Tancredo Neves foi “incisivo, tocando no essencial, mas ao mesmo tempo vago”, escreveu Celso Furtado sobre a primeira reunião da Comissão para o Plano de Ação do Governo, em 11/12/1984, da qual participaram Ulysses Guimarães e Aécio Neves FOTO_EDUARDO TAVARES_FGV_CPDOC
Caleidoscópio da abertura
No final do governo militar, as articulações para conduzir Tancredo Neves à Presidência
Celso Furtado | Edição 155, Agosto 2019
Desde a anistia política de 1979, Celso Furtado (1920-2004) passou a vir com mais regularidade ao país. Manteve os compromissos acadêmicos na França, algumas orientações de tese na Universidade de Paris I e seminários de economia internacional, mas condensava-os de modo a alongar as temporadas no Brasil. Em 26 de agosto de 1981, filiara-se pela primeira vez a um partido político, o PMDB, liderado por Ulysses Guimarães. Foi este o ponto de partida de uma estreita colaboração com o grupo dos chamados “autênticos” do partido. Envolveu-se ativamente na vida partidária, na elaboração de programas, em campanhas eleitorais, e palmilhou o país em inúmeras conferências e debates. Em 1984, o Brasil vivia o último ano do governo militar, e era amplo o leque de conjecturas sobre o futuro. Derrotada a emenda parlamentar das Diretas Já, iniciavam-se os arranjos para a escolha de candidatos à eleição indireta a presidente da República. Os herdeiros do regime apostavam as fichas em Mário Andreazza ou em Paulo Maluf, ou, como outsider, em Aureliano Chaves; do lado da oposição, o nome de Tancredo Neves conquistava a unanimidade, mas, como se percebe nestes diários, também nutriram leves esperanças presidenciais o governador Franco Montoro e Ulysses Guimarães. Por um dos improváveis casuísmos da política brasileira, José Sarney, medalhão vindo do PDS, braço partidário da ditadura, é que viria a ser o vice na chapa de Tancredo Neves.
O enredo dessa conturbada transição que encerrou dois decênios de regime militar e levou o país à redemocratização, suas composições políticas, a intrincada crise da dívida externa, a montagem sutil da comissão de economistas que auxiliaria o presidente eleito nos primeiros meses de governo formam a matéria destes diários que se estendem por pouco mais de um ano, de julho de 1984 a outubro de 1985. Falecido Tancredo Neves e instalado no Palácio do Planalto o presidente José Sarney, Celso Furtado retomaria o caminho do exterior, não mais como exilado, e sim como embaixador do Brasil junto à Comunidade Econômica Europeia, em Bruxelas. É aí, numa noite de outono, que escreve a anotação que fecha estes diários: a saborosa conversa com o historiador Fernand Braudel, num encontro em Châteauvallon.
RIO, 7/7/1984
Cheguei de Paris no dia 2, segunda-feira, às cinco da manhã, e segui para São Paulo no mesmo dia. Programa de televisão na Bandeirantes: debate sobre a cultura brasileira, tema que entrou na moda.
Na terça, dia 3, almoço na casa do Luciano Coutinho com o dr. Ulisses e mais o João Manuel e o Belluzzo.[1] O dr. Ulisses parecia um pouco distante. Estava na expectativa do resultado da reunião, em Brasília, do grupo dissidente do PDS. Terminada essa reunião, comunicou-se com Sarney, que transmitiu as notícias frescas de que o rompimento do grupo Frente Liberal com a direção do PDS estava consumado.[2] Isso animou um pouco o nosso presidente [Ulysses Guimarães]. Deveria embarcar para o Rio, a fim de encontrar o Brizola. Depois teria que ver o Tancredo. Em realidade, a cena política brasileira é uma mescla de balé e de happening: dezenas de “líderes” se esforçando para ter um papel num drama que carece de sentido para todos.
Todo mundo sabe que o PDS, que nunca foi mais do que um biombo para encobrir os cambalachos dos que se apropriaram do poder, já há algum tempo foi comido por dentro pelo sr. Paulo Maluf. A única coisa real que existe é a candidatura Maluf, cimentada em corrupção e considerada uma afronta ao que antigamente se chamava “dignidade nacional”. A única alternativa é a candidatura Tancredo, homem de confiança das classes potentes, inclusive dos grupos estrangeiros que seguem de perto o drama que vive o nosso país. Se as coisas são assim claras, por que todas essas tergiversações? Que futuro esperam os senhores Aureliano, Brizola e Lula se assume o Maluf, que tem em torno de si as falanges dos repressores e dos corruptos?
Tratei de convencer o dr. Ulisses de que, se o Tancredo sobe ao poder, o que estará realmente em jogo é o destino do PMDB. O movimento das Diretas Já foi magnífico, mas não chegou a mudar o curso dos acontecimentos no que diz respeito ao encaminhamento da sucessão. O povo sabe que o Colégio Eleitoral é uma impostura. Eleito Maluf ou Andreazza, viveremos momentos de grande intranquilidade. Estará aberto um horizonte de incertezas mais tenebroso. A única saída desse impasse é que o PMDB se preste a legitimar uma eleição indireta. Mas para que essa saída seja convincente o partido deverá assumir com a cidadania o compromisso de cumprir um claro programa de governo. Somente o pmdb assumirá plenamente o ônus do futuro governo. Os Brizolas e Lulas, uma vez protegidos pela nova ordem democrática, logo passarão a apontar insuficiências em tudo que se esteja fazendo. Os dissidentes do PDS tratarão de recuperar o domínio desse partido, e para isso terão de manter distância do governo, que precisarão criticar.
Se os ônus do futuro governo vão cair totalmente sobre o PMDB, cabe a este partido desde já definir o seu futuro programa. Não se trata de um programa mínimo, para conciliar inconciliáveis, e sim de uma plataforma coerente. A tarefa de apresentação e defesa desse programa deveria ser assumida por ele, dr. Ulisses. Comuniquei que já havia preparado um texto introdutório, que podia servir de ponto de partida para que uma comissão executasse a tarefa. Ficou decidido que manteríamos uma reserva total sobre o assunto, que as minhas notas seriam distribuídas entre os presentes, que incorporaríamos ao grupo a Maria da Conceição. O grupo deveria reunir-se de novo no dia 9, em São Paulo, para ter uma segunda reunião com o dr. Ulisses, no dia 10. Tudo tem que andar rápido, pois a reunião do Diretório Nacional do PMDB será no dia 16 e aí possivelmente o problema terá de ser colocado.
Na noite do dia 5 tive uma longa conversa com o José Gregori[3] e soube por seu intermédio que o governador Montoro[4] havia decidido defender a candidatura de Tancredo no Colégio Eleitoral. Ele, J. Gregori, o havia convencido de que a fórmula para tornar evitável a ida das oposições ao Colégio era Tancredo assumir de imediato o compromisso de, como primeiro ato do governo, enviar uma mensagem convocando a Assembleia Constituinte para 1986, cabendo a esta decidir sobre a duração do próprio mandato de Tancredo. Também me disse que o cardeal Arns[5] estava apoiando a fórmula, o que é importante para acalmar o grupo do PT que atua junto às comunidades de base.
RIO, 12/7/1984
Fui para São Paulo no dia 10 pensando em avançar na preparação do programa do partido. Reunimo-nos à noite, na casa do Belluzzo, com o dr. Ulisses. Também estavam presentes Luciano Coutinho e Maria da Conceição. O dr. Ulisses nos apresentou um panorama desanimador das perspectivas de entendimento com os dissidentes do PDS. A intromissão do Geisel[6] no processo teria modificado todo o quadro. O recuo do Aureliano[7] era evidente. A reunião prevista para o dia 11 entre as duas cúpulas já não se realizaria, pois Aureliano decidira não comparecer. Ele também estaria fugindo de Tancredo. Estaria em marcha um recuo para a linha “revolucionária”, o que aliás fora denunciado pelo Tancredo na televisão na noite anterior. A ideia pareceria ser forçar o Maluf a apear, e unir o PDS em torno de uma candidatura militar. Dessa forma se barraria a subida do PMDB ao poder. O dr. Ulisses ia desfiando essas coisas aos pedaços, um tanto apático, sem abrir nenhuma alternativa. Tive a impressão de que ele, na verdade, não tem nenhum entusiasmo pela fórmula Tancredo. Um governo imposto ao país, sem qualquer legitimidade, permitiria continuar a luta de cabeça erguida. Ele não afirmou isso, mas o que deduzir de sua apatia? Luciano observou que nesse caso não havia sentido convocar o Diretório Nacional do partido para o dia 16, pois nada havia a discutir. Dr. Ulisses tampouco demonstrou interesse por essa contemporização. Ele deu a entender que não interferiria na decisão de Tancredo. Mas observou que seria grave para o partido ter que enfrentar um endurecimento, um retrocesso, perdendo o governo de Minas, ou pelo menos o atual governador, cuja autoridade nacional é incontestada.
Saímos da reunião de cabeça baixa. Não tinha sentido pensar em programa nessas condições. Havia que esperar alguns dias. Não pude deixar de refletir sobre o terreno movediço em que pisamos. O PMDB lutou pelas Diretas Já sabendo que essa era uma meta praticamente inalcançável. Agora baseia toda sua estratégia na divisão do PDS, divisão que é um reflexo do trabalho de socapa que realizou o Maluf. E tudo isso foi possível porque Figueiredo[8] é completamente inepto. Se o Geisel conseguisse enquadrar o Figueiredo e assumir o comando por trás dele, todo esse castelo de cartas poderia vir abaixo. É verdade que o PMDB é a única fonte de legitimidade desde que se descartou a eleição direta. Eleger alguém num Colégio Eleitoral do qual estiver ausente o PMDB seria produzir um governo espúrio, com dificuldade para governar, abrindo a porta a um amplo retrocesso ou quem sabe o quê.
No dia 11, pela noite, foi a festa do Renato Archer,[9] em sua bela casa em Santa Teresa. Estiveram presentes o dr. Ulisses, o Tancredo, muita gente da imprensa e da classe política peemedebista. A roda do caleidoscópio havia avançado alguns pontos e o panorama era totalmente distinto. O dr. Ulisses já havia acertado a reunião com a cúpula dos dissidentes para o dia 14, em Brasília. A manobra de Geisel parece ter sido abortada, aparentemente por resistência do Figueiredo. Falei com Tancredo, que me pareceu eufórico. Disse que tínhamos de conversar, que eu devia aparecer em Belo Horizonte. Todo mundo desfiava argumentos para demonstrar que a candidatura Tancredo era irreversível e a única solução.
Tive a impressão de que se confirmava minha suspeita original. A encenação do rumo de Aureliano era uma manobra para reforçar a posição dos dissidentes junto a Tancredo, e este explorava a manobra em benefício próprio reforçando a sua situação dentro do PMDB. Tudo foi deixado para a última hora, a fim de que não se aborde no partido as questões substantivas antes de consumar a candidatura Tancredo. Dessa forma, este chegará ao governo (se chegar) de mãos totalmente livres.
Que papel poderá caber-me nesse processo? Minha impressão é que a renegociação da dívida será confiada a uma comissão interministerial sob a presidência de alguém, como Olavo Setubal,[10] que poderá sair como vice-presidente. O Ministério do Planejamento será confiado a alguém de mentalidade tecnocrática, como o Serra, atual secretário do Planejamento de São Paulo. A melhor forma de me deixar de lado será oferecer-me a Sudene,[11] que evidentemente não aceitarei. Dedicar esse pedaço de vida que me sobra a repetir as mesmas brigas que dei um quarto de século atrás, em fase de maior penúria de recursos e de mais matreirice dos contendores, engendradas por esse longo período de farta corrupção?
RIO, 18/7/1984
A reunião do Diretório Nacional em Brasília, no dia 16, teve um ar meio surrealista. Não existe nada de concreto: a viabilidade da candidatura de Tancredo depende de decisões dos dissidentes do PDS que ainda estão em suspenso. Corriam muitos boatos de que nesta semana haveria uma contraofensiva do Planalto para unir o PDS obrigando Maluf a renunciar. Enfim, a decisão do Diretório Nacional se limitou a convocar a convenção para 11 e 12 de agosto com o objetivo específico de designar o candidato. Também se empurrou para a frente a ideia de definir um programa. É evidente que este se cingirá a enunciados, ficando o candidato de mãos soltas para interpretá-los e decidir da oportunidade de execução.
Existem duas visões do possível futuro governo. Uns veem nele uma simples transição. Sendo a expressão de uma “aliança” de forças políticas disparatadas, dele não se pode esperar muito. Tudo estará decidido pela preocupação de reinstitucionalização, a Constituinte. Outros afirmam que, sendo caótica a situação do país, será necessário atacar de frente e imediatamente os grandes problemas no nível da administração. O primeiro grupo está constituído principalmente pelos paulistas, em particular pelas pessoas mais ligadas ao governador Montoro, que está certamente pensando em ser o sucessor desse governo transitório.
