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    Jairon divide seu tempo entre as obrigações da universidade, antecipação de conteúdos e ainda ajuda outros alunos nos estudos para obter uma medalha olímpica Foto: arquivo pessoal

depoimento

Matemática que multiplica horas e projetos

Universitário do interior de Alagoas conta como realizou o sonho de conquistar medalhas em olimpíadas científicas e hoje incentiva outros jovens a participar dos concursos

Jairon Batista | 17 set 2021_17h19
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Nascido em Maceió e criado em União dos Palmares, uma pequena cidade da região metropolitana da capital, Jairon Batista, de 18 anos, não se assusta com a ideia de passar horas resolvendo problemas matemáticos. Desde criança, o garoto fazia com facilidade questões complicadas para outros da sua idade e, com o passar dos anos, criou ainda mais gosto pelos números. Daí nasceu o sonho de se tornar um vencedor de olimpíadas de matemática — conquista que ele alcançou em 2018, quando se tornou medalhista de prata da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), que desde 2017 aceita inscrições de alunos de escolas privadas. Batista é bolsista em matemática aplicada na Fundação Getulio Vargas e, de seu recanto em União dos Palmares, faz faculdade, é pesquisador de um laboratório sobre dados de Covid-19, divulga as olimpíadas de matemática e, ufa, ajuda o pai na mercearia aos sábados.

Em depoimento a Lianne Ceará

 

Desde pequenininho gosto muito de matemática. Lembro que na minha infância meu pai me dava questões de raciocínio lógico para resolver, e eu adorava. Sou de Maceió, mas com 8 anos me mudei pra cidade de União dos Palmares, no interior de Alagoas, a 80 km da capital. A cidade tem só 65 mil habitantes e é muito conhecida pela história do Zumbi dos Palmares, por isso é tida como a “terra da liberdade”. Viemos para União porque minha família abriu uma mercearia aqui. Ouvi falar em olimpíadas científicas pela primeira vez quando eu estava no quarto ano, mas na época ainda não existia uma que eu pudesse competir, por conta da série muito inicial. Só consegui participar de uma olimpíada quando estava no sétimo ano, foi a Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM), em 2015, e cheguei até a segunda fase da prova. Nesse mesmo ano, eu conheci uma pessoa que foi muito importante pra mim, o professor Taciano. Na época, ele era professor de matemática e física do colégio e me deu aulas para me preparar para a olimpíada. As aulas eram na casa dele, às vezes do colégio eu já ia logo pra lá. A base da matemática foi ele quem me ensinou para eu poder seguir com os estudos.

Quando cheguei no oitavo ano do ensino fundamental, consegui ir para a terceira fase da OBM, que eu já tinha feito no ano anterior. A prova foi em Maceió, e a escola me levou. Foram dois dias de prova e três de treinamento. Foram dias muito intensos. Eram só três questões em cada prova e muitas horas para respondê-las, mas não tive muito sucesso nessa fase. A prova foi muito difícil, passei várias horas pra fazer somente parte de uma questão mas, ao mesmo tempo, foi incentivador porque me mostrou o que é a matemática, o que é o desafio de você passar várias horas pensando em um mesmo problema pra depois, talvez, conseguir um resultado. Essa parte foi o que me motivou e, a partir daí, meu sonho de conseguir uma medalha daquele nível aumentou mais ainda. 

Após vários anos estudando matemática todos os dias, participei pela primeira vez da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) em 2017. Consegui a menção honrosa e a medalha de ouro a nível estadual no nono ano. No ensino fundamental e no médio, participei de várias olimpíadas e consegui medalhas em diversas áreas: matemática, física, ciências, astronomia, robótica etc.

No ensino médio, passei pro curso técnico de química no Instituto Federal de Alagoas (Ifal). Minha rotina mudou bastante porque comecei o ensino médio junto com o curso técnico em química e em outra cidade — as aulas eram em Maceió. De segunda a sexta, eu acordava às quatro e meia da manhã para pegar o ônibus, chegava em casa às duas da tarde, quando eu não ficava lá para estudar alguma coisa, e aos sábados também acordava cedo para ajudar meu pai na mercearia que a gente tem aqui na cidade. Meus pais sempre me apoiaram muito a estudar, me motivaram muito e me deram todo apoio. Consegui ser premiado nacional na OBMEP com a medalha de prata em 2018. Por causa dessa medalha, participei de um acampamento aqui em União dos Palmares que a gente chamou de Mestre Kame para estudar “Análise Real”, uma matéria da graduação. Lá tinham pessoas da graduação e do final do ensino médio e, desde esse acampamento, o professor Alan, de matemática, tem me apoiado e me orientado, até hoje. Em 2019, fui novamente premiado na OBMEP com medalha de bronze.

No ano passado, último ano do ensino médio, vi a necessidade de focar mais na matemática e decidi sair do curso técnico em química no Ifal. Passei a estudar em um colégio fantástico, com bolsa integral. Eu ficava em Maceió de segunda a sexta, no apartamento de um projeto que tinha um financiamento, morava lá com mais outros três alunos, um do ensino médio e outros dois que cursavam matemática. Além dessa mudança pesada, era o ano do vestibular. Eu recebi um e-mail da Fundação Getulio Vargas (FGV) para prestar o vestibular, concorrer a uma vaga na Fundação com uma bolsa pelo Centro para o Desenvolvimento da Matemática e Ciências. Passei a fazer algumas matérias de matemática na Ufal como aluno especial para adiantar os estudos da faculdade.

Mas isso só durou até março, porque veio a pandemia. No início, me senti desmotivado. Todos os dias à tarde eu ficava no colégio ou na Ufal estudando com outras pessoas, debatendo em grupo. Com a pandemia, passei a ficar o tempo todo estudando sozinho. Mas não demorou muito pra que eu me adaptasse e começasse a estudar com meus colegas online. Além das aulas do meu colégio terem iniciado online, as aulas da Ufal também se adaptaram, e eu consegui cursar quatro matérias em paralelo ao meu ensino da escola.

Hoje, estudo matemática aplicada na FGV do Rio, mas ainda não cheguei a conhecer a sede da faculdade por conta da pandemia. Faço parte do Laboratório de Estatística e Ciência de Dados (LED/Ufal) e participo de um projeto da Prefeitura de Florianópolis para produzir um programa capaz de automatizar a tarefa de preencher tabelas para o sistema de Covid-19 da cidade. Nas noites de sábado, junto com outros colegas do Ifal, resolvemos problemas da primeira fase da OBMEP para os alunos calouros do Ifal, para passar essa cultura olímpica adiante. Selecionamos as questões, pedimos para que eles resolvam durante a semana, e no próximo sábado rola um debate e resolução das questões. 

Recentemente participei da Competição Internacional de Matemática para Estudantes Universitários, uma prova bem difícil, aberta para alunos do mundo todo. Consegui uma medalha de prata. Tenho aula da faculdade de 7h30 às 13 horas durante a semana, à tarde divido meu tempo entre estudar matérias da faculdade, antecipar alguns conteúdos da pós-graduação, e faço o projeto do laboratório.

O desafio é gerenciar o tempo de cada coisa, organizar para que dê pra estudar um tempo de cada coisa. Aos sábados vou pro mercadinho do meu pai, é um dia animado porque é o dia da feira aqui em União, então acordo antes das 6 horas e lá ajudo a pesar farinha, embalar mercadoria, fico lá até meio-dia, quando volto pra casa e volto a estudar. Nunca desisti, apesar dos percalços. Se você tem um objetivo, todo dia caminhe um pouquinho que seja na direção dele.

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