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Mãe só há uma – gênero fluido

Eduardo Escorel | 04 ago 2016_17h36
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Anna Muylaert é dotada de inegável talento para identificar temas relevantes com potencial para repercutir na mídia e no público – relações de classe, em Que horas ela volta?, de 2015, e indefinição de gênero, em Mãe só há uma, que estreou há duas semanas. Ambos se destacam na produção brasileira recente, onde predominam filmes sem importância, e nesse aspecto não é favor algum reconhecer os méritos de Muylaert.

A boa recepção dada a Que horas ela volta?, além do interesse pelo tema, pode ser atribuída em parte ao tratamento ligeiro da história, com toques de humor, e mais do que tudo à presença esfuziante de Regina Casé, a empregada doméstica Val, personagem principal do filme. Isso, sem esquecer, conforme comentamos neste blog em setembro do ano passado, o fato de ser, nas palavras da própria Muylaert, um “feel good movie” (filme que proporciona bem estar), no qual a harmonia prevalece sobre o conflito e do qual os espectadores, segundo ela, “saem muito felizes”, com esperança graças a “um final positivo, otimista”.

O pendor de Muylaert para amenizar relações antagônicas volta a se manifestar em Mãe só há uma, mesmo sem que esse seja um “feel good movie”. Por outro lado, o jovem ator Naomi Nero não cria um personagem central com magnetismo suficiente para que o enredo gravite à sua volta, como ocorre com a Val de Regina Casé em Que horas ela volta?. Com isso, a luta do adolescente Pierre/Felipe em defesa do direito a ser de gênero indefinido se torna hesitante, errática mesmo, resvalando em momentos para a caricatura. E o filme como um todo acaba desandando.

Muylaert declarou em entrevista a Flavia Guerra, publicada na CartaCapital, que Mãe só há uma “não traz um final fechado, fica no ar”. E seria isso “que incomoda, pois há algo que naturalmente a gente quer classificar”. Explicação insatisfatória que tem características típicas de auto-engano, não sendo plausível que esse seja o motivo da insatisfação causada pelo filme.

A premissa dramática contida no título – Mãe só há uma – se revela uma pista falsa, pois o enredo não se ocupa com a história da personagem que encarna esse enunciado. Concentra-se, em vez disso, nos embates de Pierre/Felipe em defesa do direito de ser “o que quiser ser”, nas palavras de Muylaert na entrevista citada. A opção por esse viés fica clara desde o prólogo – a festa que antecede o título, na qual adolescentes participam do jogo erótico, aproximando-se e entrelaçando-se ao som da música, indiferentes a categorias, papéis e gêneros.

A mãe de criação de Pierre/Felipe, Araci (Dani Nefussi), que o roubou recém nascido, assim como a sua irmã menor, desaparece depois de ser presa. Esse sumiço, que alguém chamou de “omissão voluntária”, só pode mesmo ser intencional. É um despiste que deve ter parecido um desafio interessante para Muylaert, mas cujo resultado na tela não é nada instigante. Ao contrário, apenas estimula a sensação de ser uma lacuna narrativa, entre outras.

Para Muylaert, sempre na entrevista citada, essa “história mais quebrada” [do que a de Que horas ela volta?] faria de Mãe só há uma um filme “imperfeito do ponto de vista narrativo”, mas mais “ousado”. Ousadia auto-proclamada que é difícil identificar. A narrativa imperfeita é pontuada por elipses, com destaque para a ausência de maiores considerações sobre o fato de Araci ter roubado as duas crianças, salvo a pixação “monstra” que aparece em um plano. Tratando o delito como ato corriqueiro, Mãe só há uma resulta mesmo é decepcionante.

Exibido menos de um ano depois de Que horas ela volta?, Mãe só há uma parece um filme de ocasião, lançado no vácuo do anterior para aproveitar seu sucesso. Tática que nem sempre dá certo.

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