Ilustração de Carvall
Mais médicos, mas nem tanto
Em meio à pandemia, candidaturas de “doutores” cresceram só 7%; para cada candidato médico em 2020, há dois militares e policiais
Quando a pandemia obrigou milhões de pessoas a se trancarem em casa, entre o medo da Covid-19 e a vontade de voltar à vida normal, um hábito ganhou força mundo afora: aplaudir os médicos e demais profissionais da saúde nas janelas. Para os brasileiros não foi diferente. No final de março, religiosamente às 20 horas, as pessoas colocavam a cabeça para fora e, em meio a faixas e gritos de apoio, aplaudiam aqueles que tomaram a frente do combate ao Sars-CoV-2 para salvar vidas. As homenagens tomaram correntes de WhatsApp e programas de televisão. Trajados com todos os equipamentos de segurança, equipes médicas posavam para fotos com cartazes que diziam “estamos aqui por vocês, fiquem em casa por nós”. Tamanha popularidade respingou na política, mostram os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O número de candidatos a vereador, prefeito e vice-prefeito que se declaram médicos em 2020 cresceu 7,2% em comparação com 2016: foram 2.711 candidaturas este ano contra 2.528 no último pleito.
O crescimento, porém, não se deu de modo uniforme entre os partidos. O Republicanos é um exemplo de partido em que a representatividade dos médicos ganhou força: o número de candidatos quase dobrou, saindo de 66, em 2016, para 123, em 2020. O presidente nacional da sigla, deputado Marcos Pereira, avalia que não é possível dizer que o aumento aconteceu exclusivamente pela pandemia, mas representa um movimento da população. “Não dá para dizer que esse crescimento de candidaturas se deu apenas por causa da pandemia. A cada pleito surgem novas lideranças e isso, sem dúvida, reflete o contexto atual do país. É natural que os médicos tenham ficado em evidência e sempre orientamos nossos presidentes estaduais e municipais a estarem atentos a esses profissionais. Acredito que o esse crescimento ficará ainda mais evidente nas próximas eleições, em 2022”, afirma Pereira.
Na primeira pesquisa Ibope de intenção de votos de 2020, realizada no início de outubro, a saúde é apontada como a prioridade número 1 da maioria dos eleitores – tendência já verificada em eleições passadas. Entre as capitais pesquisadas, apenas Vitória fugiu à regra. A população da capital do Espírito Santo apontou a segurança pública (61%) como principal problema local, na sequência aparecem saúde (45%), transporte coletivo (30%) e Educação (28%).
Mesmo assim, o aumento de candidatos médicos ficou bem abaixo, por exemplo, dos de candidatos ligados à área de segurança pública. Na comparação com a última eleição municipal, o número de policiais militares concorrendo a prefeituras quase triplicou. Na eleição de 2016, 71 PMs concorreram a prefeituras no país inteiro; neste ano, são 193. Para cada médico que se lançou candidato em 2020, há dois militares e policiais. Ao todo, são 6,7 mil policiais e militares contra os 2,7 mil médicos.
Um fator pode ter interferido para que o aumento do total de candidatos médicos ficasse abaixo dos 10% num ano marcado pela pandemia: o término do período para as filiações nos partidos políticos coincidiu com o auge do isolamento social. Os decretos de fechamentos dos comércios, escolas e parques nas principais capitais brasileiras, como Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, aconteceram entre os dias 16 e 24 de março, período em que a sensação de medo e precaução com a pandemia estavam em crescimento. O fim das inscrições partidárias, por sua vez, se deu em 4 de abril, enquanto tudo estava fechado.
Como a pandemia começou perto do prazo final das filiações, as cidades ainda não estavam enfrentando todas as dificuldades, estava tudo no começo. “Não houve tempo para uma influência em massa no número de candidatos para 2020. Ainda assim, a situação atraiu atenção para os profissionais de saúde como um todo. Com isso, um candidato que é médico, nesse momento em que a população está preocupada com a saúde, sai na frente”, avalia o presidente nacional do MDB, deputado Baleia Rossi.
