Futebol africano em Copas do Mundo: o futuro que não chega
Essa história começou em 1982, com a seleção de Camarões. Em um dos grupos de classificação mais estranhos de todas as Copas, cinco partidas terminaram empatadas e o único jogo a ter vencedor foi Polônia e Peru (5×1). A decisão pela segunda vaga, entre Itália e Camarões, ficou por conta do número de gols marcados. A Itália tinha feito dois, foi adiante e deu no que deu; Camarões, que só fizera um, dançou. Mas era a primeira vez em que o futebol africano recebia olhares de admiração.
Lembro que, em 1974, Brasil, Iugoslávia e Escócia também empataram os jogos entre si, e a decisão aconteceu pela diferença de gols obtida nas partidas contra o Zaire (atual República Democrática do Congo). Como a Iugoslávia vencera por nove a zero e a Escócia por dois a zero, o Brasil precisava de uma diferença de três gols e ninguém parecia preocupado. Só que jogamos muito mal e quem salvou a pátria foi o goleiro Kazadi, que engoliu uma tremenda penosa no terceiro gol, de Valdomiro.
Era esse o papel que os países africanos costumavam fazer em Copas do Mundo, mais ou menos como o do Taiti na última Copa das Confederações. Quem mudou essa história foi a seleção de Camarões do goleiro N’Kono, do meio-campista Abega e do atacante Roger Milla. É fato que, ainda em 82, a Argélia só não passou da primeira fase devido ao “Jogo da Vergonha” – Alemanha um, Áustria zero, resultado sob medida para classificar os dois vizinhos e eliminar os africanos. Mas,apesar dos três empates e do golzinho solitário, quem empolgou de verdade foi Camarões.
A alegria, a ginga e a ofensividade foram saudadas como o futuro do jogo. Vista como uma deficiência a ser brevemente superada, com a importação de treinadores experientes e a exportação dos jogadores mais talentosos, a ingenuidade defensiva não preocupava tanto.
Houve lampejos. Marrocos em 86, Camarões em 90, Nigéria em 94 e 98, Senegal em 2002, Gana em 2006. E novamente Gana em 2010, quando foi eliminada nas quartas de final pelo Uruguai numa partida sensacional e que teve a jogada mais empolgante da Copa: a defesa do atacante Luis Suárez no último lance da prorrogação, cometendo pênalti e evitando o gol que levaria, pela primeira vez, um país africano à semifinal de uma Copa do Mundo. Asamoah Gyan bateu, Muslera defendeu. E como não há nada tão ruim que não possa piorar, na disputa de pênaltis os ganeses perderam, com a última cobrança sendo feita pelo mucho Loco Abreu sob a forma de cavadinha.
Entretanto, 2010 trouxe a confirmação da má notícia que vinha pintando há tempos: a europeização das seleções da África negra, com sistemas táticos rígidos, excessivas preocupações defensivas, nada de malemolência, nada de correr riscos. As seleções africanas passaram a praticar o futebol de resultados – o que quase sempre quer dizer resultados ruins.
Agora em 2014, seria bacana se fosse diferente. Qualquer seleção africana que passar da primeira fase vai virar, de imediato, o segundo país de todos os torcedores brasileiros. Mas não creio que isso venha a acontecer.
Nada vai ser fácil para Camarões, no grupo que tem Brasil, México e Croácia. Melhor instalada, na chave com Japão, Colômbia e Grécia, as chances da Costa do Marfim são maiores. Yaya Toure, do Manchester City, é ótimo meio-campista, mas a defesa continua insegura e a dependência ofensiva em relação ao já envelhecido Drogba atrapalha. Brigando com Alemanha, Portugal e Estados Unidos, a vida de Gana será dura, mas pode surpreender. Dispõe de jogadores com boa folha de serviços prestados ao futebol europeu, casos de Essien e Muntari, ambos do Milan. Enfrentando Rússia, Bélgica e Coreia do Sul, a Argélia poderia sonhar, mas talvez seja a mais fraca das seleções africanas que vêm ao Brasil. Das cinco, a Nigéria me parece a que tem mais possibilidade de seguir adiante, no grupo com Argentina, Irã e Bósnia-Herzegóvina. E mais: se passar, pode dar a sorte de cruzar nas oitavas com Suíça ou Equador e ser a mais bem-sucedida das africanas. Os destaques nigerianos continuam sendo o goleiro Enyeama – que fechou o gol contra a Argentina na Copa de 2010, chegando a fazer Messi perder a paciência – e o volante Mikel, do Chelsea.
De qualquer modo, muito provavelmente ainda não será nessa Copa que teremos uma seleção africana entre as quatro primeiras. A promessa continuará sem ser cumprida. E o futuro, mais uma vez, não vai chegar.
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