No elevador: “Ficou se olhando no espelho. Seu coração acelerava, mas ele não poderia parecer nervoso. Tentava se tranquilizar. Em poucos segundos, o mistério iria se revelar” CRÉDITO: ROBINHO SANTANA_2023
Na companhia de Rufus
Deve haver alguma beleza nessa vida fodida de merda
Jeferson Tenório | Edição 200, Maio 2023
Dizem que há no sofrimento algum tipo de aprendizado. A escola o fez sofrer, mas não o educou. Joaquim conheceu poucos professores dispostos a ajudá-lo. Hoje, no entanto, percebe que talvez eles não tivessem culpa pelo seu martírio, só estavam ali tentando salvar a própria dignidade diante da estrutura precária do ensino. Joaquim sempre foi um aluno triste e mediano. Não chamava a atenção dos professores. Só quando ia mal nas provas de matemática ou de ciências. Aí, no conselho de classe, ele era lembrado. Sentiam pena dele e o passavam de ano, na maioria das vezes. Entretanto, certa vez, na sexta série, Joaquim foi reprovado na disciplina de língua portuguesa. A professora Enilda alegou três motivos: que ele não sabia interpretar textos, que não sabia escrever redação e que não entendia a letra dele. Joaquim admitia que a sua caligrafia sempre foi difícil para os outros, suas garatujas eram entendidas, muitas vezes, apenas por ele. O que poderia servir como uma espécie de defesa para que sua escrita estivesse a salvo dos olhos de possíveis críticos. Escrever, para Joaquim, era uma atitude íntima e, portanto, a mantinha em segredo exercendo uma letra ruim. Quanto à interpretação, talvez a professora também estivesse certa. Joaquim nunca sabia o que responder diante de um texto literário, por exemplo. Mesmo as perguntas mais básicas, como o tipo de narrador ou o significado de determinada frase. Os poemas eram os piores para entender. Interpretar exigia certas informações do mundo que Joaquim ainda não tinha, ou não estava na idade de prestar atenção. Não se interpreta texto sem um mínimo de experiência de vida. Mesmo que ele já tivesse sofrido bastante até ali. Mas sofrer não significa acúmulo de sabedoria ou de inteligência. Ninguém escreve ou interpreta bem porque sofre, ele pensaria mais tarde. A única coisa que Joaquim discordava era a de que não sabia escrever redação, pois ele sabia. Cumpria todas as ordens e orientações da professora. Executava com esmero e afinco as tarefas, porque, para Joaquim, inventar histórias era o seu modo de resistir à escola. Porém, sua letra ruim, aliada ao cansaço da professora e à imagem preestabelecida de aluno negro mediano colada nele, contribuíram para que fosse reprovado. Mesmo assim, Joaquim não guardava rancores do ensino. Foi apenas um estágio traumático que teve de passar na vida e do qual ninguém escapa.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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