Na infância, os pais de Emerson Spartz o obrigavam a ler biografias curtas de gente bem-sucedida. Aos 28 anos, ele fatura milhões criando estratégias para viralizar posts no Facebook ILUSTRAÇÃO: ANNIE EMOND
O cara dos virais
Como um jovem empreendedor construiu um império reembalando conteúdos da internet
Andrew Marantz | Edição 104, Maio 2015
Numa tarde de junho, Emerson Spartz, um empreendedor de mídias sociais, saiu de seu escritório em Chicago e percorreu vários quarteirões até o Museu de Arte Contemporânea, onde o aguardavam no evento Millennial Impact Conference. Ele e outros participantes haviam sido convidados a falar sobre o uso que os jovens fazem da tecnologia para “a construção de movimentos capazes de provocar mudanças”. Essa não é a especialidade de Spartz. “No fundo, tenho um único discurso”, ele me disse. “É sobre viralizar coisas, como fazer isso. Tenho certas preferências pessoais a respeito da aplicação dos princípios, mas na prática eles podem ser empregados para quase tudo.”
Spartz tem 28 anos e já passou mais da metade da vida criando websites de sucesso. É figura invejada na pequena subcultura das startups de Chicago. A caminho do evento, topou com Jimmy Odom, um empresário de 33 anos com tranças rastafári. Odom me descreveu Spartz como um sujeito “inspirador” e “fantástico”.
“Por que você não aceita meu pedido de amizade?”, Odom perguntou a ele. Spartz se desculpou com um sorriso largo e respondeu: “O Facebook impõe limite ao número de amigos” – 5 mil – “e eu já bati no teto.”
Em 1999, aos 12 anos, Spartz criou o MuggleNet, o mais popular site de fãs de Harry Potter do mundo. Ele apareceu na CNN e na Fox News, e de quebra ainda foi convidado pela própria J. K. Rowling para visitá-la em sua propriedade, na Escócia. Se, por um lado, o garoto perdeu o interesse pela autora – muito embora tenha comprado Morte Súbita, seu romance para adultos, que ainda não leu –, por outro, permaneceu com a ideia fixa de atrair a atenção do público jovem conectado à internet. “À medida que a paixão pelos livros me motivava cada vez menos, mais crescia minha obsessão pelo viés empreendedor da coisa, o lance de maximizar padrões e ver até onde eu podia chegar”, ele disse.
Desenvolver websites é um negócio barato, sobretudo quando o empreendedor mora com os pais. O MuggleNet fez centenas de milhares de dólares com publicidade, e seu criador canalizou os ganhos para investir em uma nova companhia: a Spartz, Inc. O primeiro empregado foi Dylan Spartz, seu irmão mais novo, incumbido de desenhar o site. Ainda durante a faculdade, na Universidade Notre Dame, Spartz começou a trabalhar com Gaby Montero, na época sua namorada, hoje sua mulher. Depois de formados, os dois começaram a criar websites rudimentares, às vezes à razão de um por mês – como, por exemplo, GivesMeHope (“‘Alimento para a alma’ – na versão século XXI, ao estilo Twitter”), Memestache (“As memes mais engraçadas”) e OMG Facts (“Fonte no 1 de fatos no mundo”). Muitos desses sites desapareceram; outros atraíram seguidores.
Quando a cultura da internet adquiriu fascinação por “erros” – falhas em telejornais ou de corretores automáticos de texto –, Spartz construiu um site em que o usuário podia postar erros engraçados cometidos no Facebook (Unfriendable), outro com gafes televisivas (As Failed On TV) e um terceiro contendo mensagens confusas de texto (SmartphOWNED). Quando os dados indicaram que os visitantes eram mais atraídos por mensagens otimistas do que pela desgraça alheia, Spartz deixou de lado os sites de “erros” e se concentrou na promoção do GivesMeHope, um repositório de histórias anônimas e inspiradoras.
