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    Ilustração de Carvall

questões turísticas

Margaritas, donuts e vacina

Com pacotes a partir de 50 mil reais por pessoa, turistas endinheirados fazem quarentena no Caribe antes de se imunizar nos Estados Unidos

João Batista Jr. | 07 maio 2021_14h56
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Com o atraso da vacinação e a péssima gestão da crise do coronavírus, que até o momento já matou 417 mil pessoas no país, brasileiros endinheirados têm buscado no exterior uma alternativa para se imunizar sem precisar esperar sua vez na longa e imprevisível fila do Brasil. O “turismo da vacina” está em alta entre quem tem alto poder aquisitivo. Com pacotes a partir de 50 mil reais por pessoa, um brasileiro pode se vacinar nos Estados Unidos – basta ter dinheiro e tempo livre. A cotação do dólar está na casa dos 5,50 reais.

O pacote começa com quarentena de quinze dias em algum país que aceite turistas brasileiros, como Costa Rica, México e República Dominicana. Depois, o viajante segue rumo à imunização nos Estados Unidos. Uma vez em solo norte-americano, o turista toma a primeira dose logo no primeiro dia da viagem. Entre a primeira e a segunda injeção é necessário esperar 21 dias. A vacina mais aplicada por lá é a do laboratório Pfizer. “O turismo da vacina implica a pessoa dispor de, no mínimo, cinco semanas entre sair do Brasil e tomar a segunda dose em Miami”, diz Jacque Dallal, dona da agência Be Happy Viagens, especializada em mercado de luxo. Por dia, Dallal tem recebido prospecção de seis interessados em fazer turismo de vacina. Trata-se de uma demanda iniciada em abril, quando o governo de Joe Biden permitiu que qualquer pessoa – mesmo sem vínculo com o país – seja imunizada. 

Nos últimos trinta dias, Dallal organizou pacotes customizados para dez famílias irem se vacinar. Nove delas fizeram quarentena no Caribe, em países como México, República Dominicana e Costa Rica; apenas uma quis ir por Dubai, nos Emirados Árabes, porque, ao contrário do Caribe, o lugar exige PCR negativo antes do desembarque.

O processo tem quase nada de burocracia. Uma vez feita a reserva do hotel nos Estados Unidos, o turista entra no site de vacinação do governo para cadastrar o CEP do lugar onde vai se hospedar. Assim, aparecem algumas opções mais próximas à acomodação – em geral, uma unidade das farmácias CVS e Walgreens ou do supermercado Publix. Não é preciso apresentar documentação que ligue a pessoa aos Estados Unidos, como comprovante de residência ou conta bancária. O governo de Joe Biden deixou a vacinação o mais simples possível, como forma de incentivar imigrantes ilegais a aderirem ao plano de imunização nacional – ele prevê vacinar 70% de toda população adulta até o dia 4 de julho.

Entre os turistas brasileiros da vacina, a demanda principal tem sido de casais na faixa dos 40 aos 55 anos, sem data certa de quando poderiam se imunizar aqui no Brasil. Muitos embarcam com seus filhos. “Eu enviei seis famílias no mês de abril, e neste mês meu telefone não para de tocar com gente interessada em fazer o mesmo”, diz Andrea Schver, dona da agência Venice Turismo, de São Paulo. “Os pais pedem que o hotel tenha bom wi-fi, pois seus filhos precisam fazer home schooling.”

Cancún, no México, com suas centenas de hotéis no estilo all inclusive, tem resorts de extremo luxo e outros mais em conta, digamos assim, para as famílias. Há diárias na faixa de 150 dólares. Já a Costa Rica, com suas praias distantes uma das outras e com a necessidade de alugar carro, se mostra uma opção mais cara. “Um casal que fez quarentena na Costa Rica antes de embarcar para Miami gastou uma faixa de 150 mil reais”, diz Scher.

“Meus filhos têm 26, 25 e 23 anos, todos eles tomaram a segunda dose em Miami, há duas semanas”, conta Silvana Bertolucci, influenciadora de viagens. “A babá de meu neto, junta na viagem, também se vacinou. E tem um detalhe: eles tomaram a Pfizer, que permite que possam entrar na Europa. Quem recebe a CoronaVac não pode visitar Itália, França, Inglaterra…”. Os Bertolucci cumpriram a quarentena em um resort de Cancún. Na verdade, a agência regulatória europeia começou a avaliar a CoronaVac. Os países da União Europeia estão discutindo se quem tomou imunizantes ainda não aprovados pelo bloco terá acesso ao passe livre sanitário.

Ao contrário do Brasil, onde a cada parente vacinado comemora-se a imunização com posts emocionados em rede social, quem se vacina nos Estados Unidos não tem dividido a alegria com seu público. A cantora Anitta, de 28 anos, cumpriu em março a quarentena em Punta Cana antes de ser imunizada em Miami, onde realizou o lançamento de seu novo single, Girl From Rio. Acostumada a fazer da sua vida um reality show, Anitta não postou nada sobre a vacinação. Procurada pela piauí, a assessoria dela informou que a cantora não saiu do Brasil exclusivamente para se vacinar, mas para cumprir uma agenda intensa de trabalho em um país onde a pandemia está sendo controlada e levada a sério.

