Depois de mais de duas décadas de negociações climáticas sem um compromisso internacional, o acordo de Paris é pelo menos um começo ILUSTRAÇÃO: LUC SHUITEN_2015
Meio cheio, meio vazio
O que falta ao acordo climático de Paris
Bernardo Esteves | Edição 112, Janeiro 2016
A diplomata costa-riquenha Christiana Figueres não parecia se incomodar com a fila de jovens que esperavam a vez para tirar uma foto com ela numa boate parisiense na margem direita do Sena. Ao contrário, parecia aliviada, como se naquela noite de sábado, 12 de dezembro, tivesse enfim soltado o ar após duas semanas de tensão. Não era para menos: como secretária-executiva da Convenção do Clima da ONU, ela esteve na linha de frente da costura do Acordo de Paris, aprovado horas antes por representantes de 195 países reunidos nos arredores da capital francesa.
No Parque de Exposições de Le Bourget, onde foi realizada a conferência do clima – a COP21 –, a aprovação do documento foi celebrada efusivamente no início da noite. Ambientalistas choravam; desconhecidos trocavam sorrisos; repórteres abraçavam suas fontes.
“A história está chegando, a história está aqui”, havia dito mais cedo o presidente francês François Hollande, ao exortar os delegados a aprovar “o primeiro acordo universal sobre o clima”. Pela primeira vez, todos os países do mundo aceitavam assumir compromissos para combater o aquecimento global provocado pelo acúmulo de gases do efeito estufa na atmosfera.
O texto aprovado em Paris surpreendeu por resolver impasses que atravancavam havia anos as negociações climáticas. A começar por definir um objetivo ousado para conter o aquecimento global: os países se comprometeram a manter a temperatura média do planeta “bem abaixo de 2ºC acima dos níveis pré-industriais” e a se esforçar para limitar o aumento a 1,5ºC, uma reivindicação antiga dos países-ilha e de outras nações vulneráveis à mudança do clima. (O aumento de temperatura registrado desde o início da Revolução Industrial até aqui está próximo de 1ºC.)
Outro nó desfeito pelo acordo diz respeito à ajuda financeira das nações desenvolvidas, que têm maior responsabilidade histórica pelo aquecimento global, aos países em desenvolvimento, mais prejudicados pela mudança do clima. Os países ricos se comprometeram a contribuir com 100 bilhões de dólares por ano entre 2020 e 2025, e a aumentar a soma dali em diante.
“O acordo traz todos os pontos essenciais”, resumiu a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que liderou a delegação do Brasil em Paris.
O chanceler francês Laurent Fabius, presidente da COP21, teve papel crucial para aparar arestas históricas entre as nações, conduzindo a elaboração das sucessivas versões do acordo. Uma semana antes do fim da conferência, o texto tinha 940 colchetes, usados para sinalizar pontos de discórdia; nos dias seguintes, foram divulgadas novas versões, com 367 e depois com 50 colchetes, até que se chegasse à formulação final.
O desgaste com as negociações climáticas multilaterais anteriores também contribuiu. A COP de Paris foi a 21ª conferência dos signatários da Convenção do Clima, estabelecida em 1992. O único tratado internacional assinado antes do Acordo de Paris, o Protocolo de Kyoto, de 1997, estabelecia obrigações apenas para os países desenvolvidos. Como não foi ratificado pelos Estados Unidos – e acabou sendo abandonado mais tarde por Canadá, Rússia e Japão –, ele surtiu pouco efeito sobre o aquecimento global. Uma tentativa de acordo mais abrangente, feita em Copenhague em 2009, também fracassou.
A lentidão das negociações climáticas ajuda a entender o entusiasmo de alguns com o Acordo de Paris. “Estávamos há vinte anos sem perspectiva nenhuma, dando murro em ponta de faca”, disse o engenheiro florestal Tasso Azevedo, veterano de COPs. “O acordo é um passo enorme.”
Como os combustíveis fósseis – petróleo, gás natural e carvão – são a principal fonte de gases do efeito estufa, o Acordo de Paris só será cumprido se a humanidade mudar radicalmente a forma como obtém sua energia. “O texto aprovado nos leva para um mundo de baixas emissões, em que as energias renováveis prevalecerão”, disse o embaixador Luiz Antonio Figueiredo, um dos negociadores do Brasil na COP21. “Ele lança um sinal inequívoco de que o mundo está marchando rumo a uma economia de baixo carbono.”
A sinalização pode ser inequívoca, mas ainda é vaga. Não há no acordo uma meta numérica de redução das emissões de gases-estufa; a maior precisão a que se chega é o compromisso de que o pico das emissões mundiais – momento a partir do qual elas começariam a cair – seja atingido “o quanto antes”. Da mesma forma, a meta de descarbonização da economia, citada numa versão preliminar do acordo, ficou de fora do texto final, e não há qualquer menção aos combustíveis fósseis.
A formulação pouco incisiva foi alvo das críticas daqueles que enxergaram no Acordo de Paris um copo meio vazio. O ambientalista americano Bill McKibben, fundador da ONG 350.org, disse que o pacto teria sido eficaz se tivesse sido adotado em 1995, na primeira COP. O climatologista americano James Hansen, um dos primeiros a chamar a atenção do mundo para o aquecimento global, nos anos 80, declarou que o acordo tem muita promessa e pouca ação. “Enquanto os combustíveis fósseis forem os mais baratos, eles continuarão a ser queimados”, afirmou ao jornal The Guardian.
O documento aprovado na capital francesa, que só passará a valer a partir de 2020, terá força de lei para seus signatários. Mas trata-se de uma lei sui generis, sem sanções. Não há qualquer punição prevista para aqueles que não cumprirem suas metas – a censura da opinião pública mundial será o único instrumento de pressão.
Na base do acordo estão compromissos voluntários assumidos pelos países. As quase 190 metas anunciadas, porém, não são compatíveis com o objetivo declarado: projeções mostram que elas nos levariam a um mundo de 2,7ºC a 3,5ºC mais quente em relação aos níveis pré-industriais. “O acordo aponta a direção para a qual temos que caminhar, mas a velocidade ainda não é a necessária”, avaliou o ambientalista Carlos Rittl, do Observatório do Clima. O documento prevê que, a cada cinco anos, os países renovem seus compromissos, de forma a torná-los mais arrojados, mas será preciso muito mais ambição para ficar abaixo do limite almejado. “Sem o comprometimento dos países e a garantia de que vão revisitar suas metas, Paris vai resultar em nada”, afirmou o biólogo André Nahur, da WWF-Brasil.
Leia Mais