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A realidade corre risco
Como a internet, o photoshop e os efeitos digitais afetam o nosso senso de realidade
Werner Herzog | Edição 11, Agosto 2007
Não faço documentários nem longas. Meus filmes são outra coisa.
Fatos não me interessam muito. Fatos são para contadores. A verdade gera iluminação.
Conheço o coração dos homens. Pode soar pretensioso, mas é verdade.
Sou um sujeito profissional. Outros não fariam o que faço, mas tento ser um bom soldado do cinema.
Eu estava fazendo um filme com um elenco só de anões e um deles pegou fogo e foi atropelado por um carro. Ele saiu completamente ileso e eu fiquei tão espantado que disse ao elenco que, se todos saíssem intactos da filmagem, eu pularia num cacto, para diverti-los. E eles saíram intactos, então eu pulei no cacto.
Não existe conversa fiada no Saara.
Assistindo às imagens em vídeo de Timothy Treadwell, você olha dentro do abismo da natureza humana. É muito misterioso. Amie Huguenard, a namorada de Treadwell, queria deixá-lo para sempre. Mas no fim ela não sai correndo, ela tenta defendê-lo. Dá para ouvir com muita nitidez que ela ataca o urso batendo na cabeça dele com uma frigideira.
Não sei por que as pessoas apaixonadas fazem o que fazem.
Nós nos preocupamos demais com o bem-estar das baleias, pandas e rãs arborícolas. Mas há culturas morrendo numa velocidade incrível. Ainda há seis mil línguas vivas, muitas delas faladas por pouquíssimas pessoas. Até o fim do século, pode ser que restem apenas dez por cento. Conheci um aborígine australiano que tinha 80 anos e era o único falante de sua língua. Era considerado mudo porque não tinha com quem conversar. Está morto agora, com certeza.
Por que os Estados Unidos? Porque me casei.
Los Angeles é a cidade americana que tem mais substância – substância cultural. Há uma competição entre Nova York e Los Angeles, mas Nova York apenas consome cultura e a toma emprestada da Europa. Fazem-se coisas em Los Angeles.
Não me tornarei cidadão de um país que tem pena capital. É uma questão de princípios.
Fiz um filme em que hipnotizei todo o elenco. Pessoas psicóticas não devem ser hipnotizadas.
É bobagem achar que a vida humana pode se sustentar neste planeta. Temos talvez vinte mil anos, talvez cinqüenta mil anos, talvez quinhentos mil anos.
Respeite os indígenas.
O estúdio queria que fosse um barco em miniatura arrastado por cima de um morrinho de jardim, mas eu disse que iríamos arrastar um navio de verdade por cima de uma montanha de verdade, e que seria um evento grandioso numa ópera majestosa. Queria que os espectadores pudessem crer no que vissem.
Mais que em qualquer outro período histórico, nosso senso de realidade está gravemente ameaçado. É a Internet, o Photoshop, são os efeitos digitais no cinema, os videogames – ferramentas que surgiram com impacto imediato. É como nas batalhas militares. Durante séculos, as batalhas foram iguais: o cavaleiro medieval em combate, com uma espada. De repente, ele se deparou com armas de fogo, e da noite para o dia tudo mudou. Estamos passando agora por um momento de igual magnitude.
A escola nada me deu. Sempre suspeitei de professores. Não sei por quê.
Não me perco. Senso de direção é uma habilidade que falta ao homem moderno.
O turismo é um pecado. Viajar a pé é uma virtude. No momento em que as pessoas entendem que você chegou a pé, e está tentando misturar-se a elas e compreendê-las, ocorre uma mudança imediata em seu comportamento. A pé, você não é perseguido nem impedido de usar os recursos dos outros. Você ouve histórias que não foram contadas a mais ninguém.
Se eu abrisse uma escola de cinema, obrigaria todos a pagarem pelo ensino trabalhando. Não num escritório – lá fora, na vida real. Pagar trabalhando de segurança numa boate erótica, ou de guarda num asilo de loucos. E viajando a pé durante três meses. E praticando esportes físicos e combativos, como o boxe. Isso contribui mais para torná-lo um cineasta que três anos de escola de cinema. Pura vida, como dizem os mexicanos.
Levei um tiro no ano passado. Não me afetou porque eu já tinha sido baleado antes. Uma vez, quando estava com uma unidade de elite de rebeldes, cruzando a fronteira de Honduras para a Nicarágua, ficamos sob fogo no meio de um rio, o que foi desagradável, pois estávamos visíveis demais e a selva escondia os atiradores.
Óculos escuros. Boas botas. Binóculos. E um mosquiteiro.
É significativo que nem os sherpas, nem qualquer outro povo da montanha, tenham pensado em escalar o Himalaia antes da chegada dos entediados aristocratas ingleses, no século XIX. Você não precisa estar no cume do Everest para apreciá-lo. Falar em “conquistar” uma montanha não é certo.
Não vou responder a isso. Uma revista não é lugar para o significado da vida. Uma revista deve conhecer suas limitações.
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