O MDB é o partido que tem o maior número de profissionais de saúde candidatos em 2020, mas não houve aumento em relação aos anos anteriores. Pelo contrário, o número caiu de 336 para 258, entre 2016 e 2020. Para Rossi, isso se deve ao fato de o MDB, líder em número de prefeituras em todo o país, priorizar candidatos que já tenham certa experiência política. Isso acaba dando pouca margem para novidades, sem refletir movimentos ascendentes, como o dos médicos.
“No MDB, por ser um partido mais tradicional e municipalista, os candidatos geralmente já têm uma carreira na política. Temos poucas novidades e pouco espaço para buscar um candidato que siga uma tendência de última hora. Existe, sim, liberdade de cada diretório buscar e montar as suas chapas. Historicamente, apresentamos uma média boa de candidatos médicos, mas não houve nenhuma estratégia específica para atrair um número maior para esse pleito”, afirmou Rossi.
O CEO e fundador do Ideia Big Data, Maurício Moura, diz que é natural que os médicos e demais profissionais da saúde saiam como grandes heróis da pandemia, no Brasil e no mundo. Além disso, a temática da saúde, que já tinha muita relevância no debate público, sai fortalecida e as pessoas mais críticas e exigentes com o serviço, uma vez que análises mais técnicas, como número de leitos e respiradores e condições de trabalho nas unidades de atendimento passaram a fazer parte do dia a dia dos eleitores.
“Quando existe uma necessidade muito forte da opinião pública aliada a discussões sobre o tema, as pessoas ligadas à área tendem a se favorecer, e esse vira o tema da eleição. O sistema político se adapta e acolhe esses profissionais. O candidato médico tem um argumento muito forte ao dizer o que vai fazer na área, uma vez que enfrentou no dia a dia os problemas que a falta de investimento faz. Afinal, você prefere um político administrando um hospital ou médico que sabe as dificuldades do dia a dia?”, questiona. Em sua avaliação, a influência dos médicos e profissionais da saúde na política deve ser sentida em sua totalidade nas próximas eleições, em 2022, quando a temática deve assumir o protagonismo dos debates como aconteceu com a segurança pública em 2018. “As consequências da pandemia se tornaram muito fortes, mas não houve tempo para que houvesse um protagonismo ainda em 2020. Com a inflexão da onda de segurança pública, a saúde será o tema mais importante do próximo pleito. O desemprego e os esquemas de corrupção na compra de insumos e contratação de hospitais de campanha devem ajudar no tom do debate”, analisa Moura.
De um município a outro, os temas de saúde e o impacto da pandemia ganham cores variadas. Coronel Fabriciano (MG), cidade de pouco mais de 110 mil habitantes a 220 km de Belo Horizonte, tem 3.753 casos de Covid-19 e 77 óbitos. Das seis candidaturas à prefeitura, quatro têm médicos como cabeça de chapa ou vice, incluindo o atual prefeito, Dr. Marcos Vinícius (PSDB). Vice na chapa do PT, Chico Simões também é médico e foi chefe do executivo local por três mandatos. Em Campinas (SP), o candidato a prefeito Dário Saadi (Republicanos), médico, participou de um evento que ofereceu consultas gratuitas um dia antes do início da campanha, em 26 de setembro. Os exames gratuitos foram divulgados nas redes sociais. Os adversários políticos acusam Saadi de compra de votos, o que ele nega. Diz que realiza o evento de avaliação médica dos moradores há 20 anos e “apenas o desespero de adversários pode explicar a transformação desse fato em causa eleitoral”. E, se a compra de votos está sob investigação, as fotos do evento mostram a aglomeração de pessoas – o que contraria as recomendações sanitárias para a campanha no ano da pandemia.
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