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Hoje a seleção brasileira começa uma velha fase

Pelo histórico recente de formar um craque atrás do outro, adquirimos o mau hábito de depender deles, quando deveríamos dar mais valor à ideia do conjunto. Aprender com Jorge Sampaoli a montar um eficiente sistema defensivo, mesmo tendo um cara de 1,71m (Medel) jogando de zagueiro. Entender, com Joachim Low, que uma seleção pode ser ofensiva até com dois zagueiros de área (Boateng e Howedes) cumprindo as funções de laterais. No futebol, existe time bom de qualquer jeito: ofensivo ou defensivo; com um, dois ou três atacantes; com laterais que avançam ou que ficam. Tudo é possível, desde que todos saibam o que fazer em campo e mantenham o equilíbrio nas diversas situações que um jogo duro costuma apresentar.

| 05 set 2014_15h35
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Tomara que eu me estrepe, mas tudo leva a crer que hoje à noite será inaugurada mais uma sala do museu de grandes novidades em que o futebol brasileiro se transformou.

Por incrível que pareça, depois da Copa de 2002 Dunga foi o mais bem-sucedido dos treinadores da nossa seleção, o que evidencia a dificuldade que temos em evoluir. Sabemos do Teixeira e de personalismo, do Marin e de continuísmo, do calendário e de estagnação, da cínica frase tuitada pela herdeira do decano da bandalheira (“o que tinha que ser roubado já foi”). Se tudo isso sempre serviu e serve para obstruir os caminhos do futebol brasileiro, ainda assim seria possível não passar, em campo, a recente vergonha que fomos obrigados a suportar.

Eu não gostava da seleção do Dunga, mas gostei menos ainda da do Mano Menezes e, depois de tanto ler e ouvir a respeito do quão doloroso foi perder a final para o Uruguai no Maracanã, estava certo de que jamais passaria por algo parecido. Até que veio o apagão – de inteligência, de humildade, de atualização tática, de conhecimento – e fez com que a derrota de 1950 virasse coisa pouca, café pequeno.

Conclusão: volta Dunga. Como já haviam voltado Parreira (1994, 2006) e Felipão (2002, 2014). Estamos sempre voltando, numa pouco inteligente corrida atrás do que não sabemos mais o que é. Mesmo sob o risco de perder nosso estilo de jogo – se formos crédulos o bastante para pensar que isso ainda existe – e diante das inevitáveis dificuldades de adaptação, continuo achando que seria um choque positivo trazer um técnico de fora. Haveria protestos, bate-bocas, petições por reserva de mercado, mas movimentaríamos a cena e talvez saíssemos desse rame-rame.

Em recente entrevista ao repórter Luiz Maklouf Carvalho, da revista , Dunga declarou que Neymar não é craque porque “para ter carimbo de craque, tem de ter o carimbo de campeão do mundo nas costas”,raciocínio a um só tempo perverso e torto. Perverso por incluir na lista dos não-craques caras como Dirceu Lopes, Falcão, Leivinha, Zico, Reinaldo, Careca, Júnior, Sócrates, Ademir da Guia. E torto por, de forma indireta, sapecar o tal carimbo em Roque Júnior, Paulo Sérgio, Ronaldão, Vampeta, Anderson Polga, Edmílson, Dario, Fontana e – quanta falta de elegância! – nele mesmo, Dunga.

Tem sido massacrada essa tecla de que não há mais craques brasileiros – a única exceção admitida, embora sem unanimidade, é Neymar –, só que isso está longe de significar que não podemos ter um grande time. Não vi craque nas seleções da Holanda e do Chile (Robben e Vidal são muito bons jogadores), mas vi dois times difíceis de ser enfrentados. Defesa organizada, meio-campo equilibrado, ataque com movimentação intensa. Não é fácil para uma seleção sem craques levantar a Copa, mas, dependendo do momento do futebol mundial, também não é de todo impossível – vide a Itália de Materazzi e Luca Toni em 2006.

Por outro lado, espero que perguntar o óbvio não ofenda: para que serve um técnico de futebol? Em vez de chorar a ausência de craques – coisa que, pelo menos que eu tenha visto, Dunga não fez – o que um bom treinador precisa fazer é montar o melhor time possível com os jogadores de que dispõe.

Nossa seleção naufragou, mas Felipão tem razão quando poupa Fred e pede: batam em mim. O comandante é sempre o responsável. Com caras que fazem bonito nas mais importantes competições europeias – Tiago Silva, David Luiz, Fernandinho, Oscar, Willian –, poderíamos não ter a obrigação de ganhar que Felipão e Parreira tanto propagandearam, mas tínhamos a de montar um time forte e bom.

Pelo histórico recente de formar um craque atrás do outro, adquirimos o mau hábito de depender deles, quando deveríamos dar mais valor à ideia do conjunto. Aprender com Jorge Sampaoli a montar um eficiente sistema defensivo, mesmo tendo um cara de 1,71m (Medel) jogando de zagueiro. Entender, com Joachim Low, que uma seleção pode ser ofensiva até com dois zagueiros de área (Boateng e Howedes) cumprindo as funções de laterais. No futebol, existe time bom de qualquer jeito: ofensivo ou defensivo; com um, dois ou três atacantes; com laterais que avançam ou que ficam. Tudo é possível, desde que todos saibam o que fazer em campo e mantenham o equilíbrio nas diversas situações que um jogo duro costuma apresentar.

Estudar, aprender, reconsiderar, buscar alternativas, mudar o que não estiver dando certo, organizar a defesa, criar espaços no ataque, extrair o melhor de cada um. Alguém acredita que Dunga é o cara certo para fazer tudo isso aí?

Repito: tomara que eu me estrepe.

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