Em 2013, a Spartz, Inc. captou 8 milhões de dólares e faturou outros tantos milhões em publicidade. À medida que empresas de novas mídias como BuzzFeed e Upworthy vão se tornando marcas estabelecidas, a esperança de Spartz é disrupt the disrupters – algo como “perturbar os perturbadores”. Empregando quase quarenta pessoas em tempo integral, além de vários freelancers, a companhia opera trinta sites, sem uma estética unificada. As páginas iniciais, que podem ter um aspecto caótico, cheias de links antigos, nem sempre exibem o logo da Spartz; e o tráfego é gerado quase exclusivamente via Facebook, o que significa que o reconhecimento da marca não é tão importante. Boa parte das inovações introduzidas pela companhia não diz respeito ao conteúdo em si, mas ao modo como ele é promovido e embalado, como a disposição de grandes botões de compartilhamento no topo e no pé de cada postagem, a aplicação de testes para determinar quais títulos e fotos são mais sedutores, o desenvolvimento de estratégias para dar destaque às postagens no feed de notícias do Facebook. “Estou sempre ouvindo as pessoas falarem desse garoto como uma espécie de Steve Jobs”, me disse um dos principais investidores da Spartz. “Acho que o que ele está fazendo indica para onde caminha a mídia digital.”
No Museu de Arte Contemporânea, Spartz esperou nos bastidores enquanto Jake Brewer – gerente da Change.org, uma plataforma de abaixo-assinados – fazia um discurso sobre organização na rede. Brewer, que tem 34 anos, ressaltou que os ativistas online precisam recorrer a novas estratégias. “A internet criou um megafone gigante”, disse. “Isso é ótimo, mas com frequência produz tamanho ruído que ninguém consegue ouvir coisa alguma.”
Spartz subiu ao palco com um microfone sem fio. Pessoas que fazem sucesso muito cedo costumam manter um certo aspecto infantil ao atingir a idade adulta. Spartz é uma delas: os olhos esbugalhados, o queixo pontudo do Bambi no desenho animado, cabelos à la Beatles e a roupa – camiseta, jeans escuros e tênis pretos – parecem não ter mudado muito desde a pré-adolescência. Uma tela na frente da cortina de veludo anuncia, em letras joviais: “Oi! Meu nome é Emerson Spartz, e eu quero mudar o mundo.”
Ele começou contando como foi sua criação. “Todo santo dia meus pais me obrigavam a ler quatro biografias curtas de pessoas bem-sucedidas. Imaginem o que isso faz com seu cérebro se, aos 12 anos, é assim que você passa o tempo.” Fez um gesto ao redor da cabeça, indicando uma explosão. “Percebi que influência e impacto estavam intimamente ligados – que quanto mais influência você exercesse, mais impacto seria capaz de criar. O poder de viralizar me pareceu a coisa mais próxima de um superpoder humano que se poderia ter.”
Em seguida, deu dicas práticas. “Se você quer se concentrar nas mídias sociais, deve dedicar 80% do tempo ao Facebook.” Ou: “Tente transformar cada vírgula num ponto final.” E também: “Sempre que possível, use listas: elas simplesmente capturam os circuitos neuronais do cérebro.” Atrás de mim, duas mulheres na casa dos 50 anos faziam anotações num daqueles blocos pautados amarelos que os advogados usam. Em suma, ele concluiu: “Quanto mais legal você for, mais emoção vai gerar, e mais viralidade.”
Depois, desceu do palco e rumou a pé para seu escritório, a 1 quilômetro e meio dali. Não visitou a retrospectiva da artista alemã Isa Genzken, no andar de cima do museu. “As pessoas justificam suas preferências por entretenimento de um modo bem esnobe”, declarou mais tarde. “Para mim, tanto faz se sua fonte de inspiração são fotos de gatos ou a chamada ‘a grande arte’.”
Nós havíamos nos conhecido algumas semanas antes, em Manhattan, num jantar durante um congresso de empresas de tecnologia. Quando perguntei o que ele fazia, Spartz respondeu: “Sou obcecado por virais.” Devo ter feito uma cara de desentendido, porque ele logo emendou: “Vou te dar uma geral.” Ainda não tinham servido a entrada. Ele olhou a hora no celular e pigarreou. “Quando eu era criança, todo dia meus pais me faziam ler quatro biografias curtas de gente bem-sucedida”, começou.
Naquela ocasião, ainda que o único interlocutor fosse eu, ele falava num tom distante e calculado, fazendo uso de pausas estudadas e expressões faciais, como se eu fosse a lente de uma câmera de vídeo. Quando chegou à parte sobre o superpoder da viralidade – “percebi que, se a gente pudesse viralizar ideias, poderia também influenciar eleições, começar movimentos, revolucionar indústrias” –, perguntei se aquilo era verdade mesmo.
