Lula ao lado do presidente francês Emmanuel Macron e da vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, durante a cúpula entre países latino-americanos e europeus em Bruxelas, em julho de 2023 Foto: Ricardo Stuckert/PR
O cálculo por trás da cartinha venezuelana
Ao repreender Nicolás Maduro, Lula tenta se firmar como negociador de crises internacionais sem melindrar sua relação com o chavismo
Desde que assumiu o terceiro mandato de presidente da República, Lula tenta adotar a posição de mediador internacional para os principais conflitos do mundo. Foi assim com a guerra da Ucrânia, tem sido assim com os bombardeios a Gaza. Nenhuma crise, no entanto, lhe diz tanto respeito quanto a da democracia na Venezuela.
Lula acompanhou de perto as negociações dos Acordos de Barbados, no ano passado, quando Washington e Caracas acertaram os termos de uma transição democrática, conversa mediada por diplomatas da Noruega. O petista enviou seu assessor especial, o embaixador e ex-chanceler Celso Amorim, para acompanhar as tratativas in loco no país caribenho. A diplomacia brasileira também trabalhou ativamente na Venezuela em direção a uma eleição pacífica.
No ano passado, coube ao Brasil sinalizar que Nicolás Maduro estava disposto a ceder. Primeiro, Celso Amorim foi em missão a Caracas em março, para sentir o clima. Depois, convidou Maduro para a reunião dos presidentes de países sul-americanos em Brasília, em maio, quando o venezuelano se reuniu com Lula. A intenção do governo, sobretudo de Amorim, era sinalizar uma normalização das relações da Venezuela com o resto do continente, e assim passar uma mensagem de cooperação aos Estados Unidos e à União Europeia.
Em julho, na cúpula entre a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a União Europeia, em Bruxelas, o presidente francês Emmanuel Macron convocou Lula para liderar uma reunião com chefes de Estado da América Latina para tratar da questão venezuelana. Diante dessa expectativa de protagonismo, a subida de tom é explicada por algumas razões.
De início, Brasil e Estados Unidos concordavam que a candidatura da ex-deputada María Corina Machado, opositora ferrenha do regime Maduro, poderia tumultuar o pleito. Líder de um partido que se autodenomina “centrista” e defende uma gestão liberal de Estado, Machado falava abertamente sobre sua intenção de mandar prender Maduro e a cúpula do chavismo caso ela viesse a ganhar as eleições. Esse discurso dinamitava qualquer possibilidade de governabilidade numa gestão de Machado, caso ela realmente fosse eleita. Sua candidatura foi inabilitada em janeiro deste ano. Embora a decisão tenha provocado mal-estar com os Estados Unidos, que ameaçaram retomar sanções contra a Venezuela, o governo brasileiro avaliou que a inabilitação de Machado era necessária para que houvesse uma transição minimamente pacífica.
Ainda restavam outros candidatos de oposição a serem considerados. Machado, contudo, não quis largar o osso. Indicou uma substituta, a professora universitária Corina Yoris, para assumir seu lugar na disputa. Yoris não tem qualquer experiência política. Mas tem o nome “Corina”, um elemento útil na solidão da urna, dada a popularidade de sua apoiadora, María Corina Machado.
Yoris, porém, também teve sua candidatura inabilitada pelo governo venezuelano. Em fevereiro, foram presos ao menos uma dezena de políticos, todos opositores de Maduro. Como Yoris não ameaçava prender ninguém, o governo brasileiro considerou sua inabilitação uma arbitrariedade. Essa mensagem foi transmitida a Caracas por vias diplomáticas, mas não convenceu.
No começo desta semana, quando a inabilitação de Yoris foi confirmada, a cartinha de repreensão já estava pronta no Palácio do Planalto, embora fosse o Itamaraty o encarregado de fazê-la chegar às autoridades. Dizia: “[O Brasil] observa que a candidata indicada pela Plataforma Unitaria, força política de oposição, e sobre a qual não pairavam decisões judiciais, foi impedida de registrar-se, o que não é compatível com os acordos de Barbados. O impedimento não foi, até o momento, objeto de qualquer explicação oficial.”
A resposta de Caracas veio carregada de ironia e uma dose de hipocrisia, considerando que as eleições no país vêm sendo negociadas diretamente com os Estados Unidos. Segundo a nota, a carta do Brasil é “cinzenta e intrometida” e “parece ter sido ditada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos”.
Segundo integrantes do governo brasileiro ouvidos pela piauí, embora seja totalmente imprevisível o desfecho da eleição na Venezuela, prevista para julho, o Brasil não irá muito além da nota divulgada nesta semana. Embora o fracasso das eleições venezuelanas também signifique, em alguma medida, o fracasso de Lula como negociador de crises, o Planalto não tem intenção de macular as relações pacíficas que sempre cultivou com o chavismo – mesmo que a Venezuela permaneça como está: um regime autoritário, não uma democracia.
No episódio publicado nesta sexta-feira (29), o podcast Foro de Teresina explica os desdobramentos diplomáticos desse caso. Ouça aqui.
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