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    LUIZE SANTIAGO_2024

ficção

As falésias

Nada exceto o aborrecimento une nossa família

Luciano Brito | Edição 218, Novembro 2024

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A natureza em Praia Vermelha é fácil de se desenhar, mas, para a criança ignorante que sou, não é fácil de se entender. Há o nível da praia e o nível da rua, onde fica a Pousada Alameda. A praia abaixo e o vilarejo acima se conectam por ladeiras, às beiras das quais ficam casas, mais pousadas, comércios, tufos de mato. Porém, em pontos mais íngremes, os dois níveis não se conectam: essa separação são as falésias âmbar presentes em postais, em pinturas e em garrafas de areia colorida. No alto, há casas, pousadas e restaurantes, de cujas varandas se veem pontos desmatados no caminho, começos de favelas e a praia abaixo, as pedras negras que se espalham e fazem manchas na areia – os chamados arenitos –, mais casas, turistas e vendedores ambulantes, barracas, cadeiras de plástico e guarda-sóis e, no mar, botes de pesca e de passeio e, se a vista estiver treinada, golfinhos que saltam em arcos. Do nível do mar, é possível ver mangueiras e coqueiros inclinados que se enroscam uns nos outros, as mesmas pedras que são maiores e mais esburacadas do que quando vistas de longe. No mais das vezes, há plástico – um copo, uma garrafa de água amassada – enfiado nos buracos das pedras. Perto delas, também é comum ver ruínas: pedaços de casas que não existem mais, restos de uma coluna esverdeada pelo lodo e que se confunde com a pedra. E é possível ver as varandas acima e canos de esgoto que saem do topo das falésias e despejam lixo na praia. Essa parte da paisagem não aparece nos postais, nem nas pinturas, nem nas garrafas de areia colorida.

O mar é bonito, brilha e muda de cor ao longo do dia: verde-azulado, azul, azul-acastanhado. Sobe e desce; há calendários nos muros do vilarejo com os horários das marés. Às vezes, o mar avança a ponto de bater e de inundar os terraços, de se quebrar em ondas que ultrapassam as casas. Em algumas épocas do ano, o mar remove muito da areia e expõe os recifes e as pedras negras que parecem ser o esqueleto da praia, escondido na maior parte do ano. Eu não sabia em qual época o fenômeno acontecia, assim como não entendia por que, em algumas de nossas viagens, Praia Vermelha estava coberta de rochas e de recifes que enegreciam e esverdeavam a paisagem e, em outras, os recifes sequer se viam e as rochas não passavam de pontos pretos na areia.

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Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz

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