Tive um encontro, já tarde no dia 11, com F. H. Cardoso, José Serra, Roberto Gusmão[12] e M. da Conceição. Estes dois estão em posições opostas. Gusmão pensa que o Tancredo será um presidente “do PMDB”, com um compromisso claro com o partido. (Depois F. H. me diria: “Está tudo muito bem, só que para o Gusmão o PMDB é ele mesmo.”) O Serra está pensando em ocupar “espaços do poder”, em preparar o futuro. F. H. sente-se mais próximo da posição do Serra, não quer se envolver com um governo que vai ser demasiado compósito. “Trata-se de uma transição que nos cabe dirigir, mas que não foi um projeto nosso.” No dia seguinte pela manhã, quando tomávamos café, eu perguntei a ele: “Você aceitaria ser ministro das Relações Exteriores desse governo?” Ele respondeu que sim. “Esse seria o único cargo que eu aceitaria.”
O debate do grupo encaminhou-se para o Nordeste. É impressionante como os paulistas não têm nenhuma sensibilidade para esse problema. Parece-lhes algo irrelevante ou sans issue.[13] Ter pena do NE é simpático. Mas colocar isso no primeiro plano das preocupações sérias, não. Ainda bem que Minas foi envolvida com o NE através da Sudene.
Na noite de 12 fomos jantar no Tarantella, o dr. Ulisses, F. H. Cardoso, Renato Archer, Waldir Pires,[14] Severo Gomes,[15] M. C. Tavares e eu. Falou-se apenas de amenidades. É evidente que o dr. Ulisses não está entusiasmado, mas desempenha brilhantemente o seu papel. A ninguém escapou que se vive um momento importante, mas não há ninguém propriamente entusiasmado com o papel que nos cabe como grande partido que deu a luta contra o autoritarismo. No fim das contas somos atraídos para um compromisso que não poderá senão debilitar o que existe de melhor em nosso grupo.
RIO, 23/7/1984
No dia 19 fui a Recife para uma apresentação das ideias que poderão servir de base ao novo governo com respeito ao NE. A reunião foi promovida pelo PMDB local e teve a participação de um grande número das entidades de classe, do presidente da federação das indústrias ao líder dos trabalhadores da cana, passando por um diretor da Sudene, representante da Fundação J. Nabuco etc. O interesse esteve no novedoso[16] da coisa. A política de um possível futuro governo é discutida com líderes da sociedade civil. O documento de base foi um estudo programático preparado pela Fundação João Pinheiro para o governador Tancredo Neves na qualidade de membro do conselho deliberativo da Sudene. Eu fiz uma apresentação sumária do que poderia ser uma nova política para o NE, dando ênfase ao aspecto político e à necessidade de modificar a estrutura agrária. Produção de alimentos de consumo popular e criação de emprego devem ser os dois objetivos básicos. O impressionante é que tudo isso parece fazer parte de um consenso. A tática já não é aquela do passado de denunciar como subversivo tudo que pusesse em dúvida a legitimidade das estruturas sociais. Mas as resistências são as mesmas, ainda que por outros métodos.
À noite tivemos jantar em casa de Marcos Freire,[17] onde dormi. Havia muita gente, mas não estavam presentes os outros líderes do PMDB local, Arraes e Jarbas Vasconcelos.[18] Encontrei Pelópidas Silveira,[19] que não via desde o dia da deposição de Arraes. Fomos as únicas testemunhas do diálogo de Arraes com os oficiais que o visitaram pela manhã do dia 1o de abril [de 1964] para intimá-lo. Marcos Freire é tipicamente o político de classe média, o que o afasta de Arraes, cujo apoio é realmente popular. Difícil imaginar duas pessoas tão distintas. Freire impressiona muito bem, é ágil e incisivo, mas com o tempo desencanta por não aprofundar os assuntos. Arraes impressiona mal, fala mal, mas com o tempo nos damos conta de que amadureceu certas ideias. São dois lados do NE. Na época em que a classe média se expandia rapidamente, Freire ia de vento em popa. Na fase de vacas magras é Arraes quem ganha terreno.
Voltei ao Rio no dia 20, e no 21 segui para Belo Horizonte para ter uma conversa tranquila com Tancredo, agora que sua candidatura parece consolidada. Esperou-me no aeroporto Edgard Amorim,[20] que me conduziu diretamente ao palácio. Tancredo já me esperava e pude ficar com ele umas duas horas, parte do tempo só com a presença do Edgard, que aproveitou para levantar a questão da greve dos professores universitários. Tancredo pareceu-me sereno e decidido, a fase das dúvidas aparentemente já foi superada. Ele me ouviu com muita calma e concentração, havendo sido interrompido apenas duas vezes, pelo telefone, rapidamente. Fiz uma exposição sobre os temas que me parecem fundamentais, indicando que é necessário que haja muita clareza nos pronunciamentos iniciais sobre os mesmos. É preciso que se compreenda, aqui e no estrangeiro, que a política econômica vai ser profundamente modificada e com seriedade. Temos que dar as costas à recessão e temos que combater a inflação com apoio da sociedade, com base em algo como um pacto social. Tudo isso tem que ser bem fundamentado, para que se perceba que estamos falando sério. Levei um texto escrito e li para ele algumas partes importantes. O esquema de reprogramação do serviço da dívida interessou-o muito. Trata-se de transformar um problema de pagamento em um de transferência, de congelamento em grande parte dos juros. Não se modificam os contratos, para evitar que possam ir à Justiça e declarar o país em default. Sobre todos os assuntos ele ouvia com paciência e não parecia ter pressa. É homem de grande experiência, extremamente bem informado e alerta. É um conservador no bom sentido. Percebe com clareza o que é preciso mudar, o que é injusto e mesmo imoral em nossa ordem social. Mas tem uma grande desconfiança de tudo que seja posição doutrinária de esquerda. Falou-se no PT e ele mostrou o seu desconforto com o partido, que estaria seguindo mais e mais uma linha trotskista de desestabilização. Lula nem tem meios nem muita vontade de deter essa tendência. Sobre a greve dos professores mostrou indiretamente seu profundo descontentamento com o andar das coisas. Teria falado com a ministra da Educação, com o Delfim e com o Leitão[21] sobre o assunto, e teria ficado com a impressão de que o governo está deixando que a coisa se degrade mais e mais, quiçá com vistas mais amplas de desestabilização. Ele, Tancredo, havia recebido uma comissão de professores grevistas e ficara desolado com o espetáculo de desleixo e desorientação que davam os dirigentes. Segundo ele ouvira do governo, as universidades estão em mãos de irresponsáveis, minadas pelo empreguismo, separadas da sociedade, infiltradas de comunistas. Ele dizia o que ouvira, mas era evidente que concordava com o quadro que pintava. Respondendo ao Edgard, não concordou em que as oposições se metam no assunto, mas estava ansioso para que tudo viesse a ter um fim rápido. Não fiquei com ideia clara sobre o rumo que dará à preparação de seu programa de governo. Falei na necessidade de constituição de uma comissão, mas é evidente que ele não dá nenhum passo à frente antes de estar seguro de tudo. Falamos do NE. Ele já estava informado do grande êxito da reunião que havíamos tido dois dias antes em Recife. Disse-lhe que considero uma grande coisa que Minas se haja integrado na Sudene, pois isso cria condições para uma cooperação. Referi-me à pouca sensibilidade que existe em São Paulo com respeito ao NE. Ele respondeu que temos de nos aproximar, NE, Minas e Rio Grande do Sul, se quisermos criar um contrapeso a São Paulo. Falamos do espírito geral do seu governo e ele me disse que não pretende fazer um governo de transição e sim um governo decidido a tomar em mãos todos os problemas, a responder às ansiedades do povo. Contudo, penso eu, será que podemos ter mais do que um governo de transição, posto que não sabemos ao certo em que situação se encontra o país, e de que meios políticos disporá o presidente para impor mudanças e nem quão longe pretende ele ir?
RIO, 6/8/1984
No dia 25 de julho telefonou-me o dr. Ulisses para dizer que haveria uma reunião à noite com o grupo da Frente Liberal a fim de discutir os pontos substitutivos do acordo. Acrescentou que desejava a minha presença. Tive de telefonar para Paris e explicar a Rosa[22] que no dia seguinte não estaria no aeroporto para esperá-la, mas que a veria na hora do almoço.
A reunião em Brasília foi na casa do senador M. Maciel,[23] com a presença do Sarney e, do nosso lado, Tancredo e o dr. Ulisses, ademais de outras pessoas (também estava o Karlos Rischbieter,[24] que pareceu interpretar o pensamento do Aureliano em matéria econômica). Dr. Ulisses relatou o que havia ocorrido na reunião da executiva naquela tarde. Antes ele me dissera que o descontentamento era geral com a candidatura de Sarney para vice. Mas limitou-se a di-zer que várias pessoas haviam levantado a questão da legalidade da candidatura. M. Maciel leu a lista dos temas que deveriam ser incluídos. Percebi que os membros da Frente e Tancredo tinham a preocupação de que tudo ficasse em enunciados gerais. Em seguida saiu Tancredo e passamos a discutir mais precisamente os temas. Li alguns dos tópicos que havia escrito. O pessoal da Frente apressou-se a afirmar que não era o momento de precisar linhas da política em matéria econômica. Quando citei o NE, o Sarney disse claramente que tinham de preocupar-se com suas “bases”. Saí convencido de que não se podia avançar sobre nada de concreto. Tancredo tinha razão quando se refugiava em vaguidades. A Aliança [Democrática] era essencialmente tática, sem que houvesse qualquer convergência nos objetivos estratégicos. Trata-se de improvisar uma ponte para atravessar um pantanal, e só.
No dia 31 tivemos uma reunião em São Paulo com Tancredo. Presentes João Manuel C. de Mello, L. Coutinho, Belluzzo, Lessa, Maria da Conceição, Edgard Amorim. A ideia era expor a Tancredo alguns dos problemas mais graves que deverá enfrentar o próximo governo. Tancredo ouviu com muita atenção, interrompendo pouco. Luciano fez uma bela exposição sobre a questão da dívida externa. Havia a preocupação dos economistas de demonstrar que têm uma posição responsável, que não estão propondo receitas para impressionar a plateia. É um pouco o complexo das pessoas que têm uma origem de esquerda demonstrar que também podem ser eficientes. A importância da reunião está em que permitiu romper o gelo que havia entre o grupo dos economistas do PMDB de São Paulo e o Tancredo. Este está absorvendo ideias. Minha insistência em que não é possível sair da inflação sem um certo tipo de pacto social o seduziu. A maior apreensão dele é com Lula, ou melhor, com as forças que imagina estarem por trás de Lula. Ele vê aí uma mentalidade trotskista, uma obsessão ou agitação permanente. Imagino que ele compreende que os trabalhadores necessitam agir, ter iniciativas, numa sociedade hierarquizada e elitista como a nossa. Mas sabe que as classes dirigentes não compreendem isso e picham de “comunistas” os que são tolerantes com essas forças sociais.
Tive que interromper a reunião às 12 horas para tomar o avião das 13 horas para Brasília. Dr. Ulisses havia convocado a mim e a João Manuel pela manhã para que estivéssemos em Brasília pela tarde a fim de examinar o texto do acordo com a Frente. Ocorre que o antigo texto do dia 25, de simples enunciado havia evoluído para algo mais substantivo. Parte do que eu havia escrito fora aproveitada e acrescentada uma introdução, redigida pelo Santayana,[25] que está atuando como ghost-writer do Tancredo. Esse texto havia sofrido várias modificações em uma reunião da Frente de que participaram o O. Setubal e K. Rischbieter. Deixara-se a ideia de simples enunciados de temas para adotar uma redação mais elaborada. Algumas ideias, como subordinar a reprogramação da dívida externa à política de reativação e a necessidade de começar com um saneamento financeiro interno para ter uma estrutura dos juros compatível com a política de desenvolvimento, foram eliminadas pela Frente. Eu sugeri uma nova redação que no dia seguinte seria aceita, se bem que ainda não tenha visto o texto final.
No dia 3 de agosto fui para B. Horizonte para participar de uma reunião nacional do PMDB jovem. No dia 4, sábado, fiquei para almoçar com Tancredo. Estavam presentes F. H. Cardoso, R. Gusmão e Marcos Freire. Tancredo estava com muito espírito. Em algum momento voltou às dificuldades que poderá ter com os sindicatos. Depois do almoço fiquei um pouco a sós com ele. Disse-lhe que o momento do pacto social teria de ser o período compreendido entre a eleição pelo Colégio e a posse. Caberia ao presidente eleito dirigir-se aos trabalhadores, aos empresários e aos banqueiros e apresentar a política a ser seguida. Os trabalhadores tomariam conhecimento imediatamente do caráter social dessa política, do que seria feito em matéria de salários, de habitação, de legislação sindical. Mas o êxito dessa política exige estrita disciplina social em uma primeira fase, sem o que não poderemos sair do caos inflacionário e, portanto, da recessão. Ele disse que pretende preparar algo assim para antes da eleição de 15/1/85. Eu objetei que dificilmente o PT quereria falar de pacto nesse período, mas que o presidente eleito terá enorme poder de convencimento, pois todas as esperanças estarão depositadas nele. Ele respondeu que tinha certeza de que os grandes sindicatos se aproximariam dele por cima da cabeça de Lula.
