Policiais militares atiraram de um lado, criminosos do Comando Vermelho dispararam do outro, e pelo menos 23 pessoas acabaram mortas na chacina da Vila Cruzeiro. Com o saldo, a operação policial de 24 de maio se tornou a segunda mais letal da história recente do Rio de Janeiro. Apesar do nível de brutalidade, o episódio não é uma novidade: em seis anos, o número de chacinas na Região Metropolitana do Rio se multiplicou por seis. Grupos armados, principalmente a milícia e o Comando Vermelho, estão expandindo seu controle pelo território carioca. A polícia realiza mais operações e chacinas em áreas disputadas pelo tráfico do que nos limites da milícia. Nesta semana, o =igualdades mostra os números da barbárie que devasta o Rio de Janeiro.
A cidade do Rio de Janeiro é comandada por pelo menos quatro grupos criminosos: Amigos dos Amigos, Comando Vermelho, milícias e Terceiro Comando Puro. Também há espaços em disputa pelo poder paralelo. Até agora, a milícia é quem mais conseguiu se expandir: 2,2 milhões de pessoas viviam nos bairros sob o seu controle em 2019. É quase o dobro do alcance do Comando Vermelho, cuja ação criminosa afetava a vida de 1,2 milhão de cariocas naquele ano.
Dentre as facções criminosas que controlam a cidade do Rio de Janeiro, o Comando Vermelho é a que mais se expandiu nos últimos anos. Ainda assim, seu domínio é ínfimo em comparação ao da milícia, que já atua em mais da metade do território carioca. No entanto, só 6,5% das ações da Polícia Militar ocorrem nos bairros dos milicianos. As áreas controladas pelo Comando Vermelho concentram 40,9% das operações.
Lugares excluídos pelo abandono do Estado e pela opinião pública, como os controlados por milícias e traficantes, parecem ser mais propícios à ocorrência de chacinas que aqueles com maior visibilidade. Só que a distribuição de operações policiais sobre esses territórios não é igual, sendo muito mais frequente em áreas do tráfico. Essa diferença pode ser explicada pela ausência de cautelas por parte dos policiais e a maior permissibilidade em uma operação policial que ocorre no bojo de um confronto entre criminosos. Há uma menor brutalidade em áreas de milícias do que nas de tráfico.
A presença de policiais nas chacinas ocorridas em todo o período chama atenção. Dados do datalab Fogo Cruzado mostram que das 305 chacinas ocorridas entre agosto de 2016 e 2021, 223 foram realizadas em “ações policiais” e 82 em “ações criminais e não oficiais”. No total, foram 1.184 mortos, sendo 878 em ações policiais e 306 nas demais chacinas. Isto significa que as ações oficiais produziram quase três vezes mais chacinas que os grupos criminosos e vitimaram praticamente o triplo de pessoas.
Esses grupos de elite das forças policiais fluminenses, em tese, deveriam ser mais preparados operacionalmente para diminuir os efeitos letais e o número de mortes na atuação em áreas densamente povoadas e com a presença de grupos armados. Só que acontece o contrário. As operações com a presença do Bope ou da Core tem uma probabilidade duas vezes e meia maior de terminarem com uma chacina (7,7% frente a 2,9% dos batalhões e delegacias de área) e, quando juntas, existe uma probabilidade seis vezes maior da ocorrência de chacinas (18,2% frente a 2,9% dos batalhões e delegacias de área).
Em todo o estado do Rio de Janeiro, cerca de 2.374 pessoas foram mortas em operações policiais. Desse total, 64,6% ocorreram na capital (383 ocorrências, com 1.599 mortos), 21,4% na Baixada Fluminense (127 ocorrências, com 475 mortos) e 14% no Leste Fluminense (83 ocorrências, com 300 mortos). Entre os bairros do Rio de Janeiro, o Jacarezinho, onde ocorreu a maior chacina do estado, em 2021, é o primeiro em número de mortos em chacinas policiais (112 mortos) e o quarto bairro com a maior quantidade de chacinas (19 chacinas).
O patamar mais baixo no número de chacinas e mortes entre 2007 e 2021 foi no ano de 2013, quando foram notificados 12 confrontos, com 46 mortos. Já em 2019, o número de chacinas saltou e ficou seis vezes maior, alcançando 75 operações.
Foi produtor do Foro de Teresina e repórter na piauí.
Repórter da piauí
É designer e diretora do estúdio BuonoDisegno