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Descendo a lenha
O arremesso de machadinhas num bar paulistano
Fabio Victor | Edição 160, Janeiro 2020
Quase sessenta funcionários da Samsung confraternizavam num bar de São Paulo. Embora dezembro já se aproximasse da metade, não se tratava de uma daquelas típicas festas de fim de ano. O bar escolhido tampouco era comum. Entre doses de caipirinha e mojito, goles de cerveja e punhados de petiscos – tudo por conta do empregador –, os colegas do Departamento de Logística atiravam machadinhas em direção a um alvo de madeira.
Estavam na Vila Olímpia, bairro da Zona Sul cujos restaurantes e botecos atraem muitos dos que trabalham na região das avenidas Faria Lima e Berrini, um dos centros financeiros da cidade. Construído num galpão que já abrigou uma oficina mecânica, o recém-inaugurado Hatchet House Brasil trouxe à maior metrópole do país o arremesso de machado – diversão que se dissemina pelos Estados Unidos e pelo Canadá desde a primeira década deste século.
“Todo trimestre nossa equipe se reúne para descontrair. É o que chamamos de group working party. Desta vez, tínhamos pensado em arco e flecha, mas descobri esse lugar e avaliei que podia ser legal”, contou o gerente de projetos da Samsung, Rafael Stroppa, que organizou o encontro. Por pouco, a ideia não gorou. Quando tomaram conhecimento da reunião, vários funcionários anunciaram que levariam para o bar algumas fotos do chefe, o sul-coreano Justin Bang, diretor do Departamento de Logística. A meta era afixar os retratos nos alvos. “Isso não vai terminar bem”, pensou Stroppa, que logo cogitou desistir da coisa. “Cheguei até a procurar uma casa de sinuca, mas a que achei me pareceu feia demais.” O gerente resolveu, então, abrir o jogo com Bang. “Para minha surpresa, ele adorou o lance das machadinhas e me deu sinal verde, mesmo depois de ouvir que sugeriram levar as fotos. O cara sabe que pega pesado com a equipe.”
O estabelecimento da Vila Olímpia tem oito pistas de arremesso. Cinco delas contam com dois alvos e três, com apenas um. Telas de arame separam uma pista da outra. Orientados por instrutores, os jogadores atiram as machadinhas (hatchet, em inglês) no alvo, posicionado a 3,66 metros de distância. Dependendo de onde acertam, ganham entre 1 e 6 pontos. O cabo da machadinha é de fibra de vidro revestida com borracha e a lâmina é de aço.
As pistas ficam ao lado do bar propriamente dito. Antes de arremessar, os jogadores precisam assinar um termo em que se declaram cientes de que a gerência pode retirá-los do local caso apresentem sinais de embriaguez ou qualquer outra limitação que os impeça de competir com segurança. Os participantes também são alertados de que a atividade oferece riscos de “arranhões, contusões e cortes”, “lesões nos olhos ou perda da visão”, “paralisia e morte”. A casa informa ainda que se isenta de qualquer responsabilidade por eventuais problemas. Menores de 18 anos não têm permissão para jogar.
Em um mês e meio de funcionamento, não houve nenhum acidente, de acordo com os proprietários. Numa ocasião, porém, um instrutor soube pelo garçom que um cliente já estava no sétimo mojito e o convenceu a parar de arremessar. Nos Estados Unidos, uma jovem do Colorado se livrou por pouco de uma tragédia, como mostra um vídeo que se espalhou pela internet: a moça conseguiu se esquivar quando o machado que atirou ricocheteou na base em que ficava o alvo e voltou rumo à cabeça dela.
Se o clube de tiro virou símbolo do zeitgeist bolsonarista, o bar com arremesso de machados tem potencial para ocupar seu lugarzinho no iracundo Brasil de hoje. À semelhança dos funcionários da Samsung, diversos clientes vêm perguntando se podem levar retratos de desafetos à casa paulistana. “Um queria trazer uma foto do Lula. Outro, do Bolsonaro”, relembrou Roberto Darienzo, sócio do bar com mais quatro parentes – dois filhos, um irmão e um sobrinho. Os cinco se reuniram para refletir sobre as solicitações da freguesia e decidiram não as atacar. “Imagina discutir política com um machado na mão…”, conjecturou Darienzo. Ele admitiu, no entanto, que, “apenas em imaginação”, botaria o retrato de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, num dos alvos.
Executivo aposentado de indústrias farmacêuticas, Darienzo vive com a família em Nova Jersey há quinze anos. Seus filhos praticam arremesso de machado e tiveram a ideia de abrir o negócio por lá, mas os outros sócios os convenceram de que valeria mais a pena apostar no Brasil. “Os Estados Unidos têm, no mínimo, umas duzentas casas dessas. Ali, seríamos somente a 201ª. Aqui, somos novidade”, explicou Darienzo, que vestia uma camiseta do bar com a inscrição Kiss my axe (Beije meu machado), um trocadilho com kiss my ass (beije meu rabo).
Na festa da Samsung, os jogadores se deleitavam em meio ao vaivém frenético de machados – todas as pistas estavam ocupadas pelos funcionários da empresa. “A galera gosta de competir, de gastar energia”, disse Juscelino Lopes, que trabalha como supervisor na multinacional sul-coreana. Além de pensar no chefe, a turma endereça os arremessos a alguma figura pública? “Não sei, não posso falar, mas note que o pessoal mira no vermelho…”, respondeu, apontando a cor no centro dos alvos. Sua colega, a gerente Talita (ela omitiu o sobrenome), jurava não ter imaginado o rosto de ninguém ao atirar a machadinha. “Só prestei atenção na minha força.” Para a funcionária, entretanto, a maioria dos presentes pensava no PT e nos partidos de esquerda: “Não garanto se são a favor do atual governo, mas contra os antigos certamente são.” Eleitor de Jair Bolsonaro, o analista Paulo Possebom usava uma camiseta com a frase Weakness is a choice (Fraqueza é uma escolha) e descrevia a sensação do arremesso como a de quem “quer matar alguém”. “Mas apenas para tirar o estresse. O povo aqui não pensa em política, não. É mais ligado no trabalho.”
Só havia um funcionário de terno naquela noite de sexta-feira. Numa das vezes em que seu machado acertou na mosca, uma pequena claque bateu palmas. Era Justin Bang, o chefão que queriam para alvo e que, ainda assim, resolveu ir à confraternização. O executivo globe-trotter – que morou em Moscou e Cingapura antes de se mudar para São Paulo, há um ano e meio – na verdade se chama Jong-hyuk Bang (Justin é o prenome ocidental que adotou). Questionado sobre a saia justa com os subordinados, fez troça enquanto pitava um cigarro eletrônico: “Eu mesmo deveria ter trazido minha foto. Eles jogariam muito melhor.”
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