“Você pode me fazer uma pergunta mais concreta?”, ele retrucou.
Mencionei Kony 2012, um curta sobre o líder miliciano ugandense Joseph Kony. Ele já foi visto mais de 100 milhões de vezes no YouTube, mas não atingiu seu objetivo real: Kony continua solto, assim como sua milícia, o Exército de Resistência do Senhor.
“Para ser sincero, depois que o assunto esfriou não acompanhei muito de perto os acontecimentos”, disse. “Embora eu seja um dos leitores mais vorazes que conheço, não costumo ler o noticiário. As notícias são transmitidas de um jeito muito chato, e em geral você lê a mesma coisa repetida do mesmo jeito não sei quantas vezes.”
E prosseguiu: “Se estivesse à frente de uma empresa voltada para a notícia e quisesse informar as pessoas sobre Uganda, a primeira coisa que eu faria seria pesquisar e descobrir exatamente o que está acontecendo por lá. Depois escolheria algumas poucas imagens ou histórias realmente comoventes, capazes de gerar um bocado de emoção, e transformaria esse material num vídeo curto – de menos de três minutos –, com palavras simples e claras, dados estatísticos e frases breves e afirmativas. E no final transmitiria às pessoas uma mensagem positiva, alguma coisa na qual ter esperança.”
Spartz foi embora antes da sobremesa, que chamou de “investimento calórico de baixo retorno”. A caminho da saída, me mandou um lembrete por e-mail. O assunto era: “Oi, vamos ficar em contato”; o corpo da mensagem dizia apenas: “O cara dos virais.”
O escritório da Spartz, Inc. fica num loft com piso de cimento queimado e paredes pintadas de vermelho; tem uma rede e um aquário cheio de artêmias. Há jogos por toda parte – Xbox, Blokus, pingue-pongue –, que nunca vi ninguém jogando. Spartz e sua equipe ocupam um único e mesmo salão com áreas de trabalho sem divisórias. Numa viga de madeira perto de sua mesa, ele colou imagens de seus ídolos: Steve Jobs, Richard Branson, Jeff Bezos. O layout é completamente não hierárquico, mas a mesa vizinha à de Spartz pertence a Matt Thacker, o diretor financeiro. Thacker, que tem um MBA, descreve a si mesmo como o empregado mais antigo, com “um século a mais” de casa que qualquer outro. Tem 36 anos. Algumas mesas adiante trabalha Gaby Spartz, vice-presidente de conteúdo. (Dylan Spartz deixou a empresa recentemente para se juntar a uma startup de Los Angeles.) Outras mesas são ocupadas por analistas de dados, desenvolvedores de websites e cinco “editores associados”, que escrevem o material para os sites.
Os funcionários se comunicam por mensagem instantânea. Quase nunca falam em voz alta, não há telefones internos. Quando alguma coisa precisa ser discutida cara a cara, eles combinam uma reunião numa das várias salas que circundam o espaço central, identificadas por nomes das regiões de Westeros, o território fictício descrito em Game of Thrones. Como a decisão de dar continuidade à conversa ao vivo é tomada online, de repente um visitante pode notar vários funcionários se levantando ao mesmo tempo, desconectando os laptops e os levando em silêncio para Porto Real ou Casterly Rock.
No dia em que cheguei, a empresa trabalhava numa nova concepção para seu site principal. Pela manhã, ele se chamava Brainwreck.com (“O segundo site mais viciante da internet”); à tarde, recebia novo nome: Dose.com (“Sua dose diária de espanto”). O novo desenho, Spartz explicou, tinha um aspecto mais sofisticado, com linhas mais claras e cores moderadas. Se o nome Brainwreck (um cérebro em ruínas) invocava autodestruição, Dose, por sua vez, era ambíguo – podia sugerir uma dose de um opiáceo ou de vitaminas –, o que permitia maior flexibilidade. Poucos levariam a sério um site chamado Brainwreck Politics ou Brainwreck Travel; Dose, em teoria, era um nome que podia ser expandido em qualquer direção.
