Erva generosa
Os impostos da maconha no Colorado
Claudia Antunes | Edição 91, Abril 2014
No dia 20 de fevereiro, quando o estado americano do Colorado começou a arrecadar os impostos do comércio relativos a janeiro, dezenas de lojistas não puderam assinar um cheque nominal ao governo. Foi preciso pagar em cash, mas ninguém pensou em sonegação. Em 11 de março, a conta fechou: foram recolhidos 2,01 milhões de dólares (cerca de 4,6 milhões de reais) em impostos sobre a venda de maconha para fins recreativos.
A soma superou a expectativa. A previsão era de que 1,4 milhão de dólares seria arrecadado no primeiro mês de vigência da Emenda Constitucional 64, que legalizou tanto a produção quanto a venda da erva no chamado “Estado Alto” (o apodo, que agora veio a calhar, é uma referência às Montanhas Rochosas que o atravessam). A experiência é inédita no mundo. Antes, o cultivo e o comércio da maconha só eram permitidos no Colorado – assim como em outros dezenove estados americanos – para uso médico. Países como Portugal e Holanda descriminalizaram o consumo e parcialmente a venda, mas não a produção.
Os empresários da marijuana foram obrigados a recolher em dinheiro vivo porque não podem trabalhar com os bancos. O sistema financeiro é submetido à legislação federal americana, que mantém na ilegalidade a droga receitada no século XIX para as cólicas da rainha Vitória.
Bem que os comerciantes tentam driblar o problema. Elan Nelson, uma jovem de louros cabelos cacheados que é consultora da Medicine Man, o maior estabelecimento do ramo no Colorado, não quis falar da operação financeira da empresa. Contou, entretanto, que alguns lojistas conseguiram manter suas contas bancárias, omitindo que trabalham com maconha. Outros terceirizaram a contabilidade. “Na maioria dos casos, porém, o banco não abre ou fecha a conta se souber a origem do dinheiro.”
No final de março, o site da Medicine Man anunciava vinte tipos de maconha, além de pílulas, óleos e refrigerantes. A empresa tem 2 quilômetros de estufas e planeja dobrar a produção. “Quando só vendíamos para uso medicinal, tínhamos 100 clientes num dia excepcional. Agora são 300 num dia normal”, calculou Elan. Aprovada por referendo em 2012, a Emenda 64 estabelece que o consumidor deve ter mais de 21 anos e pode possuir e portar – e, portanto, comprar – no máximo 1 onça, ou pouco mais de 28 gramas, o bastante para 28 baseados grandes, do tamanho de um cigarro de tabaco. O comprador de fora do estado pode adquirir 7 gramas. Não cabe ao comércio fiscalizar quanto o usuário possui: se quiser ir a outra loja e comprar mais 1 onça, a responsabilidade é dele.
Como todo empresário que se preza, Elan se queixou do peso dos impostos. Hoje, disse, eles respondem por 36% do preço da Cannabis para fins recreativos (contra 7,6% no produto vendido com receita médica para dores, enjoos, insônia e outros males). O preço final – que varia de 6 a 9 dólares o grama – ainda é cerca do dobro do praticado no mercado negro. “Por enquanto a gente pode competir em segurança, comprovação da origem e variedade do produto.”
Parte do encarecimento da mercadoria decorre da oferta limitada, ponderou Elan. Quando a venda para fins recreativos começou, no dia 1º de janeiro, apenas as empresas que já produziam para uso medicinal puderam operar. Na véspera, elas precisaram alocar uma fração de seu estoque para a nova finalidade. “Se o sujeito calculou errado, em pouco tempo não tinha mais nada. Então o preço disparou de uma hora para a outra.”
No início do ano, 25 lojas ofereciam a erva no Colorado. O número subiu para 60 no final de janeiro, chegou a 100 em março e passará de 150 em abril. O ritmo deve aumentar a partir de outubro, quando cultivo e varejo serão licenciados separadamente – atualmente, só a empresa que produz pode vender ao consumidor. “A indústria da marijuana recreativa vai crescer e se tornar mais flexível”, previu Art Way, gerente no Colorado da ONG pró-legalização Drug Policy Alliance. Os cofres estaduais podem esperar mais.
A possibilidade de arrecadar dinheiro com um negócio antes ilegal foi um dos apelos da Emenda 64. Ela estabeleceu um imposto de 15% sobre a transferência da erva do produtor para o varejista, mesmo quando se trata da mesma empresa. A ele são acrescentados os 2,9% cobrados no estado de toda venda ao consumidor, e mais um imposto sobre supérfluos de 10%. Além disso, cada cidade cobra sua própria taxa da maconha.
“Precisamos vender mais erva!”, comemorou Cal Hamler, secretário de Finanças de Pueblo County, 160 mil habitantes, depois de entesourar 100 mil dólares pagos pelos dois estabelecimentos de maconha na cidade em um mês – ele esperava 400 mil no ano inteiro. Em todo o estado, estima-se que o valor em impostos obtido com a marijuana recreativa logo supere o recolhido com bebidas alcoólicas – 3,3 milhões de dólares por mês em média.
O destino da verba extra está em discussão. A Emenda 64 determinou que os primeiros 40 milhões de dólares recolhidos anualmente em impostos sejam destinados a um fundo para a construção de escolas. O governador John Hickenlooper, do Partido Democrata, propôs usar parte do restante no tratamento de viciados e em campanhas de prevenção ao uso de drogas e de advertência aos motoristas: se der um tapa, não dirija. A polícia quer mais dinheiro para reprimir o tráfico.
O professor da Universidade da Califórnia Mark Kleiman apoia a legalização, com base na evidência de que a proibição causa violência, corrupção e superlotação das prisões. Kleiman, no entanto, tem sido um estraga-prazeres dos ativistas excessivamente entusiasmados com a nova tendência (além do estado de Washington, onde a maconha legal estará à venda em junho, Oregon, Arkansas e Alasca preparam referendos sobre o tema). O resultado ideal da experiência, segundo ele, é não haver uma disparada do número de usuários pesados ou menores de idade.
O especialista defende os impostos altos e a regulação estrita da atividade, mas teme que essas políticas sejam combatidas pela indústria da maconha quando ela estiver a pleno vapor. Há ainda o receio de que o negócio venha a ser monopolizado por grandes corporações, como as do cigarro. “Até que o governo federal mude suas leis, não vemos esse risco. Mas, para começar nessa indústria, já é preciso dispor de um capital de quase 3 milhões de dólares”, disse Art Way.
É sobre dilemas desse tipo que o Uruguai se debruça. O país anunciará neste mês a regulamentação da produção e do comércio do produto, legalizados no ano passado. O governo pretende tabelar a marijuana a 1 dólar por grama, o preço do mercado negro. Haverá um cadastro de usuários e um limite de compra mensal. Indivíduos e clubes de até 45 sócios poderão plantar quantidades limitadas para consumo próprio, e já há interessados na produção comercial. O cultivo poderá ser feito em terrenos do Exército, que assim protegerá a erva legal dos traficantes, seus concorrentes. Dificilmente haverá mercadoria disponível antes de dezembro ou janeiro.
Enquanto isso, o Colorado promete baixar seus preços. Nos próximos meses, o calor no Hemisfério Norte impulsionará o crescimento das extremidades floridas da Cannabis – a maconha propriamente dita. “No verão, a oferta já estará equilibrada”, previu Elan Nelson, que não riu frouxo nenhuma vez.
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