Uma rara imagem do “índio do buraco”: “Tenho o máximo respeito por ele”, diz indigenista CRÉDITO: ACERVO FUNAI
Isolado até o fim
O adeus ao último representante de um povo
Rubens Valente | Edição 193, Outubro 2022
No final de agosto, o indigenista catarinense Altair Algayer, o Alemão, pensou que o “índio do buraco” tivesse se mudado de novo. A cada dois anos, em média, o enigmático morador da Amazônia abandonava seu tapiri – uma choupana de palha e madeira – para erguer outro mais adiante. Desde 1996, Algayer e alguns colegas da Fundação Nacional do Índio (Funai) monitoravam o homem que vivia completamente isolado na mata, perto do Rio Tanaru, em Rondônia. Nunca se soube o nome dele, nem a língua, nem a etnia, nem a idade. Estima-se que hoje teria cerca de 60 anos. O indígena estava sempre nu e se alimentava dos peixes que pescava, do milho e do mamão que plantava, das queixadas que caçava e do mel que extraía das colmeias. Por duas vezes, atirou flechas contra as equipes da Funai que tentaram uma aproximação. Queria permanecer sozinho – e assim foi.
Em 2021, com o intuito de verificar se o homem passava bem de saúde e não sofria ameaças de madeireiros, Algayer instalou uma câmera na mata. De tempos em tempos, examinava as imagens registradas no cartão de memória. Quando fez a última checagem, notou que o indígena surgia em cena apenas uma vez. Caminhava usando um galho como apoio. Desconfiado, Algayer enveredou pela trilha que o “índio do buraco” gostava de percorrer para chegar a um igarapé. Não encontrou nenhum sinal recente dele. Resolveu, então, ir até o tapiri em que o indígena morava desde 2020. Aproximou-se devagar. A porta estava aberta. Mesmo de fora, Algayer percebeu que não havia fogo dentro da palhoça – mais uma pista de que algo ruim acontecera. O “índio do buraco” nunca deixava a fogueira apagar.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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