Por enquanto, o Dose é um site que congrega fotos e vídeos. Internamente, suas postagens são chamadas de “listas”, e ouvem-se comentários como: “A lista de animais albinos está bombando neste instante.” Essas postagens são coleções de imagens arranjadas de modo a contar uma história (“Este pai resolveu envergonhar seu filho da maneira mais elaborada possível. Kkk.”), propor uma discussão (“Anéis de cebola com bacon são perfeitos como aperitivo, com hambúrguer e na vida em geral”) ou oferecer variações sobre um mesmo tema (“Vinte e um cavalos tão estranhos que fazem um unicórnio parecer normal”). Um adolescente entediado, clicando sem pensar, vai acabar chegando ao Dose ou a um de seus genéricos. O objetivo de Spartz é tornar o site tão “grudento” – isto é, um site chamativo e de fácil navegação – que o garoto vai passar um bom tempo ali. O dinheiro é gerado pela publicidade (podem chegar a dez os anúncios numa única página), e Spartz espera desenvolver programas para aumentar o tráfego, passíveis de serem vendidos a outros sites e anunciantes.
A maioria de seus sites antigos continua online, funcionando em boa medida no piloto automático, uma vez que o conteúdo é produzido pelos próprios usuários. Hoje a empresa dedica grande parte do tempo à promoção do Dose, cuja página, em novembro, foi visualizada 33 milhões de vezes. (Ao todo, afirma Spartz, os sites da empresa são visualizados 60 milhões de vezes ao mês.) Quando estive no escritório, os engenheiros desenvolviam também dois aplicativos para smartphone: Blanks, versão para celular do Cards Against Humanity (um jogo de cartas politicamente incorreto), e Twirl (versão gay do Tinder), um aplicativo de encontros.
Spartz acredita que haja uma supervalorização de ideias inovadoras: “Se você quer construir um vírus bem-sucedido, pode começar a arquitetar seu DNA do zero; ou, o que é muito mais eficaz, pode pegar um vírus reconhecidamente potente, implementar uma pequena modificação e o apresentar a um novo conjunto de pessoas.” As primeiras postagens no Brainwreck “tendiam mais à originalidade”, diz ele – continham novas combinações de imagens e um texto que refletia pelo menos alguns minutos de pesquisa online –, mas, no Dose, “paramos de fazer isso, porque listas mais originais demandam tempo maior de feitura, e descobrimos que a probabilidade de as pessoas clicarem nelas não é maior”.
Cada vez que eu espiava a tela de Spartz, ele quase sempre estava estudando um dos vários programas de análise de dados que decompõem o tráfego num site em dúzias de parâmetros diferentes. Spartz pede relatórios ainda mais pormenorizados a seus analistas, numa tentativa de predizer minuciosamente os cliques de visitantes, pixel por pixel. “A análise de dados está tão entranhada em tudo que fazemos que nem me passa pela cabeça tratar dela separadamente”, afirma. E é extraordinariamente sincero sobre sua dependência das mídias sociais. “Nosso volume de tráfego atual só é possível porque o Facebook tem sido muito generoso nos links que oferece para nossos conteúdos. Mas tenho consciência de que essa generosidade não vai durar para sempre.”
Boa parte do sucesso de sua empresa na internet pode ser atribuída a um algoritmo próprio que ela desenvolveu para “testar títulos”, prática que se tornou padrão na indústria dos virais. Quando uma postagem é criada no Dose, de início ela aparece com até duas dúzias de títulos diferentes, distribuídos ao acaso. Enquanto uma pessoa está lendo um link no Facebook, “Você não vai acreditar no que este sujeito fez com uma fábrica abandonada”, outra, a meio metro de distância, talvez leia: “Parece uma velha fábrica abandonada, mas você entra e… UAU.”
O algoritmo de Spartz contabiliza os cliques para cada título e a rapidez com que o sujeito se interessa por ele; poucas horas depois, tão logo atinge um marco estatisticamente relevante, a manchete “vencedora” substitui automaticamente todas as demais. “Eu sou muito bom de títulos”, ele declara. “Mas a intuição humana só vai até certo ponto. Se você é capaz de construir uma máquina que consegue resolver um problema melhor do que você, isso significa que você entende de fato o problema.”