RIO, 29/8/1984
Ontem Rosa regressou a Paris. Passou aqui um mês de muita agitação. Viajamos duas vezes a São Paulo, a Brasília (convenções dos dois partidos),[26] a Recife, ao Rio Grande do Sul e a Foz do Iguaçu. Em São Paulo, na Bienal do Livro, lancei o meu Cultura e Desenvolvimento [em Época de Crise].
Na convenção do PMDB em Brasília tudo correu como previsto. Muita festa, muita alegria. Ulisses comportou-se magnificamente. O discurso do Tancredo foi bem no seu estilo: tocando no essencial, mas sem assustar. Na saída cruzei com Olavo Setubal, que veio falar comigo: “Temos que pensar em construir o século XXI, não podemos perder a oportunidade”, disse.
Tive uma longa conversa com Fernando Henrique, que me relatou várias coisas. A luta pelos “espaços”, entendam-se cargos e oportunidades futuras (eleições de 86 e 88), está aberta. Sem perceber essas motivações, nada compreenderemos. O importante é compreender o “cacife” de cada um, o poder que tem neste ou naquele diretório regional, potencial de votos, de meios para obter votos. É a partir desses recursos que se disputam os postos-chave. Eu o ouvia falar e pensava na fragilidade de minha posição. Meu único trunfo é o nome nacional que tenho, a confiança que inspiro a muita gente como alguém que reúne competência e honestidade e não está ligado a grandes interesses econômicos. Mas basta que não se fale mais em meu nome para que eu desapareça. Sou um nome, que em certas circunstâncias pode ter um grande valor. Mas careço de meios para tomar iniciativas. Se se constitui um grupo progressista dentro do PMDB, eu poderei ter algum peso. A única pessoa que poderá constituir esse grupo é o próprio F. Henrique. Tivemos uma primeira reunião em seu apartamento com a presença do Pedro Simon,[27] do Waldir Pires, do Marcos Freire e do Scalco.[28] Todos representam forças consideráveis em grandes estados. O problema está em que os interesses locais de cada um impedem que se forme uma vontade global coerente. A aliança global se faz em abstrato, mas toda a ação política tem lugar regionalmente. A aliança tem sentido para dividirem-se zonas de influência. Como pensar em partido político em um país tão heterogêneo? Vejamos o caso de F. H. Tudo indica que ele terá de fechar causa com o Montoro, se pretende enfrentar o Quércia.[29] O problema dele é menos ser governador do que evitar que o Quércia o seja, pois, se este empolga o governo do estado de S. Paulo, a história, e não apenas a biografia de alguns poucos, tomará outro rumo. Ora, a aliança de F. H. com o Montoro não pode deixar de repercutir em suas relações com o Ulisses, pois este e Montoro são candidatos potenciais à sucessão de Tancredo.
Depois de muita relutância, Ulisses decidiu dar alguns passos na direção da elaboração de um programa de governo. Reunimo-nos na casa dele, na noite do dia 26, João Manuel, Belluzzo, Coutinho, Gusmão e eu. (Gasparian[30] foi para tratar da reunião da Internacional Socialista, que será no Rio nos dias 1o e 2 de outubro.) Ulisses explicou o dilema em que se encontra. O PMDB tem que preparar um programa, pois Tancredo não pode ir ao Colégio de mãos vazias. Se ele constitui uma comissão, vai ficar muita gente descontente. E em todo caso vão aparecer as discrepâncias que serão exploradas pela imprensa. Depois de muitas voltas chegou-se à conclusão que o melhor será começar por uma série de debates para colher opiniões. A tarefa organizativa será dividida entre os principais diretórios regionais. A parte econômico-financeira ficará com Minas, a política de emprego, sindical etc. com São Paulo, educação, saúde com R. G. S. [Rio Grande do Sul], agricultura com o Paraná, política energética com Bahia, o NE com Pernambuco, mineração com o Pará. Essa fase deverá terminar em 15 de outubro, quando terá início a elaboração final.
Fiz uma visita rápida a Buenos Aires. Fui no dia 22 e voltei no 23. Participei de um programa de televisão sobre o problema da dívida externa. Conversei com uma porção de gente. O Jorge Sabato e o Jorge Romero,[31] que são pessoas do Ministério de Relações Exteriores e muito próximas do Alfonsín, deram-me a entender que a situação é muito difícil, pois a pressão que estão sofrendo do governo dos Estados Unidos e dos banqueiros é terrível. Não sabem quanto tempo poderão aguentar. Falaram-me na conveniência de que comecemos a trabalhar juntos, discretamente, para uma ação coordenada futura. (Eu já havia falado sobre esse assunto com Ulisses e levava instruções para pedir para esperar um pouco, a fim de que se consolide a candidatura do Tancredo.) Também tive uma longa conversa com Prebisch.[32] Formam-se dois grupos: o do Banco Central, com Prebisch à frente, que pensa em amansar o FMI [Fundo Monetário Internacional], e o outro com Grinspun[33] no Ministério da Economia, que joga na confrontação, considerada inevitável. Prebisch continua a ser um ingênuo político. O que na cabeça dele é claro, considera viável na realidade. Imagina que pode obter “concessões” da direção do FMI por cima da cabeça dos funcionários mais “ortodoxos”. Tratei por todos os meios de explicar-lhes que, se abrimos a porta ao FMI, estaremos condenados a fazer concretas concessões, e que eles dividirão nossas próprias forças.
Informaram-me na Argentina que já haviam conseguido detectar 7 bilhões de depósitos em dólares no estrangeiro de residentes do país. Os ativos totais em dólares passam de 20 bilhões. Tenho a impressão de que o medo de assustar essa gente, ou o desejo de atraí-los de volta ao país, fez que se atrasasse o saneamento financeiro interno. Daí que a inflação continue fora de todo controle.
Encontrei o Alegrett,[34] do Sela, que está em boa posição com respeito ao problema da dívida externa e está demonstrando capacidade de iniciativa e liderança.
RIO, 21/9/1984
Finalmente as coisas parecem andar dentro do PMDB com respeito a pontos essenciais da política econômico-financeira do possível (provável) próximo governo. Elaborei um documento com os dois pontos principais – saneamento financeiro interno e dívida externa – e entreguei-o ao dr. Ulisses. Deixei bem claro que, sem uma ação rápida nessas duas frentes, não se pode pensar em política econômica, pois essa é inviável se o sistema está desregulado. Tive uma conversa a sós com o dr. Ulisses e fiquei com a impressão de que ele tem uma visão clara da gravidade do problema. Se o governo Tancredo não se firma e convence que está empenhado em mudanças, não apenas o futuro do pmdb estará comprometido, também as chances de um regime democrático se reduzirão a pouco. Logo em seguida tivemos outra reunião com a participação do Luciano Coutinho, J. Manuel, Belluzzo, José Serra e Dilson Funaro.[35] Este último é industrial. Deu-me a impressão de ser um homem excepcionalmente bem informado e com uma visão justa das coisas. Apoiou firmemente minha tese de que tudo passa pela redução das taxas de juros.
A reunião na casa do dr. Ulisses foi na noite do dia 16. Eu estava chegando de uma viagem a Curitiba, onde participei de um congresso de médicos-veterinários e de um amplo debate na sede do PMDB. No dia 6 estive em Vitória, onde fiz uma conferência-debate na Assembleia Estadual. Por toda parte me crivam com as mesmas perguntas: “Como pretende o novo governo enfrentar o desemprego, a inflação, a dívida externa? Vai romper com o FMI? Que compromissos tem T. N. com os banqueiros da Frente Liberal?” Eu saco em branco. Afirmo que partiremos para uma nova política, pois o PMDB só tem compromissos com o povo e entro em detalhes como se efetivamente já tivéssemos um programa elaborado e decisão para pô-lo em prática. Há esperança e eu trato de alimentá-la, mas também há muita desconfiança. Em Curitiba, no partido (a portas fechadas com membros do diretório estadual e secretarias de governo) o debate foi mais difícil. O Scalco, que é uma figura de primeira, estava preocupado com o envolvimento do T. N. pelo pessoal da Frente Liberal. Saí com a convicção de que a equipe do Paraná é de primeira, que aí se dispõe de um sólido ponto de apoio.
Em Piracicaba, no dia 19, encontrei um colega do liceu, que não via desde 1937. Seu nome é Frederico Pimentel Gomes, professor de estatística superior da Escola de Agronomia, hoje aposentado, mas ainda ativo. Esse rapaz foi meu único colega de liceu por quem eu tinha uma verdadeira admiração intelectual. Ele chegou de São Paulo e entrou já no 2º ano. Tinha uma formação bem superior à nossa, filhos da terra. Era modesto, inteligente, competente e generoso. A ele devo haver começado a ler em inglês cedo, tateando de início. Foi a primeira pessoa que me fez ver, de forma convincente, que eu tinha capacidade intelectual para estudar qualquer coisa. A diferença entre ele e nós estava em que ele sabia as coisas bem, tinha método para estudar e não ostentava o que sabia. Depois do reencontro estive pensando na importância de estudar em boas escolas, de encontrar companheiros de boa formação. Frederico, sendo diferente de todos nós, constituiu uma demonstração daquilo que nos faltava, na nossa província pobre em que tudo era improvisado.
No dia 20 jantei com T. N. em Brasília. Ele já havia tomado conhecimento do papel que eu tinha preparado e entregado ao dr. Ulisses. Estavam presentes este, L. Coutinho, C. Lessa, F. Gasparian, D. Funaro e o senador Camargo,[36] secretário do partido. Antes do jantar tivemos uma sessão de trabalho e fiquei com a impressão de que T. N. também se está convencendo de que ou se enfrentam com firmeza os problemas essenciais – saneamento financeiro e dívida externa – ou tudo ficará como está, agravando-se a desordem. Ele ouviu com muita atenção e só fez perguntas pertinentes. Durante o jantar ele nos falou do encontro que tivera com o Kissinger,[37] na véspera. Este estaria convencido de que é possível obter melhores termos na negociação com os credores, que o que está ocorrendo na Argentina ajudará o Brasil, que convém esperar para negociar. Teria mesmo dito que somente um país como o Brasil poderia haver suportado um tratamento tão brutal, que a ortodoxia do FMI era criticada mesmo entre os banqueiros. Falou-se também da situação interna. As ações de agentes provocadores – oficiais do Exército encobertos pichando paredes com slogans do PC [Partido Comunista], ou portando bandeiras deste – se estão repetindo. Mas não se deve pensar que isso tenha amplitude ou profundidade.
O T. N. informou que o embaixador da Argentina procurou-o para dizer que o presidente Alfonsín desejaria mandar um enviado especial para tomar contato com ele. É evidente que o governo argentino está sob enorme pressão e necessita saber se tem sentido continuar essa luta, que somente teria êxito se o novo governo brasileiro se decida a dela participar.
RIO, 21/12/1984
Nestes últimos três meses não voltei a ter nenhuma conversa séria com o Tancredo. Encontrei-o aqui e lá, trocamos cortesias e ele diz que necessitamos conversar com vagar, mas ficou nisso. Ele sabe que eu não participo de nenhuma grande jogada política, quer dizer, não sou elemento de peso nas políticas dos estados, arena das confrontações diuturnas na luta pelo poder. Minha presença é na “cena nacional”, como elemento que incute credibilidade, e nesse plano o essencial foi decidido prematuramente com a degringolada da candidatura Maluf. Já se desencadeou a luta pelo poder nos estados e ela se agravará se a luta pelas prefeituras das capitais for antecipada.
Voltei da Europa no dia 16 de novembro e encontrei uma grande confusão com a renúncia do Dércio Munhoz[38] à chefia da “assessoria técnica” do Tancredo. Eu não chegara a entender qual era o alcance dessa “assessoria”. Fui falar com o Dércio em Brasília e percebi que havia muita ambiguidade na função que lhe fora atribuída. A saída do Dércio só podia ser por pressão da direita, da Frente Liberal. A “crise” obrigou a uma clarificação. Fui convocado a Brasília pelo dr. Ulisses, que me informou que se havia decidido ampliar a assessoria e dar-lhe maior status. Seriam três pessoas indicadas pelo PMDB e duas da Frente. Aparentemente o que aconteceu foi que Tancredo foi induzido pelo Camargo (Affonso) a indicar o José Serra para chefiar a assessoria, o que teve o apoio decidido do Fernando Henrique. Houve gritaria de vários lados e decidiu-se ampliar a coisa, criando a Comissão[39] de cinco, que seria ampliada para seis por exigência da Frente e depois para sete com a inclusão do Sebastião Vital, pessoa que não é nem de um lado nem de outro, mas somente do Tancredo. Pela Frente ficavam o Hélio Beltrão, o Sérgio Quintella e o Sérgio de Freitas.
