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Dentro do armário

    CRÉDITO: FAW CARVALHO_2023

ficção

Dentro do armário

Minha obsessão é pelas coisas que permanecem

Vanessa Passos | Edição 203, Agosto 2023

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Remexo nas relíquias da minha avó. Como fazia quando era criança. Com a diferença que ela não está mais aqui para brigar comigo e me mandar deixar em paz seus bibelôs na estante. Minha tia foi quem ficou com tudo como herança, por ter cuidado dela até a partida. Minha tia não se importa com nenhuma dessas velharias que estão intocadas na casa e que tanto me fascinam. Se pudesse, ela tacava fogo em tudo, talvez na própria casa. Mas ela vive da pequena aposentadoria e precisa de um teto para morar. Enquanto ignora o que está a sua volta, eu continuo tirando as teias de aranhas e o mofo encrustado em tudo. Eu me pergunto se quando as pelancas e rugas tomarem conta do meu corpo vou finalmente gostar de mim como gosto dessas antiguidades e de tudo que é velho. No fundo, minha obsessão é pelas coisas que permanecem.

A casa da minha avó fica no caminho para a universidade, então liguei para minha tia avisando que faria uma visita. Ela me deixou passar a tarde vasculhando o baú velho cheio dos vestidos da minha avó. Remexi também em uma caixa grande com outros objetos: os pentes de plástico, uns poucos álbuns com fotos em preto e branco, um colar e alguns dos brincos encardidos que minha tia não conseguiu vender para o ourives no Centro da cidade, um espelho antigo e sua moldura dourada com a imagem de uma gueixa, descascada nas pontas. Fechei os olhos e senti o cheiro da minha avó. Cheiro do sabonete Aseptol. Ouvi sua voz meio estridente: Não mexe nos meus bibelôs, menina, senão vai quebrar. Ela não aguentava perder mais nada. Teve doze filhos. Tinha perdido cinco.

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Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz

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