Ilustração: Carvall
Lama de Brumadinho estimulou superbactérias
Germes do Rio Paraopeba, que abastece Belo Horizonte, ficaram resistentes a antibióticos depois da tragédia ambiental de 2019
O rompimento de uma barragem operada pela Vale em Brumadinho (MG), um desastre que matou 270 pessoas em janeiro de 2019, alterou as populações de bactérias que vivem no Rio Paraopeba, um dos principais afluentes do São Francisco. O impacto da lama sobre o rio favoreceu a proliferação de micróbios resistentes a antibióticos, conforme mostrou um estudo recém-publicado por cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e de outras instituições brasileiras.
A ruptura da barragem de rejeitos da mina do Córrego do Feijão é uma das maiores tragédias ambientais ligadas à mineração na história do Brasil, ao lado de outro rompimento de barragem ocorrido em novembro de 2015 em Mariana, também em Minas Gerais – esta última era operada pela Samarco, uma subsidiária da Vale controlada também pela mineradora anglo-australiana BHP Billiton.
O desastre de 2019 liberou no ambiente 12 milhões de m3 de rejeitos de minério de ferro e lama. Boa parte desse material foi parar no Rio Paraopeba, que passa em Brumadinho e em outros 34 municípios mineiros num percurso de mais de 500 km. A Bacia do Paraopeba é de onde vem a maior parte da água que abastece a região metropolitana de Belo Horizonte, a terceira maior do país, com cerca de 6 milhões de habitantes.
Publicado na revista científica Science of the Total Environment, o estudo da UFRJ mostrou que, quatro meses após o despejo da lama tóxica, houve entre as bactérias do Rio Paraopeba um aumento significativo na resistência a vários antibióticos amplamente usados para tratar infecções em humanos, como a ampicilina ou a amoxicilina. Todas as amostras de bactérias testadas tinham resistência a pelo menos um antibiótico, e uma em cada dez estava tolerante a três medicamentos diferentes.
Os autores acreditam que esse fenômeno está ligado ao rompimento da barragem. “A lama induziu o aumento da resistência aos antibióticos no Rio Paraopeba”, disse à piauí o oceanólogo Fabiano Thompson, da UFRJ, um dos autores do artigo. “Aquele ambiente é propício para a amplificação dessa resistência.”
A resistência a antibióticos é um dos maiores desafios globais para a saúde pública e para a segurança alimentar, e está por trás de 1,27 milhão de mortes todo ano, de acordo com números do CDC (Centros para o Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos). Estimulada pelo uso indiscriminado de antibióticos em humanos e animais, a resistência faz com que as bactérias deixem de responder aos medicamentos e continuem a proliferar normalmente, aumentando a letalidade de doenças que poderiam ser tratadas, como pneumonia ou tuberculose.
A constatação da resistência das bactérias do Rio Paraopeba “acendeu a luz de alerta vermelho”, conforme a imagem usada por Thompson, porque pode expor milhões de pessoas e animais a uma séria ameaça à saúde pública. “O consumo dessa água pode gerar problemas se ela não for tratada de forma adequada”, alertou o pesquisador.
Desde o acidente, três órgãos ligados ao governo mineiro recomendam que a água do Paraopeba não seja usada de forma bruta. A qualidade das águas do rio era classificada como sendo de classe 2, o que significa que elas podiam ser destinadas para o consumo humano e a irrigação após tratamento padrão. No entanto, não foi feita uma nova classificação após a queda da qualidade causada pelo despejo dos rejeitos. “As estações de tratamento precisam ter plantas condizentes com a qualidade da água”, continuou Thompson.
Em nota enviada à piauí, a Vale disse que ainda não conhecia o estudo e vai analisar seus resultados. Alegou que está monitorando o rio em 70 pontos e já coletou mais de 57 mil amostras. Afirmou ainda que está tomando medidas previstas no Plano de Reparação da Bacia do Paraopeba, que foi lançado em janeiro de 2019 e prevê ações de valor estimado em 5 bilhões de reais. “A recuperação do rio Paraopeba e da qualidade de sua água é uma das prioridades da empresa”, diz a nota.
Num estudo publicado em 2019, o mesmo grupo da UFRJ já havia mostrado que a lama despejada no Rio Paraopeba acelerou a mortalidade de peixes paulistinha e causou um aumento na concentração de mercúrio, ferro e outros metais tóxicos. Nesse estudo, os cientistas haviam observado também um aumento da quantidade de bactérias tolerantes à presença de ferro na água. E foi esse resultado que os motivou a investigar se elas também estavam mais resistentes a antibióticos.
“Muitas bactérias resistentes a metais também são tolerantes a antibióticos”, explicou Thompson. “Isso porque as bactérias usam mecanismos genéticos muito parecidos para desenvolver a resistência aos metais e aos antibióticos.” O fenômeno já tinha sido observado em áreas em que ocorreram acidentes de mineração em países como China, Índia e Reino Unido. E o caso de Brumadinho confirmou a suspeita dos cientistas, embora ainda falte elucidar os mecanismos bioquímicos pelos quais os rejeitos de mineração estimularam a resistência a antibióticos.
A equipe testou a resistência das bactérias a antibióticos em amostras de água que haviam sido coletadas em oito pontos do Rio Paraopeba em dois momentos: uma semana após o rompimento da barragem e quatro meses depois da tragédia, em maio de 2019. Como não foram analisadas amostras colhidas recentemente, os pesquisadores não têm como dizer como está a resistência aos antibióticos hoje, quatro anos após o despejo da lama tóxica no rio.
Mas Thompson aposta que, se um novo teste fosse conduzido com amostras deste ano, encontraria resultados parecidos. “O que condiciona o aumento ou a diminuição dessas bactérias é a poluição”, disse o cientista. “A lama não foi removida e a turbidez da água continua elevada, especialmente nos períodos com chuva.”
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