Cheguei a Brasília, vindo de Porto Velho, na tarde do dia 27 de novembro. Telefonei para o dr. Ulisses e ele me convocou imediatamente. Encontrei no seu gabinete o Luciano Coutinho e o João Manuel. Ele me fez um relato rápido dos acontecimentos e me disse que desejava que eu integrasse a comissão de assessoria em nome do PMDB. O segundo nome ficou para ser indicado posteriormente, o que foi feito no dia seguinte, sendo convocado o L. Coutinho. A campanha contra o Serra, acusado de “esquerdista”, nada teve que ver com ideias. Serra revela ser uma grande vocação de tecnocrata; tem sido na Secretaria de Planejamento de São Paulo o homem que põe os “políticos” no passo, que se entende bem com o Delfim, que alivia o Montoro absorvendo as pressões. A campanha foi orquestrada pelo Roberto Gusmão, e outras eminências pardas do Montoro. Está em jogo, por um lado, a luta pela Casa Civil de Tancredo, entre Camargo e Gusmão (se Serra entra para o Ministério, Gusmão não tem chance), e por outro lado a sucessão do Montoro. Para F. Henrique, que é candidato, é importante ter um homem em posição-chave no governo federal.
A primeira reunião da Comissão contou com a presença de Tancredo e Ulisses. Realizou-se no dia 11 de dezembro em Brasília. Tancredo fez uma declaração definindo o âmbito de ação. Como sempre incisivo, tocando no essencial, mas ao mesmo tempo vago. Depois que saiu a imprensa, de forma reservada disse que esperava grande discrição dos membros da Comissão, para evitar especulações em torno da futura política. O Hélio Beltrão observou que o contato com a imprensa era inevitável, inclusive ele e eu tínhamos um programa de televisão no domingo seguinte. Tancredo adoçou um pouco a advertência inicial. Também disse que os contatos com o governo, para obter informação, convinha que fossem centralizados em Serra, “que tinha bom trânsito nessa esfera”.
A primeira reunião substantiva realizou-se em Brasília, no dia 18. Eu havia antes preparado um documento em torno das diretrizes básicas a serem seguidas pelo futuro governo e o havia levado a São Paulo, ao Serra e ao Luciano. Este mostrou-se inclinado a um intercâmbio de ideias, a fim de que nós, do PMDB, nos ponhamos de acordo sobre o essencial antes da discussão aberta com os demais. Mas não houve reação da parte do Serra. Na discussão que tivemos no dia 18, ficou evidente que ele faz um jogo pessoal.
Estive em Recife no dia 19 de dezembro para uma conferência na Fundação Joaquim Nabuco. Pela manhã procurou-me no hotel um grupo de técnicos da Sudene. Ao conversar com eles, com o Dirceu Pessoa, com o Ronald[40] e outros, deixei claro mais uma vez que o NE será o enjeitado de toda essa festa. Como os governadores são todos da Frente Liberal e quase todos com raízes nos interesses oligárquicos locais, tudo que se faça pelo NE corre o risco de servir principalmente para consolidar o que existe como estrutura de privilégios na região. Por outro lado, como negar que é importante descentralizar, reforçar a Federação? Foi feito um projeto de reforma da Sudene, visando a reforçar o poder dos governadores. É evidente que quando houver pluralismo, governadores de mais de um partido, essa é a fórmula ideal. Mas como fazer a transição? Continuo convencido de que a Sudene deveria voltar a ser, como em minha época, algo independente da política partidária, basear-se numa espécie de consenso regional, ou pacto social. Mas como implementar isso agora, quando o PMDB é tão fraco?
Hoje saiu na imprensa que a dívida brasileira havia sido posta pelos banqueiros em standstill, ou seja, se suspendem as negociações até segunda ordem. A razão seria, “segundo fonte ligada ao governo brasileiro”, declarações minhas recomendando que se suspendam os pagamentos dos juros e do Tancredo afirmando que a meta inflacionária da sétima carta de intenção enviada ao FMI seria irrealista e teria que ser descartada. Tudo isso é provavelmente mentira, pois os bancos já haviam declarado muito antes que as negociações só frutificariam com o novo governo. A intriga é evidentemente dirigida contra mim. Há uns dois meses um banqueiro francês declarou numa entrevista à imprensa que eu não seria um ministro do gosto deles. Contudo, não creio que sejam banqueiros nos Estados Unidos que tenham dado origem à intriga. A News-week desta semana traz uma entrevista minha que é bastante moderada, se bem que afirme que os países endividados da América Latina não podem pagar a carga dos juros sem sacrificar seus investimentos. A intriga deve ter origem nos meios financeiros brasileiros que lutam pelo controle do Ministério da Fazenda.
A situação atual é a seguinte: está desencadeada contra mim uma ofensiva dentro do próprio PMDB, com origem na luta pela sucessão em São Paulo e que se apoia no arrivismo do Serra; em outra pista desenvolve-se a ofensiva maior dos interesses financeiros, locais e internacionais, que veem em mim uma pessoa extremamente incômoda, porque eles não podem me enganar nem comprar e sabem que tenho credibilidade diante da opinião pública. O problema que se vai colocar para mim é este: qual o valor real (a eficácia) do papel que eu venha a desempenhar, caso venha a ocupar um cargo-chave no setor econômico-financeiro? Excluída a hipótese de que o próprio Tancredo queira dar uma luta grande (como existe o problema da Constituinte, é provável que ele pense que a luta com os credores internacionais será de menor importância em sua biografia), tudo indica que o problema se cingirá a obter algumas concessões dos banqueiros e do FMI. Como essas concessões menores não alteram o essencial, pergunto que significação tem para mim enfrentar o enorme desgaste exigido por essa luta secundária. Eu iria contribuir para legitimar falsas soluções. Ou daria a impressão de que não era sincero, quando dizia nesses anos de luta que é essencial resgatar a soberania do país, ou de que era sincero, mas, “como todo mundo neste país de Macunaíma”, não tenho muito caráter. Se há algo de que estou convencido é de que, se não estou convencido do papel que desempenho, sou um mau ator. Mais ainda, um cargo de ministro não acrescenta nenhum lustro à minha imagem, a menos que se tratasse de lutar por coisas maiores.
Também existe a possibilidade de que Tancredo, seja porque está convencido de que essa é a missão que ninguém está em condições de cumprir melhor do que eu, seja por malícia, procure enviar-me ao NE. Neste caso o problema é diferente; não tenho apetite para repetir a minha própria história. É tarefa útil, mas ingente, que tentei quando estava nos meus trinta. Seria uma enorme punição se tivesse de tentá-la de novo nos meus sessenta.
RIO, 27/12/1984
Tivemos ontem uma reunião da Comissão do Plano de Governo, que deveria debater o problema da dívida externa. O Sérgio de Freitas fez uma exposição totalmente anódina, cheia de frases como “Não podemos nos afastar do Ocidente”, “Temos uma indústria de vanguarda tecnológica ou quase (atraso de três a cinco anos) que seria profundamente afetada caso haja uma ‘ruptura’ com os bancos credores”, e coisas similares. Mas ao mesmo tempo reconhecia que estamos enviando 4% do nosso PIB ao estrangeiro e que nessas condições o desenvolvimento faz-se bem mais difícil. Depois de mostrar um telex que havia sido enviado pelo comitê de bancos credores a todos os bancos que são credores do Brasil (o Itaú, a cuja direção ele pertence, também é credor, por intermédio de sua agência de Nova York), concluiu dizendo que temos de escolher entre a ruptura com os credores ou fazermos o sacrifício. Segundo ele, firma-se a opinião de que podemos voltar a crescer fazendo esse sacrifício.
Em seguida falou o Coutinho, que apresentou o problema de vários ângulos, hipóteses “otimista”, “pessimista” sobre as perspectivas de balança de pagamentos no próximo ano, hipóteses sobre o que se poderia fazer para enfrentar uma nova crise de liquidez externa, mas sem definir propriamente um rumo. O José Serra também apresentou uma série de estatísticas sobre “tendências”.
Tomei a iniciativa de dizer que fomos convocados para fazer sugestões precisas ao dr. Tancredo, as quais ele usará na forma que lhe aprouver. Que não estávamos ali apenas como técnicos, mas também como representantes dos principais partidos políticos que apoiavam a candidatura do dr. Tancredo. Passei em seguida a ler um documento preciso em que propunha uma linha clara de política: assegurar aos bancos aquilo com que eles haviam concordado para 1984, ou seja, o pagamento de 40% dos juros com dinheiro das exportações, sendo o resto capitalizado em condições a discutir. Houve certa perplexidade com minha franqueza e o Serra, que aparentemente está jogando na indefinição do Comitê, para que ele possa fazer pessoalmente as sugestões a Tancredo, ficou meio desorientado. Meu objetivo era duplo: definir bem minha posição (que está sendo deformada por pessoas ligadas aos bancos) e evitar que o Comitê se transforme num jogo de esconder, em que todo mundo apresenta “opções”, dando a impressão de que existe um “amplo denominador comum”. Essa ambiguidade permitirá que se utilize o nome de cada membro do Comitê para dar cobertura ao que Serra venha a apresentar como produto final.
Com esse ato eu “queimei” o meu nome definitivamente, pois minha opinião vai ser conhecida de banqueiros e tutti quanti, por baixo do pano, e Tancredo seguramente não quererá sair da ambiguidade sobre os rumos a seguir. Mas deixei bem claro que meu nome não será usado para dar cobertura a qualquer política. Como já estava desencadeada a luta contra mim de várias frentes, pelo menos agora fica claro que não serei conivente. Guardarei minha liberdade para dizer o que penso quando se apresente o momento.
Vale a pena registrar algumas observações:
A classe política está desgastada, deteriorada e demasiado ansiosa para ocupar espaço. É necessário que surja uma nova geração, que possa perceber a realidade com outros olhos. Quanto tempo demorará isso? Que contribuição posso dar para o advento dessa nova geração? Durante os últimos vinte anos estive preocupado, quase exclusivamente, em desacreditar esse monstrengo que foi o projeto de “modernização” pelo caminho autoritário. Posso estar satisfeito, pois ganhamos a luta. A própria figura de Tancredo simboliza essa rejeição do autoritarismo e da modernização à outrance.[41] Mas isso não é senão uma transição. O mundo de gente que se acotovela em torno dele é um pré-anúncio do que será a cena política futura. Como existe pela frente a Constituinte, o grande papel histórico dele sempre estará preservado. No mais, teremos uma época de acomodações, de ilusionismo político, de avanços e recuos. Em pouco tempo tudo estará polarizado pelas sucessões estaduais e pela Constituinte. De toda forma, estamos apenas no início de uma fase histórica que não se definirá enquanto não surja uma nova geração infensa a essa impostura que é a imagem do Brasil criada pelo autoritarismo e introjetada, ainda que inconscientemente, por grande parte dessa classe média.
RIO, 21/1/1985
No dia 6, domingo, jantei com o Serra e disse claramente a ele que a Comissão do Plano de Governo devia avançar rapidamente se desejamos que ela não desapareça por irrelevante. Ele me disse que não tinha a menor confiança em vários dos seus membros. Referiu-se ao Quintella como alguém que está fazendo um jogo pessoal e citou o caso do Beltrão “cujo grupo tem 25 milhões de dólares no open market”. Eu retruquei que nada disso me impediria de dizer o que penso, pois é fundamental que Tancredo tenha em mãos opções tecnicamente bem fundadas. Se não for possível chegar a um entendimento, eu apresentarei meu ponto de vista por separado, diretamente ao Tancredo ou por intermédio do dr. Ulisses.
No dia 8 tivemos uma reunião da Comissão em Brasília. Para surpresa minha, o Sérgio Quintella apresentou por escrito seu ponto de vista recomendando a capitalização da metade dos juros. Seriam pagos aos banqueiros os 4% da inflação americana mais 2% de juros reais, e o restante seria capitalizado, devendo os recursos em cruzeiros ser utilizados para “capitalizar” as empresas nacionais. O Beltrão assumiu ponto de vista similar. O Sérgio de Freitas não discordou abertamente. Foi o Sebastião Vital quem mais discrepou.
Eu fiquei calado saboreando a cena. O pessoal da Frente Liberal havia avançado muito com respeito aos meus colegas do PMDB. Minha provocação de pedir pronunciamentos por escrito tinha dado frutos. Beltrão tomou uma posição similar à minha: o governo deve definir uma política, e só em seguida discutir com os bancos credores. Só assim se pode sair do impasse atual e tirar os governos dos países credores do cômodo imobilismo. Havíamos avançado enormemente.