No rodapé de uma postagem no Dose, em geral se vê um hat tip (H/T), uma pequena menção à fonte da informação. Muita gente nem nota, se é que o texto é lido até o fim. No primeiro dia de existência do site, a lista que fez mais sucesso trazia o título “Vinte e três fotos de pessoas do mundo todo e o quanto cada uma come por dia”. Era uma sacada inteligente da diversidade, mas também da desigualdade global. Um caminhoneiro americano segurava uma bandeja com hambúrgueres e frappuccinos do Starbucks, ao passo que uma mulher masai exibia 800 calorias em leite e mingau. Abaixo da última fotografia, um textinho em cinza dizia “H/T Elite Daily”. Era um link para uma postagem que o Elite Daily, um website nova-iorquino, havia publicado um mês antes (“Veja as diferenças incríveis no consumo diário de comida ao redor do mundo”), postagem esta que, por sua vez, provinha do UrbanTimes (“Oitenta pessoas, trinta países e quanto cada uma come por dia”). O UrbanTimes creditava a informação ao Amusing Planet (“O que as pessoas comem no mundo todo”), que, na realidade, apenas citara uma entrevista radiofônica de 2010 com Faith D’Aluisio e Peter Menzel, a escritora e o fotógrafo por trás daquele projeto – na verdade, um livro intitulado What I Eat.
A postagem do Dose, que foi mais compartilhada no Facebook que suas antecessoras, mencionava Faith e Menzel de passagem (e grafava errado o nome da escritora), mas sem o devido crédito para o livro de ambos. E os dois autores certamente não receberam sua parte do faturamento em publicidade. “O projeto do livro nos custou quatro anos e quase 1 milhão de dólares, tudo do nosso bolso”, Menzel me disse. “Estamos tentando recuperar esse dinheiro com a venda do livro e o licenciamento das imagens. Mas esses sites de virais – esse pessoal que quer causar e atrair os olhares de todos – não pagam pelo uso das imagens. Simplesmente pegam o que querem e esperam que ninguém perceba. Não quero comparar isso ao ebola, mas acho que não é por acaso que usam a metáfora do vírus.”
Por volta das quatro da tarde, Matt Thacker, o diretor financeiro, me deu um tapinha nas costas e disse: “Dia emocionante, hein?” Perscrutei os rostos impassíveis no salão. “O tráfego hoje foi o maior que já tivemos!”, ele explicou. Contou que a página da lista de comidas tinha recebido 200 mil visitas. Por mensagem instantânea, os funcionários trocaram carinhas sorridentes.
Uma convocação por texto reuniu todos na cozinha, postados em círculo. De uma geladeira, sempre abastecida de homus e do suprimento Muscle Milk, saíram garrafas de espumante da Califórnia. Spartz ergueu um brinde: “Passamos um bom tempo fazendo programação, ajustando e melhorando coisas”, ele disse. “Mas hoje é um daqueles dias em que a gente pode comemorar – um nome novo, um site relativamente novo e o melhor dia de toda a história da Spartz. Um brinde ao Dose!” Em seguida, um gongo soou de seu iPhone. Os funcionários deram risadinhas e se dispersaram. Virei para a pessoa mais próxima, um programador com boné de beisebol, e perguntei o que era aquele som: uma piada interna? Meio nervoso, ele sorriu e voltou para sua mesa. Mais tarde, por telefone, me explicou que tocar o tal gongo nas reuniões tinha virado um “meme do escritório”.
Aluno precoce, Emerson Spartz se irritava com a estrutura da sala de aula. Poucas semanas depois de começar a 7ª série, pediu aos pais para largar a escola e estudar em casa. A mãe, Maggi, funcionária de uma instituição filantrópica, era a provedora; o pai, Tom, se tornou seu professor.
Num domingo, levei Emerson e Gaby de carro de Chicago a LaPorte, no estado de Indiana, onde os pais dele moram. Seguimos para o leste pela Interstate 90 por cerca de uma hora, passamos por alguns milharais e logo estávamos na entrada da casa. Maggi e Tom nos aguardavam no jardim da frente, acompanhados do caçula Drew, de 16 anos.
