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    FOTO: JEFFERSON RUDY/AGÊNCIA SENADO

questões da política

Mais perto do fim

Como a delação de Delcídio entorna o caldo de notícias ruins que vêm se acumulando sobre Dilma e Lula

Malu Gaspar | 03 mar 2016_18h21
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Aqueles que ainda vislumbravam alguma chance de o Planalto sair das cordas e conduzir uma agenda minimamente propositiva no Congresso têm, a partir de hoje, razões muito fortes para reavaliar suas opiniões. Talvez não seja exagerado dizer que, embora Dilma Rousseff continue dando expediente no Palácio do Planalto, na prática o seu governo acabou.

A delação do senador Delcídio do Amaral, ex-líder do governo no Senado, entorna de vez o caldo de notícias ruins que vêm se acumulando sobre Dilma e Lula desde a semana passada: a prisão do marqueteiro João Santana e sua mulher, Mônica Moura, colocou a campanha presidencial petista no centro da Lava Jato; detalhes da delação dos executivos da Andrade Gutierrez vieram à tona revelando caixa 2 na campanha de 2010; executivos da Odebrecht começam a negociar a colaboração com a Justiça; o sócio da OAS, Léo Pinheiro, também decidiu aderir à delação e deve acrescentar novidades aos casos envolvendo Lula e as reformas do apartamento do Guarujá e do sítio em Atibaia.

Ao contrário do que o governo já insinua, na tentativa desesperada de controlar o fogo, a delação do senador Delcídio do Amaral não é uma peça sem credibilidade. É verdade que ela ainda não foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal, assim como é verdade que ainda não se sabe quais provas Delcídio vai apresentar para sustentar o que diz. O senador se apressou em afirmar que não reconhece a autenticidade dos documentos utilizados pela reportagem que divulgou a delação, em nota que é um belo exercício de retórica. O fato político, porém, está criado. As 400 páginas de informações que o senador já prestou ao Ministério Público não vão desaparecer como por encanto, e o tumulto que elas provocaram continuará reverberando.

Delcídio do Amaral não é uma figura sem importância – nem no governo Dilma nem na engrenagem do petrolão. Desde a descoberta do mensalão, quando atuou como relator da CPI dos Correios, Delcídio é depositário dos segredos mais recônditos do petismo. Não é coincidência que alguns dos fatos mais antigos sobre os quais se propõe a falar à Justiça tenham a ver com a operação para calar o publicitário Marcos Valério e tirar do relatório final da CPI os nomes do então presidente Lula e de seu filho Fábio Luís.

Amigo de infância de José Carlos Bumlai, Delcídio presenciou o estreitamento das relações entre o pecuarista e o presidente. Sabe contar, por exemplo, quais despesas de Lula e seus familiares Bumlai bancava – e o pecuarista amigo costumava dizer, nos bastidores, que elas iam bem além das reformas no sítio de Atibaia.

Durante o governo Dilma, o senador transformou-se num dos mais próximos interlocutores da presidente e de Lula. Até ser preso, articulando a fuga do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, tinha reuniões semanais com o ex-presidente, tanto em São Paulo como em Brasília. Não foram poucas as ocasiões em que presenciou os xingamentos de Lula contra o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, por este não ter controle sobre as investigações da Lava Jato.

Delcídio estava com Lula na manhã em que Marcelo Odebrecht foi preso, e foi testemunha da apreensão do ex-presidente com o que estava por vir. Levava recados de Lula aos parlamentares e líderes partidários, e articulou pessoalmente com o senador Renan Calheiros a defesa do governo no processo do Tribunal de Contas da União sobre as pedaladas fiscais de Dilma e Nelson Barbosa.

Delcídio, por fim, partilhava da mesma irritação que Dilma despertava em Lula. Numa determinada manhã de novembro, depois de uma noite de conversa regada a uísque com o ex-presidente, disse a um interlocutor: “Está chegando a hora de ela (Dilma) aprender que não pode fingir que não tem nada a ver com o rolo.” Talvez tenha sido mera coincidência que, logo depois dessa conversa, Delcídio tenha sido pilhado por Bernardo Cerveró em sua célebre gravação. Ele trabalhava para manter sua delação em segredo, mas parecia não ter percebido que, a partir do momento em que foi preso, deixou de ter controle sobre seu destino.

Como se não bastasse, os detalhes das delações dos executivos de empreiteiras – Andrade Gutierrez, já em curso, Odebrecht e OAS, ainda por vir – vão colocar mais lenha na fogueira e incendiar tanto os debates no Congresso como – é muito provável – o clima de insatisfação nas ruas.

João Santana está acenando aos procuradores da Lava Jato com uma delação que destrinche o esquema de financiamento ilegal de todas as campanhas de que participou no país. O cerco se fecha.

E, por mais que pareça contraditório, a agora mais provável cassação de Eduardo Cunha pode dificultar ainda mais a situação do governo. Nas palavras de um interlocutor próximo da presidente: “O que segurava Dilma no governo era Eduardo Cunha. Sem ele, a oposição vai se unir.” A questão que começa a tomar corpo, portanto, não é mais se o governo acaba ou não, e sim quão logo ele chegará ao fim.

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