Qual não é minha surpresa quando vejo no Globo, no dia seguinte pela manhã, uma exposição completa, feita por quem entende do assunto, de toda nossa discussão de quatro horas. Pareceu-me claro que a inconfidência fora praticada pelo Sebastião Vital. Ele deixou a sala às 18 horas para tomar o avião das 19 horas para o Rio. Era de supor que ele houvesse preparado no avião um informe para o Dornelles[42] e que este tivesse transmitido a informação ao Globo. Já havia reação no mesmo dia entre os banqueiros nos Estados Unidos. Expus meu ponto de vista ao Luciano e ao Serra, por telefone, e os dois haviam imaginado que era microfone dentro da sala. A coisa pareceu se esclarecer depois, pois a imprensa deu uma versão similar à minha, introduzindo também no circuito o Simonsen[43] (para conexão com os banqueiros de ny). Parece evidente que o Dornelles, em seu empenho de afastar o Serra do Tancredo, está disposto a torpedear a Comissão. Mas agora as cartas estão na mesa. Existe uma clara opção de política à que segue atualmente o Delfim, e para combater essa opção já não é suficiente atacar a mim. Tudo estava parecendo simples: bastava pichar-me de “esquerdista” ou o que seja para deixar intocada a política que vem sendo seguida. Finalmente, gente ligada ao governo de São Paulo, como o L. C. Bresser Pereira,[44] já havia dito que “o problema da dívida externa está no passado”. O problema agora não é apenas de balança de pagamentos, mas o de saber se o país pode enviar para o exterior 40% de sua poupança e reativar a economia e combater a inflação.
O Tancredo continua fazendo o seu jogo de reinar a distância, colocando-se num plano inacessível ao mesmo tempo que agrada todos aqueles que farejam para dele se aproximar com risos e blandícias.
O Serra está nervoso, pois sente que não toma pé embora tente fazer tudo que supõe agradar ao homem. Ontem me disse por telefone que quer abreviar o trabalho da Comissão, a fim de que tenhamos a coisa pronta para 15 de fevereiro, data do regresso de Tancredo ao Brasil. Com efeito, se ele ao voltar indica o ministro da Fazenda ou do Planejamento, que não seja membro da Comissão, esta fica no ar. E a humilhação para ele, Serra, não será das menores.
Não fui a Brasília para a reunião do Colégio Eleitoral no dia 15. O país inteiro explodiu de alegria. Senti-me recompensado dos esforços e lutas de vinte anos.[45]
RIO, 23/1/1985
Ontem tivemos nova reunião da Comissão do Plano de Governo, em Brasília. Havia que preparar um documento sobre a dívida externa para que o Tancredo o tenha em mãos em sua viagem ao exterior que começa hoje. Ele terá contato com Reagan[46] e é preciso que esteja prevenido contra algum envolvimento, ou pelo menos que tenha em conta certas coisas quando abrir a boca. A minha proposta inicial de que cada um expresse por escrito seus pontos de vista sobre essa matéria tinha dado fruto. Dispúnhamos de cinco textos. Ao apresentar o meu, eu havia feito duas perguntas: 1a) é possível financiar a transferência de recursos de 4% a 5% do PIB para o exterior, como foi feito em 84, e ao mesmo tempo restabelecer o nível de investimentos e combater a inflação com eficácia? 2a) será que não existe uma alternativa de política à que vem seguindo o governo? Minha resposta foi no sentido de capitalização de 60% dos juros – critério aceito pelos banqueiros para 84 – e aplicação interna dos recursos para saneamento financeiro e retomada dos investimentos. Logo se formou uma maioria dentro da Comissão, com pessoas dos dois lados convergindo na direção da minha proposta. A resistência foi principalmente oferecida pelo S. Vital, mas sem atacar o fundo do problema. Ele insistia em que os problemas são mais simples, que a transferência de recursos para o exterior não é a principal causa da desordem inflacionária, “há muitas outras coisas”, raciocínio correto ou firme mas equivocado no fundo, pois reduz ao imobilismo, armadilha da qual queremos sair.
Serra, com a ajuda de Coutinho, havia preparado um texto de síntese, bastante abrangente e fiel. Faltou-lhe um pouco mais de contundência, mas pôde ser melhorado. Trabalhamos cinco horas sobre ele, e o que resultou pareceu-me razoável como conteúdo. A grande vitória está em que esse texto exista, e que esteja assinado por todos os membros da Comissão. Já não se pode dizer que não há uma alternativa de política à atual, ou que as alternativas refletem pontos de vista de “esquerdistas”.
Essa Comissão foi muito provavelmente criada para não fazer nada, daí sua heterogeneidade e a presença de uma pessoa como Sebastião Vital, profundamente comprometido com a política atual, e de um membro da direção de um grande banco. Tudo foi concebido dentro do estilo de Tancredo, de evitar definições claras em tudo que pode ser controvertido. Ganha-se tempo e se dá a impressão de estar fazendo alguma coisa. Por último, houve as incríveis inconfidências, certamente para desacreditar a Comissão e aumentar o medo em muitos de seus membros candidatos a cargos no futuro governo. E ainda assim tivemos uma autêntica vitória, pois já existe uma proposta clara de modificação substantiva num campo crítico da política. O importante é que, se o Brasil rompe o tabu do pagamento em divisas dos juros em sua integralidade, todos os demais países devedores em situação similar poderão seguir o exemplo. O caminho estaria aberto para romper o jugo da finança internacional sobre os países devedores.
Mesmo que tudo isso fique no papel, terá sido uma vitória no plano político que poderá dar frutos no futuro. As conjecturas sobre o ministério de Tancredo levam a crer que ficarão mesmo no papel. Fala-se em Dornelles para a Fazenda e Olavo Setubal para o Exterior. As informações que tenho sobre Dornelles fazem pensar que ele não tem pensamento próprio, é um simples operator, que conviveu magnificamente com Delfim no governo e tem boas relações entre militares, inclusive o general Cruz.[47] A simples presença dele marca o governo. Tampouco do Setubal se pode esperar empenho em mudar a política atual.
Mas digamos que a intenção de Tancredo seja esta: fazer mudanças com homem de quem não se espera nenhuma mudança. Neste caso, o risco está em que as mudanças não peguem, fiquem na aparência, e na execução, na “regulamentação” perca-se o essencial. Em um campo tão complexo como o das relações financeiras internacionais, basta deixar uns capítulos para que as mudanças sejam apenas aparentes.
Quando saí da reunião fui até o gabinete do dr. Ulisses. Encontrei lá várias pessoas. O clima geral é de expectativa e apreensão. Tudo indica que no novo governo não haverá espaço para o grupo mais progressista do PMDB, que é em realidade a alma do partido. Estive trocando ideias com Arraes sobre os riscos que corre o NE de ser esquartejado entre caciques políticos de vários partidos. Disse a ele que havia feito um projeto de política para o Plano de Governo, definindo o essencial a fazer na região. Haveria a possibilidade de chegar a um compromisso sobre uma linha de política entre todas as forças da Aliança Democrática. Ele não crê.
Estive falando a sós com o dr. Ulisses e lhe transmiti minha boa impressão sobre o resultado do trabalho da Comissão, ao concluir o texto sobre a dívida externa. Ele me ouviu com aquela atenção cortês com que oculta seu desinteresse por assuntos que não seja a política quente do momento. Depois de ouvir-me, disse: “Estive pensando em certas coisas e vou lhe falar num assunto que é apenas uma reflexão pessoal minha, e que quero que fique absolutamente entre nós. (Pensei comigo: ele vai me fazer alguma proposta e eu não poderei deixar de dar uma resposta imediata; se meu destino vai se modificar neste momento, meu pressentimento é de que não será num bom sentido.) Estive pensando que você poderia dar uma contribuição ao futuro governo ocupando uma embaixada onde a parte econômica é essencial, como a de Bruxelas junto ao Mercado Comum Europeu. Daí você poderá ajudar a encaminhar muitos problemas importantes.”
Eu fiquei um tanto estatelado, pois não estava preparado para responder a essa questão. Tinha me passado pela cabeça que ele me ia falar em ne. Disse apenas que, se o nosso partido achava essa uma missão importante, eu me inclinava a dar minha contribuição. Ele acrescentou que teríamos de voltar a falar mais detidamente sobre este e outros pontos, e que me chamaria.
Saí para o aeroporto mastigando o assunto. Seria uma tentativa de afastar-me do primeiro plano e mesmo de neutralizar-me como um crítico potencial? Neste caso a coisa teria partido do Tancredo. Ou seria uma “compensação”, um prêmio de consolação, que me oferecia o partido, por serviços prestados? Depois me veio ao espírito de que o mais provável é que essa fosse uma ideia do Fernando Henrique, preocupado com a repercussão negativa, nas alas mais progressistas do PMDB, da queima de meu nome pelo entourage do Tancredo. Dificilmente passaria pela cabeça do Ulisses a existência dessa embaixada, e o Tancredo não deve estar preocupado com alguém que não exerce nenhuma pressão sobre ele num momento em que tem tantos chats à fouetter.[48] F. H. deve se lembrar de que o cargo está pendente da decisão no Senado, de que o Ueki[49] não tem chance. A ideia também poderá ter vindo do Severo Gomes, mas no caso do F. H. deve haver certa preocupação com o meu “caso”.
Uma coisa parece certa: no mundo tancrediano não existe espaço para mim. A percepção que tenho dele é de alguém que joga permanentemente na ambiguidade, que usa as pessoas e evita aquelas que parecem pouco flexíveis. Com a degradação da vida política no país, esse tipo de liderança torna-se ainda mais eficaz. A sorte é que ele tem compromissos com coisas fundamentais e é um homem honrado. Por isso devemos ver as coisas globalmente e apoiá-lo, pelo menos nessa fase de transição democrática.
O importante é que já sei que não terei nenhum cargo de responsabilidade no novo governo. O pesadelo de participar de uma equipe heterogênea, devendo fazer concessões a todo momento para evitar crise, desaparece. O susto de ter de voltar ao NE para uma contrafação de minha saga de um quarto de século atrás desaparece.
Ganhei alguns graus de liberdade. Convém continuar pensando sobre isso.
RIO, 26/1/1985
Jantei ontem na casa do Marcito.[50] Havia um pequeno grupo de pessoas, inclusive Antonio Callado e Ana. Procurei falar de literatura, desse último livro do Mario Vargas Llosa, História de Mayta, que me parece algo extremamente destruidor. O que ali está poderia ser objeto de um ensaio, uma boa contribuição para aprofundar o entendimento dessa fase histórica latino-americana que se pode chamar de ilusão guerrilheira. A meu ver, essa fase é similar à da Europa Ocidental no período compreendido entre 1848 e 1870. Nesse período, na Europa, predominou a ideia, entre as forças sociais que emergiam com a industrialização, de que o caminho para avançar, para participar do poder, era a revolução, a violência aberta. A derrota da Comuna em 1871 desacreditou essa ideia. Ao mesmo tempo a sociedade havia mudado e outros caminhos foram encontrados. Na América Latina o processo se inicia com a Revolução Cubana, em 1959, e provavelmente se encerra com a restauração democrática da Argentina e do Brasil no começo dos anos 1980. Também na América Latina houve transformações importantes na sociedade, e o que importa é saber que projeções terão elas no plano político. O livro do V. Llosa enfoca a coisa apenas do lado da degradação social e psicológica provocada pelos conflitos, e nesse sentido é extremamente destrutivo. Se fosse um ensaio não haveria problema, mas sendo um romance tende a ser absorvido em bloco, sem ser submetido a uma análise crítica. Essa a razão pela qual um romancista pode ser muito mais efetivo ao transmitir uma mensagem revolucionária ou reacionária do que os nossos cientistas sociais, e pensadores ou “ideólogos”.
Qual não foi minha surpresa quando o Marcio puxou a coisa para o lado político e disse para todo mundo, com aquela meia leviandade meia arrogância que o caracteriza, que eu ia ser convidado para a embaixada junto ao Mercado Comum [Europeu]. Eu me mostrei perplexo e ele acrescentou: “Ouvi do Montoro e estava também presente o Brossard.”[51] Imagino que haveria outras pessoas. Se é assim, por que então o Ulisses me fez todo aquele mistério?
RIO, 1/2/1985
A Rosa telefonou-me de Paris dizendo que havia estado com Fernando Henrique, a sós, e ele a havia sondado para ver minha reação no caso de um convite para algo como embaixador na ONU. Ele seguramente imaginava que eu já havia conversado com a Rosa sobre o assunto, o que não é verdade. Porém, confirma-se a ideia de que partiu dele a iniciativa de arranjar uma embaixada para mim.
Tenho pensado nesse assunto. Pode-se dar por certo que estou excluído da equipe que vai comandar a política econômico-financeira. Mas devo partir do princípio de que não vou assumir uma posição crítica, mesmo que a política seguida não seja muito diferente da atual. Em primeiro lugar está o compromisso com a redemocratização, e esta depende de que o governo Tancredo não se gaste demasiadamente rápido. É preciso que o PMDB sobreviva para a Constituinte. Aceitando ou não um posto, meu comportamento terá de pautar-se por esse princípio. Negar apoio explícito pode ser necessário, mas em nenhum caso se justifica criticar, pelo menos numa primeira fase. Desse ponto de vista, estar no Brasil ou fora não faz muita diferença.