No dia 3 de maio, o empresário e apresentador Roberto Justus, de 66 anos, sua esposa e influenciadora Ana Paula Siebert, de 33, anos, sua filha Fabiana Justus, de 33 anos, e o genro e executivo Bruno Levi D’Ancona se vacinaram em Miami. Todos tomaram a dose única da Jansen. “Vamos lá: eu não viajei exclusivamente para me vacinar, mas fiz do limão uma limonada”, contou Justus à piauí. “Estávamos com as viagens represadas, vivendo há sete meses na fazenda (no interior de São Paulo); eu não via a minha filha Luísa, que mora em Miami, desde setembro; além disso, iria comemorar aniversário de casamento e aniversário de idade. Decidimos viajar justamente para ficar uns dias no México, país onde pedi a mão da Ana Paula, e depois ir para Miami. Eu precisava tomar a da Jansen, de dose única, porque minha filha pequena (Vicky, de 11 meses) ainda não tem visto norte-americano porque a embaixada está fechada. Não íamos ficar muitos dias longe dela”, explicou.

Algumas pessoas com altíssimo poder aquisitivo optam por viajar de jato particular ou fretado. “No último mês, fechei negócio para dez voos levando brasileiros para tomar vacina nos Estados Unidos e na Europa”, conta Paulo Malick, CEO da Flapper, empresa de fretamento de aeronaves. “O custo para um voo privado para os Estados Unidos é, em média, de 120 mil dólares”, diz. Isso quando a aeronave é um Gulfstream 550, com capacidade para dezesseis passageiros e serviço de bordo. “Muita gente que tem dupla nacionalidade pode ir direto para os Estados Unidos e a Europa sem precisar fazer quarentena.”

Entre brasileiros muito ricos circulou a informação de que seria possível se imunizar em Turks e Caicos, arquipélago charmoso localizado ao Norte do Haiti e da República Dominicana. “Eu estive lá com expectativa de receber a vacina, mas daí soube que só estava liberado para moradores”, diz a filha de um grande empresário, que não quis se identificar. Procurado pela piauí, o governo local mandou o seguinte comunicado: “O governo de Turks e Caicos não está oferecendo doses para não residentes. Não é possível obter vacina contra a Covid sem os meios governamentais e então não é possível um turista obter vacina pelas vias legais.” Se algum turista brasileiro toma vacina em Turks e Caicos, portanto, é por baixo dos panos.

De olho na demanda de turistas interessados em se vacinar, e no dinheiro que eles podem injetar na economia local, o governo das Maldivas anunciou que fará turismo de vacina depois que toda a sua população estiver contemplada. O país de 530 mil habitantes situado no Oceano Índico já vacinou com a primeira dose mais de 50% de seus moradores. “Tenho recebido ligações de clientes querendo cotar pacotes para as Maldivas com esse objetivo, mas neste momento indico os Estados Unidos. As Maldivas levarão um tempo para permitir a imunização para não residentes”, diz Jacque Dallal, da Be Happy Viagens.

 

Para turismo puro e simples, sem vacina, as Ilhas Maldivas têm sido um dos destinos favoritos dos brasileiros durante a pandemia. Existem hoje pouquíssimas nações abertas aos turistas daqui sem exigir quarentena, entre elas África do Sul, Costa Rica, Egito, Emirados Árabes, México, República Dominicana, Sri Lanka e Tanzânia, além das Maldivas. “Na quarentena, eu tenho vendido repeat para Maldivas: pessoas que foram em 2020 e agora estão voltando de novo, pois não há muitas opções no momento”, diz Dallal.

Nesse turismo por exclusão – quem aceita brasileiros? – o Egito virou a bola da vez entre os muito ricos. “Tivemos um aumento de turistas do Brasil iniciado em fevereiro de 2021, com uma viagem familiar cujos passageiros vieram através de doze agentes de viagem do Brasil”, afirma comunicado da rede de hotéis Sofitel enviado à piauí. A suíte da rede chamada Ópera, com vista panorâmica para o Rio Nilo, custa 177 euros por noite. Estiveram neste ano no Egito um séquito de empresários, socialites e influenciadoras – entre elas Sarah Mattar, filha de Salim Mattar, ex-secretário da Desestatização e Privatização e acionista da Localiza, e a empresária Amanda de Almeida Cassou, sócia do e-commerce Gallerist e herdeira do grupo CR Almeida, que entre outras coisas explora o sistema de pedágio Ecovias.

Mattar compartilhou em suas redes sociais a viagem de classe executiva pela Emirates e uma coreografia da dancinha ao som da música Ralando o Tchan, tendo como cenário as Pirâmides de Gizé. Ela e as amigas foram criticadas nas redes sociais por postarem fotos de viagem enquanto o Brasil batia recorde de mortes por Covid – é o que o mundo das redes chama de travel shaming, para expor quem viaja em período de restrições sanitárias e colapso geral da saúde. Procurada pela piauí, Mattar não respondeu à mensagem.

Para além do turismo da vacina, México e Punta Cana representam 40% dos destinos internacionais mais procurados pelos clientes da CVS, a maior operadora do Brasil. Segundo Oscar Soberanes Sanchez, cônsul para assuntos comerciais e culturais do México no Brasil, o brasileiro representa a terceira nacionalidade que mais tem visitado o país recentemente. Mesmo assim, em razão da pandemia, houve uma queda: 396.817 brasileiros visitaram o México em 2019, 134.068 em 2020 e, entre janeiro e março de 2021, 29.497 pessoas voaram do Brasil para lá.

A crise da pandemia fez despencar o valor das passagens áreas, então é possível comprar passagens de São Paulo para o Cairo, com escalas nos Emirados Árabes ou na Etiópia, por 4 mil reais. No Brasil, as atividades turísticas acumulam prejuízo de 312,6 bilhões de reais desde o agravamento da pandemia do novo coronavírus, de acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo.

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