A santa feminista
A saga de Rosa Egipcíaca, africana acusada de heresia pela Inquisição no Brasil do século XVIII
Bennê Oliveira e Jeferson de Sousa | Edição 193, Outubro 2022
O historiador italiano Carlo Ginzburg, estudioso das crenças populares na Europa da Idade Moderna, afirmou num ensaio da década de 1980: “Os atos processuais produzidos pelos tribunais laicos e eclesiásticos poderiam ser comparados com o caderno de notas de um antropólogo.” Ele se referia aos depoimentos de réus e acusadores transcritos por burocratas da Inquisição entre os séculos XII e XVIII – um trabalho documental minucioso, que confere “incalculável valor histórico” àqueles registros. Foi justamente enquanto consultava papéis do Santo Ofício no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, que o antropólogo paulistano Luiz Mott se deparou com dois processos contra a africana Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz. Os inquisidores a prenderam em 1762, sob a acusação de cometer heresia no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.
A saga da negra escravizada ficou esquecida durante 220 anos, já que Mott só encontrou as mais de 350 folhas dos processos em 1983. O pesquisador também descobriu 55 cartas sobre o caso, de diferentes autores, que estavam anexadas às ações. Uma década depois, em 1993, publicou Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil. Fora de catálogo, o livro com 750 páginas terá nova edição pela Companhia das Letras, ainda sem data de lançamento. Diz Mott na introdução:
[…] pudemos reconstituir a biografia desta criatura, dotada de uma inteligência privilegiada e de um carisma tal que chegou a merecer do provincial dos franciscanos do Largo da Carioca o maravilhoso título de “A flor do Rio de Janeiro”. Uma Rosa negra, africana, ex-cativa e ex-prostituta, é nomeada pelo alto clero do Brasil como “A maior santa do Céu”!
No próximo Carnaval do Rio, a escola de samba niteroiense Unidos do Viradouro vai homenageá-la. Conheça, a seguir, a trajetória de Rosa, segundo os autos da Inquisição.
Ilustradora e quadrinista, é criadora da série de tirinhas no Instagram Levemente Insana, sobre temas cotidianos, autobiográficos e a rotina de uma família suburbana
Roteirista dos quadrinhos, é jornalista
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