O verdadeiro problema é meu, pessoal: passei muitos anos fora do país e conheço demasiado essas instituições para que elas exerçam sobre mim qualquer atrativo. Como justificar uma nova ausência do país e dedicar o meu tempo a coisas que não considero prioritárias? Viver no estrangeiro como métier será para mim uma punição. É verdade que Paris não é para mim “estrangeiro”, mas não se trata de ir para lá. Em realidade, ir para Paris teria mais o sabor de um hedonismo, que me criaria uma consciência de culpa. Finalmente, em um processo de reconstrução do país em marcha, poder participar dele é um privilégio. Eu posso ter essa participação e, ao mesmo tempo, realizar uma vida pessoal voltada para o que gosto: pensar, escrever, ler, ouvir música, viajar, estar com amigos. Horroriza-me não poder dispor de meu tempo, ter “obrigações”.
RIO, 5/2/1985
Tivemos no dia 3 mais uma reunião da Comissão, em São Paulo. Levei por escrito uma consolidação dos compromissos do Tesouro – orçamentos fiscal e monetário – onde se demonstrava que o déficit previsto para 1985 chega a 40% das receitas, portanto, algo como 4% do PIB. Também indiquei que esse déficit se deve ao custo (em juros) da dívida mobiliária interna e às contas externas assumidas pelo BC [Banco Central], juros da dívida externa assumida por este. A opção é simples: ou se aprofunda a recessão cortando mais nos gastos públicos – e isso seria insuficiente – ou se aumenta brutalmente a carga fiscal – o que seria intolerável –, ou se reduz o custo a curto prazo da dívida interna e capitaliza uma parte importante da dívida externa. O Sebastião Vital assumiu uma posição mais ortodoxa do que o FMI. Não sei que tipo de consenso poderá sair disso.
Ontem tive uma longa conversa com o F. Henrique. Ele é a pessoa que enxergou mais claro no caso Dornelles. Esta é a dimensão oculta do Tancredo, que começa a vir à tona. Ele ouviu do Aécio, neto do Tancredo que está sempre próximo do avô, uma advertência: “O Chico é parte do velho.” Se é assim, é necessário partir dessa simbiose. Esse homem tão secreto devia ter coisas escondidas. Ele atravessou todos esses anos da ditadura com olhos que viam o bicho por dentro. Isso explica a pilotagem maravilhosa que ele realizou através de todos os obstáculos. Mas cabe indagar: que compromissos terá ele assumido pelo caminho? O que mais preocupa o sistema em decomposição é que não se projete muita luz sobre a podridão que aí ficou, os escândalos e “estouros” havidos e por haver. O sobrinho, sabidamente o homem mais informado da República (responsável pela Receita Federal), foi o go-between de toda a trama.
Também me disse o F. H. que o cavalheiro esse já fala como se fosse o primeiro-ministro; refere-se ao “círculo do poder”, atribui ministérios a A e a B e também dispõe do tempo do tio. A viagem à Europa foi organizada por ele, praticamente só.
O importante, evidente, não é o sobrinho, e sim o tio. Se este é tão secreto é, provavelmente, porque se sente inseguro quando totalmente exposto à correnteza dos acontecimentos. É possível que a experiência vivida ao lado de Getúlio, que foi arrastado ao suicídio por algum passo falso, algum descuido, o haja seriamente traumatizado.[52] A verdade é que ele procura cobrir-se de todos os lados. Como tem escrúpulos, utiliza o sobrinho para realizar a besogne[53] mais comprometedora. Ele nunca confiará em ninguém que tenha independência de espírito, cujo comportamento possa conduzir a imprevisto, riscos. É preciso manter tudo sob controle, mas deixar espaço para possíveis aberturas, avanços reais no plano, se estes caírem em nossas mãos como frutos maduros. Mas sempre olhando para trás, para não perder de vista a saída de socorro.
RIO, 9/2/1985
Ontem jantei com o Sérgio de Freitas, companheiro da Comissão do Plano de Governo e vice-presidente do Itaú. Ele está efetivamente convencido de que é necessário abandonar a política atual de ajustamento e sair para outra coisa, particularmente a capitalização dos juros. Na discussão que havíamos tido na Comissão abordamos o problema da agricultura, que está totalmente distorcida, contra o mercado interno. O coeficiente de exportação do setor agrícola dobrou; se a isso se adiciona a produção de cana para álcool, explica-se o declínio da oferta interna de alimentos. Também falamos da produção de petróleo, que cresceu muito mais do que as reservas, havendo a relação produção-reservas descido a níveis perigosos. Assim, por todo lado o país está sendo distorcido para atender aos interesses dos bancos credores. É importante que o Sérgio de Freitas se haja capacitado de tudo isso, pois ele pode influenciar o Olavo Setubal. Se o setor financeiro chega a ver a realidade, tudo pode mudar. A nossa Comissão teria realizado um trabalho útil, por essa forma indireta.
O dr. Ulisses hoje me telefonou pela manhã cedo. Ontem ele teve a primeira longa conversa com o Tancredo, que regressou anteontem. Pelo que me disse, o Dornelles será efetivamente ministro da Fazenda. Ainda haveria a possibilidade de alguém do PMDB para a equipe econômico-financeira. Também me disse que minha candidatura para a embaixada junto à CEE [Comunidade Econômica Europeia] estava andando. Depois das conversas que tive nos últimos dias decidi que o melhor é não se deixar marginalizar completamente.
Há dois dias tomei conhecimento de que alguns deputados do NE tomaram a iniciativa de sugerir meu nome para a Sudene. Parece que quem está na frente do movimento é o Osvaldo Lima. O Aluizio Campos também está envolvido. Mas tenho a impressão de que o Humberto Lucena[54] fará corpo mole, seguramente preocupado com uma futura candidatura minha para governador da Paraíba, o que não me passaria pela cabeça. O Arraes, aparentemente, está fora disso, pois ele esteve longamente com o Ulisses anteontem à noite, na casa do Renato Archer, onde jantamos juntos. Se ele houvesse tocado nesse assunto com o Ulisses, este teria me falado. Veremos o que vai sair de tudo isso.
RIO, 16/2/1985
Nos dias 13 e 14 tivemos duas longas reuniões da Copag para concluir nossos trabalhos. Na reunião do 13, que durou cinco horas, estivemos concentrados na política financeira, ou seja, no saneamento das finanças públicas, no problema das taxas de juros, enfim no grande imbróglio. Com base nos trabalhos anteriores – vários de nós havíamos apresentado por escrito sugestões –, o Serra preparou um texto de conjunto que, sem ser audacioso, era bastante abrangente. Vista a coisa em conjunto, fica clara a insânia do enfoque monetarista que vem impondo o FMI. Os ativos monetários declinaram de mais de 30% para menos de 10% dos ativos financeiros totais. Continuar a comprimir a base monetária, quando o sistema opera com outras formas de liquidez, é uma bobagem que desvia a atenção do essencial. O problema da dívida interna está em que ela gira rápido demais, e não em sua dimensão. Não há verdadeiros tomadores finais para os títulos, que são financiados no mercado do dinheiro com recursos tomados ao próprio BC. Seria necessária uma limpeza completa, mas há gente demais vivendo dessa confusão.
Foram muito instrutivos os debates. Serra abandonou sua atitude de extrema prudência dos primeiros dias. Fez circular o papel no dia 13 sem maiores precauções. É evidente que ele estava marcando sua posição para o futuro. Se o governo Tancredo vai continuar com a política atual, o que significa que a inflação vai se agravar, e a retomada do crescimento abortar, não terá sido por falta de um projeto alternativo. Por outro lado, o Sebastião Vital mostrou-se extremamente conciliador. Como Dornelles já é ministro (o Serra já não é nenhuma ameaça), o que produzir nossa Comissão não terá qualquer relevância. Aparentemente, ele só vê o presente. E como se sente culpado da sabotagem que fez no passado, agora procura ser generoso.
No dia seguinte, 14, deveríamos apresentar o conjunto do trabalho concluído (quatro dos onze programas não estariam datilografados, devendo sua entrega ser postergada) ao Tancredo. Quando nos reunimos às 9 horas para fazer um tour d’horizon,[55] o Hélio Beltrão nos surpreendeu com a afirmação categórica de que o projeto de política financeira tocava em assunto demasiado quente, podia filtrar e comprometer o novo governo provocando pânicos e coisas similares. Os jornais do dia o davam como ministro (da Desburocratização e da Desconcentração) no novo governo. Ele, que havia sido tão corajoso, no começo, agora tomava a posição oposta. Havia uma perfeita simetria com o caso do Serra: maior esperança de participar do Ministério, maior cautela, mais preocupação em não assustar o Tancredo. Foi uma dura discussão. Eu imaginei que não haveria consenso, sendo necessário apresentar votos por separado ou deixar de fora o tema mais importante, ao lado do da dívida externa. Finalmente acertou-se o seguinte: todas as cópias do documento seriam recolhidas e não se faria referência a ele na lista a ser publicada no momento da entrega a Tancredo. Este seria advertido, numa nota preliminar, de que se tratava de um documento preliminar a ser mantido fora de toda circulação. Todos os membros da Comissão se comprometiam a, se necessário, assegurar de público que não existia esse documento. Se alguém fizesse uma afirmação em contrário, podia ser desmentido pelo coordenador da Comissão. Para desanuviar o ambiente, eu fiz a seguinte observação: este é um compromisso de honra assumido por todos nós. Eu me comprometo a não abordar o assunto nem mesmo quando escrever minhas memórias… Houve um riso geral…
Saí da sala de trabalho e encontrei-me de surpresa no corredor com o Tancredo, que vinha para se reunir conosco. Ele me saudou cordialmente e depois disse, tomando-me do braço: “A coisa está dura, Celso.” Eu observei, querendo fazer humor: “O que não é difícil não tem valor, presidente.”
Na tarde do dia 14 encontrei várias pessoas e as coisas ficaram claras para o meu lado. É evidente que os governadores do ne não têm interesse em ter alguém na Sudene com o meu peso. Estão argumentando que deve ir para a Sudene um “técnico”. E que eu sou do PMDB… Por outro lado, nem todo mundo do PMDB se interessa em que eu vá para lá, pois o rendimento em termos partidários não seria grande. Para uns eu sou “político”, para outros demasiado “técnico”. No fundo, prevalecem sempre os interesses partidários, o que é compreensível. Estaria eu em condições de dar de novo uma briga dessa magnitude? Teria o apoio do presidente do qual necessitaria? A verdade é que me senti aliviado.
Com respeito ao novo Ministério de Ciência e Tecnologia, mandei dizer ao Ulisses que de nenhuma forma competiria por esse posto com o Renato Archer. Este teve o golpe do Sarney no Maranhão e perdeu as Relações Exteriores. Quando voltei no dia 14 para o Rio encontrei no avião o Renato, que me comunicou que o convite a ele estava feito, ainda que com os subterfúgios usuais do Tancredo. Pus-me à disposição dele para ajudá-lo, pois fui o relator desse projeto na nossa Comissão. Ele estava meio zonzo com a perda das Relações Exteriores, mas parecia começar a interessar-se pelo novo ministério.
De meu lado tudo ficava claro. A partir do momento em que percebi que Tancredo ia adotar uma política continuísta no campo econômico-financeiro, desinteressei-me da coisa. Não tomei nenhuma iniciativa.
VISTAS SOBERBAS, 18/2/1985[56]
Se tomo distância para ver o que aconteceu nestes últimos três anos, mais precisamente desde que fui formalmente para o PMDB, devo reconhecer que é um período único, que deve ser separado do que ocorreu antes e do que terá de ocorrer depois. Durante esse período eu passei a falar como um dos mentores de um grande movimento político, na verdade a voz mais ouvida desse movimento no que respeita ao que parecia mais sensível, a política econômico-financeira. A mágica estava em que eu podia exercer esse papel guardando a seriedade de um renomado estudioso “objetivo” da economia brasileira. Ora, o PMDB nunca sancionou formalmente as ideias que eu defendia. Na convenção de 1983 discutimos esses problemas, mas de maneira ad hoc, as decisões ficando em nível de comissões de trabalho. O prestígio de meu nome foi um fator a mais usado para mobilizar a opinião pública. Aonde eu chegava, do Rio Grande do Sul ao Pará, de Roraima ao NE, reunia-se um público numeroso e esclarecido para ouvir-me e debater. Muita gente colocava a questão-chave: “O senhor crê que os líderes da Aliança Democrática, heterogênea como ela é, poderão levar à prática essas mudanças?” Eu saía pela tangente afirmando: “Nós, do PMDB, temos de lutar para que isso ocorra.” Não era muito convincente, mas contribuía para consolidar a ideia de que constituíamos uma força organizada. Para convencer eu tinha que ser claro, mesmo contundente, o que me punha em evidência como o arauto das mudanças. Como as forças que resistem às mudanças eram poderosas (dentro da Aliança), o compromisso com elas encontrava um caminho fácil em entregar minha cabeça. É evidente que eu poderia ter lutado para ficar com “alguma coisa”, na hora do frigir dos ovos. Mas como compor-me com um governo que ia executar uma política quase oposta à que eu havia defendido?