Tom Spartz fala de modo apaixonado, disparando uma coleção de aforismos que parecem saídos de biscoitos da sorte. Sobre seu papel no desenvolvimento intelectual de Emerson, ele disse: “Pouco me importam as expectativas das pessoas. Todos os grandes – vamos chamá-los de ‘desenvolvedores’ – sempre esbanjaram energia. O que você faz é mantê-los em movimento, dar espaço, deixar que sigam experimentando. Eu logo saquei que isso ia acontecer. Quando você vê o entusiasmo do cara, é até engraçado lembrar como tudo já estava aí.” Tom se considera “um inventor ocasional e um homem de negócios”, embora nenhuma de suas invenções tenha se transformado numa empresa viável.
Poucos dias depois de Emerson deixar a escola, Dylan fez o mesmo. Tom me mostrou o quartinho usado como sala de aula dos meninos, com carteiras, lousa e frases edificantes (“Nada neste mundo pode substituir a persistência”). Drew frequentou escola pública – “Ele é do tipo que segue regras”, Tom comentou –, e hoje o quartinho é só um quartinho. Num aparelho para levantamento de peso, estavam empilhadas as “breves biografias de pessoas de sucesso” de que Emerson me falou, uma pilha de uns 60 centímetros. Eram, de fato, bem curtas, uma página cada uma, fotocopiadas de um jornal chamado Investor’s Business Daily. De cada vida de conquistas, as biografias destilavam uma espécie de moral. (Karl Malone: “A prática faz a perfeição”; Mel Blanc: “Nunca desista.”) Tom procurou entre os livros e selecionou uma página sobre a romancista Pearl S. Buck. “Isso mostra que ela estava afastada de seu mundo normal e, de repente, começa a escrever sobre o Oriente”, ele diz. “É algo assim como, uau, dá para imaginar?”
Perguntei a Tom se ele havia encorajado os meninos a lerem os romances dela. Ele fez um movimento negativo com a cabeça. “Você lança o anzol, mas não põe ele na boca do peixe.” À parte as biografias e a álgebra necessária para satisfazer os requisitos oficiais, a pedagogia spartziana era flexível e autodirecionada. Os garotos ouviam audiolivros de autoajuda e assistiam a documentários. Aprenderam aritmética no supermercado: enquanto Tom punha as mercadorias no carrinho, Emerson e Dylan somavam os preços.
Em 1999, Emerson Spartz descobriu o Homestead, um dos primeiros aplicativos gratuitos que permitia a criação de websites sem que o usuário precisasse aprender a escrever em HTML, o código de programação. Criou, assim, um site chamado Xtreme Golf – “Xtreme começando com ‘X’, o que achei superlegal” – e depois uma página com links sobre Harry Potter – que mais adiante se transformaria no MuggleNet. Quando atingiu o limite daquilo que podia fazer com o Homestead, começou a aprender HTML. A produção de websites passou a ser seu principal projeto e seu ofício.
Ao mesmo tempo, Gaby Montero fazia websites dedicados à subcultura kawaii, a palavra japonesa para “fofo”. Hoje com 27 anos, ela cresceu em Quito, no Equador, e estudou numa escola internacional. Baixinha e pálida, não é difícil imaginá-la como uma criança que vivia dentro de casa. “Meus pais queriam que eu saísse mais com outras pessoas, depois da escola”, ela conta. “Eu só ficava no computador, com meus amigos virtuais.”
Gaby e Emerson se conheceram durante o primeiro ano da faculdade Notre Dame, onde estudaram administração. Sabiam mais sobre desenvolvimento de websites que a maioria dos professores e ficavam tendo ideias para sites virais. Casaram-se assim que se formaram, em 2009; mudaram-se para um apartamento em South Bend e criaram o GivesMeHope, que logo se mostrou rentável.
Emerson pensa rápido e tem uma memória impressionante, assim como Gaby. Nunca o vi falar de um conceito novo que ela não compreendesse de imediato. Durante o almoço em família, perguntei a Tom quando ele havia percebido que Gaby, intelectualmente, seria páreo para Emerson. “Ela não é”, ele respondeu. “É o tal negócio – quando você é um puro-sangue e seu objetivo é ir cada vez mais longe, você nem olha para trás. Já era.” Pensei que Tom talvez estivesse brincando, mas ninguém riu, e Gaby não esboçou nenhuma reação. (“Não fiquei surpresa quando ele disse aquilo”, ela me contou mais tarde. “Antes de nos conhecermos, Emerson era um cara muito sério – ficava em casa o dia todo, absorvendo informações.” Como dos dois ela é a “mais loquaz, a mais sociável”, disse, as pessoas pensam que ela tem menos bagagem cultural.)
