essas coisas, agora estamos usando pra mandar notícias, pra gente se atualizar da situação. Eu tenho um irmão que tem passagem [pelo crime], mas hoje em dia ele trabalha. Agora ele está com medo de trabalhar porque, ao voltar pra casa, ele pode ser parado e morrer.
Até então aqui no meu bairro tava de boa, eles vinham só fazer ronda, mas sem agressão, até que ontem começaram a pegar pesado. Eu me lembro de quando eles começaram a chegar aqui perto. Eram umas sete da noite quando eles começaram a vir para cá. Cara, era muita viatura, umas sete ou oito, da Rota e do Choque. Eles pararam os carros em algum canto e começaram a andar.
Minha irmã estava no portão aqui de casa e me falou que eles tinham passado aqui na rua e foram para o beco. Eu moro umas duas ruas na frente de onde os policiais estavam entrando. Cerca de 20, 30 minutos depois eu ouvi três tiros. Aí começaram a chegar as notícias, mataram não sei quem, mataram não sei quem. E estamos até agora nessa.
Teve uma hora em que chamaram o Samu para socorrer o rapaz. Mas o pessoal que estava lá vendo me disse que não deixaram o Samu entrar, a ambulância ficou na porta do beco, e a polícia não deixou ninguém entrar. Não foi só o Samu, ninguém podia passar. Moradores também não podiam entrar, o pessoal não podia sair. Os policiais falaram que estava tendo troca de tiro. Mas não estava tendo. A gente iria ouvir. Eles estavam executando todo mundo lá. Aí ficou nisso até meia-noite. Depois veio a perícia, e levaram o corpo de um moleque. Trabalhador, provavelmente vindo do trampo, e mataram o cara.
Hoje de manhã (01/08) abri o meu Facebook e vi um post do patrão dele. Dizia assim:
“Bom dia
Quando falei pra tomarem cuidado que a rua à noite estava perigosa é por isso, rapaz que trabalhava e trabalhou comigo nesse último fim de semana ao sair à noite de casa, por volta das 20h da Vila Nova/Morrinhos foi morto por ter passagem, ser negro e morar na favela … Rapaz já trabalhava comigo há mais de ano. Paguei ele domingo (30/07) e ontem (31/07) mataram.
Correção: Essa fatalidade não foi na Vila Nova e sim no Morrinhos 4, no beco Canaã. Ele estava indo sentido mercado Cuevas”
Acho que aqui em Morrinhos 4 foram umas duas mortes. A última é o caso desse rapaz aí. As comunidades com mais mortes estão na região de Vicente de Carvalho, a uns 20 minutos daqui de Morrinhos. Pelo menos os relatos que chegam são esses. Lá os caras chegam, atiram e vão embora. E às vezes eles passam disfarçados também. Na comunidade da Prainha passou um carro à paisana atirando, nem era viatura. Em vários grupos de WhatsApp que eu tô mandaram isso, postaram foto e mandaram áudios relatando essa situação aí. Eu costumo dizer que eu me sinto mais seguro sem a policia aqui.
Ontem ficaram repassando um áudio que mataram o homem na casa dele, esse lá na Conceiçãozinha. Ele estava com a filha no colo, os policiais invadiram, quebraram o portão, falaram pra passar a criança para a mãe e mataram o cara nos fundos da casa. Eu não conhecia essa pessoa que gravou. Hoje de manhã eu recebi mais áudios, agora de conhecidos, falando desse mesmo episódio. Uma amiga de um conhecido meu era vizinha desse rapaz que mataram. E ela disse que viu os caras entrando na casa, tirando ele de lá e levando para trás da casa. Ela teria ouvido quatro tiros.
A imprensa está dando catorze mortes, e algumas matérias que chegam aqui pra gente já dizem que são dezenove mortes. Mas a gente tem certeza que são mais. Os moradores tão organizando um protesto pra amanhã, na praça 14 bis, em Vicente de Carvalho. Tá marcado para as duas da tarde.
No meu bairro agora tá tranquilo. Mas eu tô em casa. Nem ouso olhar na rua.
* Por motivos de segurança, o designer preferiu não ter o nome divulgado.
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