Se se tratasse apenas de política econômico-financeira, eu poderia tomar uma posição crítica desde agora, bastando para isso renunciar ao Diretório Nacional do partido. Mas o que está em jogo é o processo de democratização, é consolidar a transição, fechar as portas ao militarismo. Portanto tenho que ficar calado, pelo menos durante algum tempo. Se me ausento do país, as coisas serão mais fáceis.
A pergunta que me faço no momento é a seguinte: poderia ter cumprido uma tarefa distinta da que cumpri? Creio que não. A verdade é que eu não me liguei à máquina do partido. Quando me convidaram para fixar-me em São Paulo, ligando-me ao grupo do Montoro, prestando um serviço a seu governo, não o aceitei. Quando me quiseram envolver no Rio de Janeiro, com o oferecimento de uma futura candidatura majoritária (senador), também não mostrei interesse. E como podia ser de outra forma? Utilizar o meu tempo em atividades partidárias parece-me uma insensatez. O que fiz, na verdade, foi dar uma contribuição, que chegou a ser importante, mas que somente teve sentido em um contexto determinado. Não excluo a hipótese de que se apresente, no futuro, um novo contexto em que eu possa dar uma contribuição valiosa. Mas é preciso reconhecer que a probabilidade não é grande. Portanto, eu não devo organizar a minha vida a partir dessa hipótese.
Devo preparar-me para retomar minha tarefa de intelectual, sem vinculação partidária, dentro de breve prazo. Se aceitar missão no estrangeiro será como transição, que não deve demorar muito. Ter o sentimento de missão cumprida e sentir-se livre para recomeçar nova caminhada é o que importa no momento. É possível que nunca tenha havido a possibilidade de que eu assumisse a tarefa executiva que mereceria o uso do meu tempo e o sacrifício total das energias criativas. Meu papel terá sido de simples catalisador no processo político que levou ao fim do militarismo. Sendo assim, teria sido um erro lutar por uma outra posição. Pois, como renunciar a pensar e criar com independência, para dar uma batalha desgastante por uma tarefa secundária? Agora é pensar novamente no futuro como um horizonte aberto.
VISTAS SOBERBAS, 19/2/1985
Que o Brasil entra em um ciclo novo de sua história parece-me claro. A verdade é que os últimos dois decênios não foram fruto do acaso. Tanto a direita como a esquerda tinham, há um quarto de século, a certeza de que possuíam uma solução para os problemas do país. Uns e outros pensavam que por atos de voluntarismo se podiam remover os obstáculos ao desenvolvimento e/ou à justiça social. Como o Estado seria o instrumento privilegiado dessa transformação, a luta foi pelo seu controle. Como a direita pôde mobilizar as forças do medo (e não somente entre as classes privilegiadas), ganhou a dianteira e produziu o ciclo do autoritarismo. O resultado final (a corrupção desbragada) produziu o descrédito do Estado como instrumento de engenharia social.
O debate agora se faz em torno das forças sociais que suportam e/ou controlam o Estado. A complexidade do sistema econômico, suas múltiplas formas de vinculação internacional e a maior espessura do tecido social já não permitem pensar em projetos de engenharia social. O simples voluntarismo, se exacerbado, não produzirá mais do que tragédias sociais. O problema essencial está em encontrar formas de convivência entre forças sociais com visões diferentes da sociedade. Se se caminha para uma sociedade efetivamente aberta, os despossuídos encontrarão o caminho para produzir recursos de poder. A luta não se dará apenas no sistema produtivo (velho conceito de luta de classes), mas também no sistema social.
A homogeneização social não se pode dar no Brasil pelo processo clássico da pressão dentro do mercado organizado de trabalho. Como a hipótese de engenharia social é historicamente inviável (e indesejável, em razão do grau de complexidade já alcançado pelo sistema econômico), o caminho a seguir é o da ativação das forças sociais. Se esse processo não é suficientemente rápido, as tensões poderão crescer, aumentando o risco de acidente político e regressão ao autoritarismo.
E não se pode desconhecer que o país está se transformando de uma maneira profunda, na sua própria matriz social e cultural. A população europeia que se instalou no Brasil a partir do último quartel do século passado somente agora assume plenamente a cidadania. Esse fenômeno não é tão visível nas grandes cidades, mas nas pequenas de toda a região Sul, a começar de São Paulo, ele se impõe a qualquer observador. Esse enorme segmento do país, de grande peso econômico, ainda não emergiu plenamente para a vida política. O autoritarismo retardou o processo, mas por isso mesmo o choque terá de ser maior com o advento dessas novas forças. É um Brasil mais moderno, e ao mesmo tempo mais conservador. O outro ponto a ter em conta é a ascensão da cultura popular, ou melhor, a invasão da cultura popular. A fisionomia do país vai seguramente mudar. Que projeções terá no plano político?
VISTA SOBERBA, 26/5/1985
Aproveitei estes três meses para escrever o livro de memórias do período cepalino.[57] Era algo que estava atravessado em minha garganta. Saiu de um jato, se bem que tive de reler uma porção de coisas.
Nos últimos quinze dias ocorreu essa peripécia do Ministério da Cultura. Saiu José Aparecido[58] e se percebeu que o ministério não existia. Convidaram a Fernanda Montenegro, que é uma pessoa de méritos excepcionais, fora da carreira. Ela não aceitou e indicou meu nome. Formou-se uma bola de neve: surgiram apoios de todos os lados no mundo intelectual. O argumento da Fernanda era que o ministério devia ser criado e para isso necessitava de alguém capaz de falar com os que controlam o dinheiro. Mas é evidente que o Sarney não deseja para o campo da cultura uma pessoa que ocupa efetivamente o espaço, sendo ele mesmo um homme de lettres. Senti isso e tratei de fazer ver a ele que não estava interessado. A coisa, parece, esfumou-se.[59]
RIO, 27/5/1985
Certas convergências não passam sem chamar a atenção. Sinto que uma certa descontinuidade ou mudança de fase ocorreu em minha vida. O ter escrito esse livro de memórias, o ter encontrado tempo e haver sentido a serenidade necessária não são frutos do puro acaso. E ao escrevê-lo senti o quão densa havia sido a minha vida naquele período de doze anos que vai dos meus 26 aos 38 anos. Foi tão intensa a vida que terminou com uma ruptura dentro de mim, que não refiro no livro. A ruptura dá-se entre os 35 e os 37 anos, numa progressão, para em seguida ceder. Mas eu já não seria a mesma pessoa. Sabia que aquela rachadura havia sido calafetada, mas poderia abrir-se se eu viesse a ser submetido a grande pressão. A experiência posterior veio demonstrar que minha resistência era bastante grande. Mas dentro do meu espírito estava aquela luz que sinalizava a pressão que estava sofrendo, como alertando-me.
Escrevendo sobre aquele período dei-me conta com mais clareza da importância do que havia feito. O que veio depois foi desdobramento.
Veio-me subitamente a ideia de que minha vida comportava um projeto e a realização deste. Por outro lado, a luta de dois decênios para restituir o país ao seu caminho certo também se concluiu. Foi uma luta difícil: muitos anos na defensiva, tratando de sobreviver, mas sempre cobrando um preço; o simples fato de ocupar posições de prestígio no exterior já era um preço pago por eles; mostrando o que era o “desenvolvimento” imposto ao país pela ditadura. Depois, na ofensiva: cinco livros de denúncia,[60] campanha nos jornais e ação através do PMDB. Agora a tarefa está cumprida. Visitei Brasília pela primeira vez após a plena instalação da Nova República. Os ministros agora são colegas. Em todas as partes me recebem aos abraços. Já fui agraciado duas vezes: com o Prêmio Nacional da Ciência e Tecnologia, pela primeira vez dado a um cientista social, e como grande oficial da Ordem de Rio Branco.
O papel que me cabia em tudo isso esgotou-se. Não me interessa exercer o poder pelo poder e sei que no setor econômico-financeiro nada de realmente importante pode ser feito. O país não está preparado para enfrentar os problemas maiores. Enfrentá-los sem os meios adequados é provocar desestabilização, dificultar a consolidação das vitórias no plano da redemocratização. Preparar o país a longo prazo para enfrentar os grandes problemas não é tarefa para mim e sim para a nova geração. O que me cabe fazer é continuar pensando os problemas globais.
Essa tranquilidade é bem-vinda. A angústia profunda, que me acompanhava e fazia de mim um transeunte, sempre preparado para partir, tentar algo de novo, vai finalmente cedendo. O fim de tudo, que é a morte, já não assusta. Fortifica-se o sentimento de que a vida foi bem aproveitada. O que eu trazia dentro de mim não se dissipou. O meu eu incorporou-se ao mundo real na medida em que fiz coisas que são permanentes. Não que o meu nome deva sobreviver com elas, mas o mundo do futuro será algo diferente porque elas ocorreram no passado.
V.S., 23/6/1985
Muitas coisas ocorreram no mês que separa esta nota da anterior: estive nos Estados Unidos para apresentar o meu trabalho para a série Pioneiros do Desenvolvimento que organiza o Banco Mundial. Houve um bom debate e surpreendeu-me que um pensamento tão fora do mainstream fosse relativamente bem-aceito. É claro que havia muita gente do Terceiro Mundo, com sensibilidade para a coisa. Tive vários contatos com pessoas da colônia brasileira, jornalistas e funcionários de agências internacionais. Uma pessoa ligada ao staff do Banco Mundial que havia presenciado a entrevista de Tancredo com o presidente do banco (Clausen) contou-me que o nosso homem parecia ter apenas uma preocupação: tranquilizar o interlocutor. A primeira vez que Clausen citou a expressão “dívida externa”, ao ouvir a tradução ele se precipitou em dizer: “Diga a ele que nós pagaremos tudo o que devemos.”
Entre 6 e 8 participei de uma reunião do Centro de Desenvolvimento da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] nos arredores de Paris. A temática era a mesma: o desafio dos ajustamentos mundiais. Como é corrente, nada de novo foi dito, mas os contatos pessoais foram frutíferos. Claude Cheysson[61] procurou-me e parece entusiasmado com o Brasil. Considera que há muito campo para ação conjunta em face do desafio colocado pelas rodadas de negociações em torno dos problemas comerciais, financeiros e monetários. A conversa com alemães e ingleses é decepcionante. Estão convencidos de que a visão Reagan-Thatcher nos dá uma nova Weltanschauung que moldará o mundo por muito tempo. O “social” e o “nacional” tendem a ser relegados a segundo plano em benefício de uma mítica “razão de mercado”. O único ponto de apoio é a França, e temos pela frente a perspectiva da derrota dos socialistas no ano próximo.
De regresso ao Brasil fui a Brasília para passar a “sabatina” no Senado.[62] O debate não foi nada idiota: havia gente informada e que pôs o dedo no sensível; a maioria tinha, contudo, uma visão tópica, derivada de interesses particulares ou regionais.
Em Brasília já se vive um clima eleitoral: eleição para prefeitos das capitais este ano e renovação do Congresso (Assembleia Constituinte) no próximo. Esses dados pesam brutalmente na conduta dos deputados. A situação econômico-financeira do país continua deslizando por rumo incerto. Acumularam-se fatores recessivos, o que fará mais difícil lutar contra a inflação. Como não há coragem para enfrentar o problema externo, os juros internos continuam pelas alturas. Sarney parece fazer um grande esforço para tomar pé. A menos que ele se convença de que é necessária uma outra política e tenha tutano para enfrentar as pessoas externas e internas, teremos pela frente dias difíceis: uma recessão maior e eleições formam material explosivo.
Minha presença em primeiro plano não ajuda a melhorar a situação. É preciso que nomes menos comprometidos com soluções supostamente radicais, menos ligados à ideia de “moratória”, apareçam dizendo o que é óbvio. Foi bom que eu não estivesse na reunião com Sarney no dia 6.
BRUXELAS, 22/10/1985
Passei do 18 ao 20 em Châteauvallon, Toulon, num seminário em torno da obra de Fernand Braudel. Pude conversar muito com ele e sua senhora, que se agarraram a mim para falar do Brasil. O tempo que passou no Brasil, entre 1936 e 1938, marcou-o de forma profunda. Como foi um período imediatamente anterior à guerra – como grande admirador da cultura alemã e tendo visitado longamente a Alemanha, essa guerra o terá traumatizado mais que o comum –, esse período brasileiro ficou em seu espírito como um Paraíso Perdido. Por outro lado, quiçá tenha uma certa consciência de culpa por não haver deixado um livro sobre o Brasil, que parece ter estado muito tempo nos seus planos escrever. Ele tem plena consciência de ser um intelectual do mais alto nível e por isso é modesto no melhor sentido da palavra. Fiquei surpreendido quando disse que não havia jamais encontrado Jean–Paul Sartre. Quando lhe lembrei que Sartre havia passado quarenta anos sem encontrar [Raymond] Aron, seu copain[63] de Normale Sup.,[64] ele observou: “No meu caso se explica mais facilmente, porque eu fui muito menos mundano que Aron.” E acrescentou: “Jean-Paul quase sempre estava errado no que fazia, mas eu o admirava porque ele tomava partido claramente diante de tudo que era importante. Aron foi um faux grand homme.”[65]
Falamos da paranoia dos grandes homens. Eu citei o dito de [Victor] Hugo: Ego Hugo, e ele riu. Também riu com as histórias de Gilberto Freyre, que admira muito como escritor. O narcisismo de Goethe o horroriza. Observei que no nosso mundo já ninguém pode se autoproclamar gênio, como Byron ou Goethe. Ele observou de bom humor: “Nós somos a última geração de monstros sagrados.”
