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Futebol muito mais simpático

A transbordância de jogos transmitidos ao vivo dificulta o exercício do direito de escolha, e põe em risco boa parte dos casamentos. Neste final de semana, havia todas as partidas das séries A e B, a estreia de Paulinho no campeonato inglês e de Neymar no espanhol, os novos-ricos franceses e, claro, os queridinhos do momento – os alemães –, dos quais eu me interessava pelo jogo do Hertha Berlin, muito mais por motivos literários do que futebolísticos: no desgovernado e excelente O paraíso é bem bacana, de André Sant’Anna, o personagem principal é o menino-craque Mané, que sai muito novo do Santos para jogar no Hertha Berlin, acaba virando o muçulmano Muhammad Mané e o resto da história eu não serei inconveniente de contar. O livro, bom demais, me fez simpatizar com o clube. Pois bem: era uma infinidade de jogos para escolher, mas tenho a impressão de que uma das partidas que vi, só eu vi.

| 20 ago 2013_15h03
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A transbordância de jogos transmitidos ao vivo dificulta o exercício do direito de escolha, e põe em risco boa parte dos casamentos. Neste final de semana, havia todas as partidas das séries A e B, a estreia de Paulinho no campeonato inglês e de Neymar no espanhol, os novos-ricos franceses e, claro, os queridinhos do momento – os alemães –, dos quais eu me interessava pelo jogo do Hertha Berlin, muito mais por motivos literários do que futebolísticos: no desgovernado e excelente O paraíso é bem bacana, de André Sant’Anna, o personagem principal é o menino-craque Mané, que sai muito novo do Santos para jogar no Hertha Berlin, acaba virando o muçulmano Muhammad Mané e o resto da história eu não serei inconveniente de contar. O livro, bom demais, me fez simpatizar com o clube. Pois bem: era uma infinidade de jogos para escolher, mas tenho a impressão de que uma das partidas que vi, só eu vi.

(Antes da bombástica revelação, um parêntese. Uma das coisas mais bacanas que já encontrei sobre futebol, na internet, foi um post publicado em 2009 por Bernardo Pombo no blog Bola de Meia, tratando da ida de Tonico Pereira ao estádio da rua Teixeira de Castro para ver Bonsucesso e Quissamã. De acordo com o ótimo ator que faz o Mendonça de “A grande família”, fez o Zé Carneiro do “Sítio do Picapau Amarelo” e participou de dezenas de filmes importantes, como “A queda”, “Memórias do cárcere”, “A grande arte” e “Saneamento básico”, aquele futebol era muito mais simpático.)

Fechado o parêntese, vamos ao mico: sábado eu assisti a Guarani e Madureira, pela série C, partida transmitida ao vivo pela TV Brasil (canal 166 da Sky). Minha mulher tinha ido a um pequeno empório perto de casa e, quando chegou, perguntou que jogo eu estava vendo. Numa fração de segundo, me passou pela cabeça lançar mão das abreviaturas usadas naquele placar que fica no alto da tela (GUA x MAD), para dizer que era Guadalajara x Real Madrid pela Copa Subcomandante Marcos, mas percebi que a história não se sustentaria. Falei a verdade, minha mulher me olhou com aquela cara de “caso perdido” e foi arrumar as compras.

Três coisas me atraíram para o jogo. Primeira: nas nove rodadas já disputadas, o Guarani não levara um mísero golzinho. Segunda: na rodada anterior, o Madureira esmagara o Grêmio Barueri pelo barcelônico placar de seis a zero. Terceira: fiquei curioso para ver quem eram os caras que faziam aquela transmissão e tentar descobrir que crime haviam cometido.

O jogo aconteceu no Brinco de Ouro da Princesa, estádio que já recebeu uma final de Campeonato Brasileiro – a de 1978, quando o Guarani ficou com o título depois de vencer o Palmeiras, tanto lá quanto no Morumbi, por um a zero. Só que aquele era o Guarani de Careca, e não esse do Fumagali.

Quanto à partida: sem a mesma eficiência da rodada anterior, o Madureira não conseguiu quebrar a invencibilidade do Guarani, que sustentou o caráter de sua campanha – fazer poucos gols (apenas seis em dez jogos) e não tomar nenhum. O jogo acabou zero a zero.

Quanto à transmissão: genial. No pré-jogo estavam no estúdio o âncora Rogério Bastos Medeiros, o repórter-comentarista Sérgio du Bocage e, na condição de convidado especial, Cláudio Garcia. Pra quem não lembra: jogador muito técnico e inteligente, Cláudio fez o segundo gol do Fluminense no histórico e sensacional Fla-Flu que decidiu o campeonato carioca de 1969. Durante aquela temporada, ele e Samarone se revezavam na função que hoje chamamos de meia-atacante, abastecendo o artilheiro Flávio. Mais tarde, Cláudio Garcia foi o treinador que começou a montar o ótimo time tricolor que acabaria vencendo os estaduais de 83, 84 e 85, além do campeonato brasileiro de 84. Esse cara estava participando da transmissão de Guarani e Madureira, pela série C. Futebol às vezes é ingrato.

Na hora do jogo começar, o âncora Rogério Bastos Medeiros foi chamar o narrador e, acreditem, esqueceu o segundo nome. Ruy… Ruy… olhou para uma ficha onde, evidentemente, não constava o segundo nome e, constrangido, mandou: “É com você, Ruy!” Só fiquei sabendo o nome do narrador quando a legenda pulou na tela: Narração, Ruy Fernando.

Aos dezoito minutos, depois de um ataque perigoso do Madureira, o repórter Marcelo Bianconi (ele mesmo, dos gloriosos tempos do “Show do Esporte”, na TV Bandeirantes) fez uma confusão danada. Traído pelo sobrenome do comentarista convidado, disse que o treinador do Madureira – Alexandre Gama – era Alexandre Garcia, dando à transmissão ares de chamada para um dos programas jornalísticos da Globonews. Um pouco mais tarde, Bianconi se referiu ao jogo que é recorde de público no estádio: Flamengo três, Guarani zero, pelas semifinais do Campeonato Brasileiro de 1982. Mas essa Bocage corrigiu de bate-pronto: o jogo foi três a dois, com três gols de Zico e dois de Jorge Mendonça.

Fiquei sabendo que a média de público do Santa Cruz na competição é de 18.000 torcedores. Mais gente que o número de pessoas presentes, quinta-feira passada, no Maracanã, para o jogaço entre Botafogo e Internacional. E que as partidas da série C são transmitidas ao vivo pela TV Brasil para 65 países. Além disso, Ruy Fernando, Bianconi, Cláudio e Bocage ficaram um bom tempo discutindo a falta que faz, ao time do Guarani, o meio-campista Simeão, e em outro momento promoveram uma rápida resenha linguística para decidir se um jogador do Madureira aplicara um lençol ou um chapéu.

Domingo, a TV Brasil transmitiu Brasiliense e Sampaio Corrêa. Declinei. Mas a próxima partida do Santa Cruz eu não perco.

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