No lançamento do projeto da “embaixada” para receber futuros visitantes alienígenas, surgiu a questão: e se eles já estiverem entre nós? REPRODUÇÃO DA MAQUETE_IMAGEM GENTILMENTE CEDIDA PELO MOVIMENTO RAELIANO
A embaixada
Dúvidas sobre o contato com os ETs na era da pós-verdade
Gisele Lobato | Edição 128, Maio 2017
No último 1º de abril, o arquiteto português Marco Antunes, de 39 anos, subiu ao palco montado na Associação Espiral, no Centro de Lisboa, para apresentar um projeto extraordinário. Com o auxílio de uma maquete e de uma sequência de slides em PowerPoint, descortinou diante da plateia de 25 pessoas as formas de uma construção em estilo futurista, uma espécie de anel, interligada a outros três prédios menores, circulares.
“O edifício ficará no meio de um parque”, explicou Antunes. “Terá duas entradas, uma ao norte e outra ao sul. Aqui no terraço fica a pista de pouso, com capacidade para receber um engenho com 12 metros de diâmetro.” Na tela onde projetava as imagens de seu computador, pôde-se ver a que tipo de “engenho” o arquiteto se referia. Numa espécie de plataforma anexa à construção principal, repousava um imponente disco voador.
Aquele era um projeto a que Antunes se dedicava havia bastante tempo. Foi em 1990, ainda adolescente, que ele ouviu pela primeira vez a mensagem de Raël, nome pelo qual ficou conhecido o jornalista francês Claude Vorilhon. Raël estava em Portugal para o lançamento do seu primeiro livro, em que relatava o encontro com um representante dos Elohim, extraterrestres que seriam os responsáveis pelo surgimento da vida na Terra. Quando viu o francês na televisão, Antunes sentiu que havia “qualquer coisa” naquele homem que preenchia suas inquietações de adolescente. “Apesar de ser muito novo na época, eu sempre me perguntava o que estávamos aqui a fazer”, contou o arquiteto num café de Lisboa, dias depois da apresentação.
Os seguidores do jornalista francês acreditam que somos fruto de experiências científicas de uma civilização mais avançada que passou pela Terra há 25 mil anos. Os alienígenas teriam criado os seres humanos em laboratório. Segundo Raël, os ETs também estão por trás dos escritos sagrados das principais religiões monoteístas. Os Elohim, eles dizem, sopraram suas revelações no ouvido dos profetas. O problema, segundo os alienígenas, é que as religiões deturparam a história que eles haviam contado. Era necessário esperar, assim, que a evolução científica na Terra tornasse os humanos capazes de ouvir a verdade sobre o seu surgimento, “sem misticismos ou adorações”. Por muito tempo os ets limitaram suas visitas ao nosso planeta e não fizeram mais do que alguns sobrevoos ocasionais.
Em 13 de dezembro de 1973, contudo, os Elohim julgaram que o momento de um novo contato havia chegado. O escolhido foi o jornalista francês, especializado em automobilismo, então com 27 anos. Entre os recados que Raël foi encarregado de passar ao restante da humanidade estava o de que nossos pais intergalácticos querem vir à Terra. Como não pretendem causar pânico, precisam ser convidados: a formalização do convite é a construção de uma “embaixada” que atenda às especificações passadas pelos alienígenas. Era essa a função do prédio que o arquiteto português apresentava à plateia lisboeta, no início de abril.
Na sala de cerca de 30 metros quadrados da Associação Espiral, senhoras idosas bem-vestidas dividiam o espaço com jovens de celulares em punho, apontados na direção do palco. Sem cerimônia, os “gajos” demonstravam estar achando graça no projeto que Antunes apresentava com seriedade. Entre outros atributos, o edifício terá sete quartos com banheiros privativos para hospedar os Elohim, descrevia o arquiteto, indiferente às risadinhas de parte da plateia.
“Será que ela vai estar pronta enquanto eu ainda estiver vivo? Assim posso ir juntando dinheiro para visitar a embaixada”, quis saber Adolfo Rodrigues, um ajudante de cozinha de 33 anos que vestia uma camiseta amarela justa, chamando a atenção para os seus músculos desenvolvidos. Soube-se então que, se o cronograma oficial for seguido, a construção deve ser liberada para uso, pousos e decolagens de discos voadores até 2030.
“A embaixada precisa ser um local neutro, para que os Elohim possam se reunir com os líderes mundiais. O local não pode favorecer nenhum país, povo, ideologia ou religião”, explicava Antunes à plateia, quando voltou a ser interrompido pelo grandalhão de camiseta amarela, que demonstrava alguma indignação. “As igrejas sabem muito mais do que divulgam. As igrejas e os Estados Unidos! Ouvi dizer que há sete espécies alienígenas, e uma é má.”
Tolerantes com a ignorância alheia, os raelianos presentes contestaram a última afirmação, garantindo que todos os extraterrestres são bons.
Rodrigues ainda faria uma última intervenção. Queria saber qual era a chance de o mágico britânico Dynamo, que se apresenta na televisão, ser um híbrido – uma mistura de humano com ET. Já sem paciência, Marco Antunes reagiu, enfático: “Você não pode acreditar em tudo o que lê na internet!”, advertiu, para surpresa do ajudante de cozinha.
No café, dias depois, o arquiteto se queixou da quantidade de desinformação que circula hoje em dia nas redes, e o trabalho extra que essas notícias falsificadas dão aos seguidores de Raël. “Em todo evento tem sempre um como ele”, disse, referindo-se a Adolfo Rodrigues.
Uma das tarefas de Antunes, segundo homem na hierarquia dos raelianos em Portugal, é responder a e-mails que chegam ao movimento. O arquiteto calcula que, de cada dez mensagens, pelo menos uma é de alguém querendo confirmar alguma teoria estapafúrdia. “As pessoas veem uma coisa na internet hoje e amanhã já nem sabem quem a escreveu.”
Contrastou esse atropelo de ideias com sua sólida e lenta formação. O ritmo de acesso às informações era outro no início dos anos 90, lembrou. Havia demorado um ano para conseguir botar as mãos – e os olhos – na obra de Raël. Até meados daquela década, quando pôde se aventurar nos primórdios da internet, ele dependia exclusivamente da troca de cartas e dos livros importados para saciar sua curiosidade. Foi só após algum tempo de aprendizado que afinal se tornou um raeliano, em 1997.
É verdade que de lá para cá a internet também trouxe benefícios para o movimento, reconheceu Antunes. O principal canal de divulgação das ideias raelianas, hoje, são anúncios pagos no Google e no Facebook. Ainda assim, a confusão entre o que é verdade e o que não é tem crescido, garantiu o arquiteto. “Eu achava que seria mais fácil transmitir a mensagem dos criadores para as pessoas que se interessam por esses temas, mas vejo que é o contrário. Alguns têm a cabeça muito formatada”, lamentou.
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