Na volta para Chicago, Emerson discorria sobre inteligência artificial. “A gente logo vai chegar a um ponto em que a inteligência artificial vai nos superar de vez”, dizia. Eu o interrompi para perguntar se deveríamos nos manter na autoestrada ou pegar a saída logo adiante. Ele hesitou por um instante.
“A gente pode olhar no Google”, Gaby sugeriu do banco traseiro.
“Não, Gaby, eu sei muito bem onde estamos”, Emerson respondeu, me dizendo para seguir em frente.
O rádio tocava Katy Perry. “Arte é aquilo que a ciência ainda não explicou”, ele comentou. “Imagine uma canção incrível, mas com um vocal medíocre. E se você pudesse gravar quarenta vocais diferentes e, depois, testasse esses vocais perguntando a milhares de pessoas qual o melhor? Para mim, isso é só uma gota no oceano do que se pode fazer para melhorar cada canção que toca no rádio.”
Em vários momentos pedi para falar com os produtores de conteúdo, mas Spartz me desestimulou. De início, com sutileza; depois, com todas as letras. “Eles não têm tanto poder de decisão quanto você está imaginando”, disse. “O que a gente faz é muito baseado em algoritmos.”
Spartz se considera um agregador, mas é mais uma espécie de operador de mercado negociando no curtíssimo prazo: investe em conteúdos que parecem fadados a se tornar virais. Ele e seus engenheiros desenvolveram algoritmos que varrem a internet em busca de memes já com bom impulso. A partir daí, a equipe de conteúdo faz alterações cosméticas no material original, que é repostado sob um título mais chamativo. Um meme que é sucesso no Imgur, no Topsy ou “em certos subgrupos do Reddit” tem potencial para se tornar um viral bem-sucedido. “As fontes e as regras”, ele acrescenta, “parecem simples, mas é preciso testar muito para que a coisa funcione de verdade. Comparamos vários indicadores, que mudam constantemente.” Se, por exemplo, uma imagem é popular no Reddit mas não vai muito longe no Pinterest, o algoritmo de Spartz pode abandoná-la em favor de algo que tenha maior probabilidade de atrair o público do Dose.
Spartz acabou me deixando conversar com uma das produtoras de conteúdo. Chelsea DeBaise, de 22 anos, vestia uma camiseta de gola careca e um boné que anunciava uma marca de vodca. Ela postou várias listas naquela manhã. (Títulos recentes incluíam: “Trinta e três fotos de pessoas tiradas segundos antes da morte. A de no 10 é a dos meus pesadelos” e “Não importa quanto você olhe, não vai conseguir adivinhar do que são estas fotos.”)
Chelsea tinha acabado de se formar na Universidade de Syracuse e já havia colaborado com o Daily Orange. Sua melhor matéria, disse, havia sido uma reportagem sobre a pobreza local, que lhe exigira vários dias de trabalho entrevistando pessoas sem-teto. “Matérias especiais como essa – com muito texto e várias entrevistas – têm muito valor”, ela observou. “Mas é preciso pensar no impacto. Em termos de alcance, um trabalho para o Dose, feito em uma hora, ganha de longe.”
Depois da faculdade, Chelsea se candidatou a empregos sobretudo em startups de tecnologia. “Estava disposta a pôr em segundo plano minha prática de jornalismo”, contou. “Mas, desde que cheguei aqui, descobri que essas habilidades jornalísticas – atenção a detalhes, gosto pela pesquisa – desempenham um papel importante. Foi uma boa surpresa.” Quando escreve títulos para o Dose, ela pondera: “Tem um lado Universidade de Syracuse que diz: ‘Não sei se deveria escrever assim.’”
Os títulos “vencedores”, de acordo com o algoritmo de Spartz, em geral são hiperbólicos e muitos deles começam com um gerúndio ou terminam com uma preposição – o que em inglês contraria as regras da boa escrita. “Mas, aí, eu tenho um outro lado que me diz: ‘Na verdade, tudo indica que essa versão vai provocar uma reação melhor.’ Será que o objetivo é as pessoas olharem para o título e pensarem ‘Uau, essa garota escreve muito bem’? Em algum momento, você precisa conter o seu ego.”