[1] Os economistas do PMDB mais citados nos diários são João Manuel Cardoso de Mello, Luiz Gonzaga Belluzzo, Luciano Coutinho, Maria da Conceição Tavares, Dércio Munhoz, José Serra e Carlos Lessa. Outros nomes que formavam o núcleo mais próximo a Ulysses Guimarães, com quem C. F. mais conviveu – e cujo nome grafava com “i” –, são Fernando Henrique Cardoso, Renato Archer, José Gregori, Waldir Pires, Severo Gomes, Pedro Simon, Euclides Scalco, Franco Montoro, Jarbas Vasconcelos, Miguel Arraes, Roberto Gusmão, Fernando Gasparian e Edgard Amorim. [Todas as notas são da edição, exceto as assinaladas como N. da R. (Nota da Redação), feitas pela piauí.]
[2] O PDS (Partido Democrático Social) foi criado em 1980, depois do fim do bipartidarismo implantado pela ditadura militar, e abrigou os políticos da Arena (Aliança Renovadora Nacional). Em 1984, em oposição à candidatura de Paulo Maluf (PDS-SP) à Presidência da República, emergiu uma dissidência no partido, chamada Frente Liberal. Em 11 de junho daquele ano, o próprio presidente do PDS, José Sarney, renunciou ao cargo para aliar-se à Frente Liberal. A união do PMDB e da Frente Liberal deu origem à Aliança Democrática, que impulsionou a abertura. [N. da R.]
[3] José Gregori (1930-) foi um dos fundadores do PMDB e ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso. [N. da R.]
[4] André Franco Montoro (1916-99) foi governador de São Paulo, pelo PMDB, entre 1983 e 1987. [N. da R.]
[5] Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016) foi arcebispo de São Paulo de 1970 a 1998. [N. da R.]
[6] Ernesto Geisel, general, (1907-96) foi presidente da República entre 1974 e 1979. [N. da R.]
[7] Antônio Aureliano Chaves de Mendonça (1929-2003) foi governador de Minas entre 1975 e 1978 e vice-presidente da República entre 1979 e 1985. [N. da R.]
[8] João Baptista Figueiredo, general, (1918-99) foi presidente da República entre 1979 e 1985. [N. da R.]
[9] Renato Archer (1922-96), político e empresário, foi ministro da Ciência e Tecnologia e depois ministro da Previdência Social do governo Sarney. [N. da R.]
[10] Olavo Setubal (1923-2008), banqueiro e político, era um dos caciques da Frente Liberal e fundara com Tancredo Neves o Partido Popular [criado em 1980 e incorporado ao PMDB em 1981].
[11] A Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste foi criada em 1959, no governo Juscelino Kubitschek, com o objetivo de promover o desenvolvimento na região. Celso Furtado foi responsável pela estratégia da instituição desde sua fundação até 1964. [N. da R.]
[12] Roberto Gusmão (1923-) foi presidente do Banco do Desenvolvimento do Estado de São Paulo no governo Montoro e ministro da Indústria e Comércio no governo Sarney. [N. da R.]
[13] Em francês, sem saída. [N. da R.]
[14] Waldir Pires (1926-2018), advogado e político, foi ministro da Previdência Social no governo Sarney e ministro da Defesa no governo Lula. [N. da R.]
[15] Severo Gomes (1924-92) foi ministro da Agricultura no governo Castelo Branco, da Indústria e Comércio no governo Geisel e senador pelo PMDB de 1983 a 1991. [N. da R.]
[16] Em espanhol, inovador, original. [N. da R.]
[17] Marcos Freire (1931-87), advogado e político pernambucano, foi ministro da Reforma Agrária do governo Sarney. [N. da R.]
[18] Miguel Arraes (1916-2005) foi governador de Pernambuco por três vezes. Em 1984, era deputado federal pelo PMDB. Jarbas Vasconcelos (1942-), advogado e político, também era deputado federal pelo PMDB em 1984; foi governador de Pernambuco de 1999 a 2006. [N. da R.]
[19] Pelópidas da Silveira (1915-2008) foi prefeito de Recife de 1963 a 1964. [N. da R.]
[20] José Edgard Amorim (1930-2013), advogado e professor mineiro, foi deputado federal pelo PMDB. [N. da R.]
[21] Esther de Figueiredo Ferraz (1915-2008) era ministra da Educação [do governo Figueiredo]. Antonio Delfim Netto (1928-) era ministro do Planejamento. João Leitão de Abreu (1913-92) era chefe da Casa Civil.
[22] Rosa Freire d’Aguiar (1948-), jornalista, escritora e tradutora, mulher de Celso Furtado, é a organizadora do livro Diários Intermitentes: 1937-2002. [N. da R.]
[23] Marco Maciel (1940-), advogado e político pernambucano, foi ministro da Educação e ministro-chefe da Casa Civil no governo Sarney e vice-presidente da República no governo FHC. [N. da R.]
[24] Karlos Rischbieter (1927-2013) foi ministro da Fazenda no início do mandato do presidente Figueiredo.
[25] Mauro Santayana (1932-), jornalista, foi um dos articuladores da campanha presidencial de Tancredo Neves.
[26] Em agosto de 1984, o PMDB e o PDS organizaram convenções para escolher seus candidatos à eleição indireta à Presidência da República. Pelo PMDB, a chapa única foi a de Tancredo Neves-José Sarney. Pelo PDS, a chapa Paulo Maluf-Flávio Marcílio derrotou a chapa Mario Andreazza-Divaldo Suruagy.
[27] Pedro Simon (1930-), advogado e político, foi ministro da Agricultura no governo Sarney. [N. da R.]
[28] Euclides Scalco (1932-) foi deputado federal pelo PMDB do Paraná. [N. da R.]
[29] Orestes Quércia (1938-2010) foi vice-governador de São Paulo no governo Franco Montoro (1983-1986) e governador do estado de 1987 a 1991. [N. da R.]
[30] Fernando Gasparian (1930-2006), empresário e político, foi proprietário da editora Paz e Terra e deputado federal na Assembleia Constituinte de 1988. [N. da R.]
[31] Jorge Federico Sabato (1938-1995), filho do escritor Ernesto Sabato, era assessor do presidente Raúl Alfonsín e secretário de Estado das Relações Exteriores; Jorge Romero era subsecretário de Estado no Ministério das Relações Exteriores.
[32] Raúl Prebisch (1901-86), economista argentino, foi diretor do Banco Central de seu país e secretário executivo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), da ONU, na qual também atuou Celso Furtado. [N. da R.]
[33] Bernardo Grinspun (1925-96), da União Cívica Radical, foi ministro da Economia do governo Alfonsín de 1983 a 1985.
[34] Sebastián Alegrett (1942-2002), venezuelano, era secretário permanente do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (Sela).
[35] Dilson Funaro (1933-89), empresário, foi ministro da Fazenda do governo Sarney e liderou a implantação do fracassado Plano Cruzado, em 1986. [N. da R.]
[36] Affonso Camargo Neto (1929-2011), paranaense, foi senador pelo PMDB e ministro dos Transportes no governo Sarney. [N. da R.]
[37] Henry Kissinger (1923-) foi secretário de Estado nos governos de Richard Nixon e de Gerald Ford. [N. da R.]
[38] Dércio Garcia Munhoz (1934-), economista, foi presidente do Conselho Federal de Economia e do Conselho Nacional da Previdência Social. [N. da R.]
[39] Trata-se da Comissão para o Plano de Ação do Governo (Copag), instalada em fins de 1984, com seis membros dos dois partidos que davam sustentação a Tancredo Neves (pelo PMDB, Celso Furtado, Luciano Coutinho e José Serra; pela Frente Liberal, o empresário Sérgio Quintella, Sérgio de Freitas, então vice-presidente do Banco Itaú, e Hélio Beltrão, ex-ministro da Previdência e da Desburocratização no governo Figueiredo), além do economista Sebastião Vital, representante de Tancredo Neves. A Copag apresentou propostas para os primeiros cem dias do governo Tancredo Neves.
[40] Dirceu Pessoa (1937-87), economista pernambucano, ex-funcionário da Sudene e diretor da Fundação Joaquim Nabuco. Ronald Queiroz (1932-2006), economista paraibano, ocupou vários cargos na administração pública.
[41] Em francês, a qualquer preço, sem tréguas. [N. da R.]
[42] Francisco Dornelles (1935-), sobrinho de Tancredo Neves, foi secretário da Receita Federal de 1979 a 1985 e ministro da Fazenda no governo Sarney. [N. da R.]
[43] Mario Henrique Simonsen (1935-97) foi ministro da Fazenda no governo Geisel e do Planejamento no governo Figueiredo. [N. da R.]
[44] Luiz Carlos Bresser Pereira (1934-), economista, foi ministro da Fazenda no governo Sarney. No governo de FHC, foi ministro da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia. [N. da R.]
[45] Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves foi eleito presidente do Brasil por voto indireto. [N. da R.]
[46] Ronald Reagan (1911-2004) foi presidente dos Estados Unidos entre 1981 e 1989. [N. da R.]
[47] O general Newton Cruz (1924-) foi chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informações.
[48] Avoir d’autres chats à fouetter: “ter mais com que se preocupar”.
[49] Shigeaki Ueki (1935-), presidente da Petrobras no governo Figueiredo, pleiteava uma embaixada na Europa.
[50] Marcio Moreira Alves (1936-2009), jornalista e deputado federal que em 1968 fez um discurso contra as comemorações da Semana da Pátria, episódio que culminou com a decretação do Ato Institucional nº 5 e sua cassação política.
[51] Paulo Brossard (1924-2015), jurista gaúcho, foi senador pelo PMDB, ministro da Justiça no governo Sarney e ministro do Supremo Tribunal Federal. [N. da R.]
[52] Tancredo Neves foi ministro da Justiça e Negócios Interiores do governo de Getúlio Vargas entre 1953 e 1954. [N. da R.]
[53] Em francês, tarefa. [N. da R.]
[54] Osvaldo Lima Filho (1921-94), pernambucano, foi ministro da Agricultura de João Goulart e era deputado pelo PMDB. Aluizio Campos (1914-2002), deputado paraibano pelo PMDB, tinha sido do Conselho Deliberativo nos primeiros anos da Sudene. Humberto Lucena (1928-98) era senador da Paraíba pelo PMDB.
[55] Em francês, passar em revista ou fazer um apanhado de um problema ou de uma situação. [N. da R.]
[56] Vistas Soberbas, Vista Soberba ou Soberbo (ou simplesmente V. S., como aparecerá no diário de 23 de junho de 1985), é o nome da localidade onde Celso Furtado tinha um apartamento, no Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro.
[57] A Fantasia Organizada, que faz parte da Obra Autobiográfica, publicada originalmente pela Paz e Terra e republicada pela Companhia das Letras. [N. da R.]
[58] José Aparecido de Oliveira (1929-2007), ministro da Cultura no governo Sarney. [N. da R.]
[59] Celso Furtado foi ministro da Cultura entre 1986 e 1988. [N. da R.]
[60] Ver, em especial, Análise do “Modelo” Brasileiro (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972); O Brasil Pós-“Milagre” (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981); A Nova Dependência: Dívida Externa e Monetarismo (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982); Não à Recessão e ao Desemprego (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983); Cultura e Desenvolvimento em Época de Crise (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984).
[61] Claude Cheysson (1920-2012), ministro das Relações Exteriores do governo Mitterrand até 1984, era comissário europeu, cargo equivalente ao de ministro, na Comissão Europeia, onde se ocupava do Mediterrâneo e das relações Norte-Sul.
[62] Os indicados para embaixadas e chefias de missões diplomáticas têm seus nomes aprovados pelo plenário do Senado, em voto secreto, após uma sabatina. C. F. seguiu, pouco depois, para Bruxelas, onde assumiu a chefia de missão diplomática do Brasil junto à Comunidade Econômica Europeia.
[63] Em francês, colega de classe, companheiro. [N. da R.]
[64] École Normale Supérieure, uma das chamadas grandes écoles da França.
[65] Em francês, homem cujo valor é duvidoso (literalmente, “falso homem de valor”). [N. da R.]
Trecho do livro Diários Intermitentes: 1937-2002, que a Companhia das Letras lançará em setembro.