No dia da nossa conversa, Chelsea estava lendo In Persuasion Nation, um livro de contos distópicos de George Saunders, nos quais a opressão não emana de um governo autoritário, mas sim do olho onipresente da publicidade voltada para os hábitos do indivíduo. Um desses contos, “My Flamboyant Grandson”, se passa em Manhattan, num futuro não muito distante. Enquanto o narrador e seu neto caminham pela rua, dispositivos embutidos na calçada captam informação digital dos sapatos dos dois. A seguir, uma tela na altura dos olhos mostra a eles imagens que refletem preferências pessoais predefinidas, sugerindo, por exemplo, que eles dirijam-se ao Burger King mais próximo.
Chelsea diz: “Você conhece a frase do Homem-Aranha ‘Um grande poder implica uma grande responsabilidade’? Bem, atrair tanta atenção para uma mídia significa ter poder. Temos sorte de o Emerson ser uma pessoa de boa índole, porque e se alguém com tanta inteligência não for? Sabe Deus o que poderia acontecer.”
Em março de 2014, um grupo de trabalho do New York Times apresentou um relatório interno aos principais editores do jornal. Poucas semanas depois, o documento vazou e foi publicado pelo BuzzFeed. A primeira frase dizia: “Em jornalismo, o New York Times está ganhando.” Mas alertava: “Estamos ficando para trás numa segunda área crítica: a arte e a ciência de fazer nosso jornalismo chegar aos leitores.” Em outras palavras, estavam ficando para trás em viralidade. Os autores do relatório argumentavam que compartilhamento e promoção não deveriam ser encarados como “tarefas de rotina”. Pelo contrário: “Ver uma matéria de um ano se transformar num viral nas mídias sociais” podia ser algo “realmente excitante”. Pessoas leais às velhas mídias ficaram preocupadas com certas recomendações. Com cautela, o relatório questionava o “muro” a separar o departamento editorial do comercial – desde há muito um axioma da ética jornalística. E, no entanto, os tradicionalistas talvez não tenham reconhecido sua posição privilegiada: o relatório distinguia repetidas vezes a missão crucial do Times – a de “ganhar em jornalismo” – de objetivos mais facilmente quantificáveis, como ganhar visualizações de página. Em nossa época, é um pecado afirmar que o valor de um produto não se reduz a sua comerciabilidade.
Quando enviei um e-mail a Spartz perguntando sobre o documento, ele manifestou sua ignorância a respeito do assunto. Depois de uma rápida leitura, escreveu-me que aquilo parecia muito pouco e tinha chegado tarde demais: too little too late. “Não vi nada de muito revelador. O relatório só confirmou minha suspeita de que eles pararam no… Times.” (Desculpando-se pelo trocadilho.)
O documento reconhecia a existência de uma “tensão entre controle de qualidade e as possibilidades de expansão digital”. Para Spartz, essa tensão inexiste, porque ele não diferencia qualidade de viralidade. Para ele, “eficaz”, “bem-sucedido” e “bom” são adjetivos intercambiáveis. A certa altura, disse: “Do nosso ponto de vista, a medida da qualidade é: se as pessoas compartilham, tem qualidade. Se tem gente que gosta de trabalhar duro na obscuridade, se isso deixa essa gente feliz, ótimo. Nem todos precisam mudar o mundo.”
Spartz não considera jornalismo o que ele faz, embora empregue alguns jornalistas, e tampouco enxerga obstáculos entre seu produto e os meios de que se vale para promovê-lo. Solicitado a dizer qual o texto em prosa mais belo que leu, responde: “Um livro bonito? Nem sei o que isso significa. Sei o que é impactante, isso sim.”
Neetzan Zimmerman, ex-chefe de conteúdo viral do Gawker, hoje edita um aplicativo de compartilhamento de segredos chamado Whisper. Na opinião dele, Spartz parece dever muito ao Upworthy, que ficou famoso por seduzir visitantes com títulos como “Você não vai acreditar no que aconteceu em seguida”. “Se você considerar o Upworthy o ponto de partida de um gênero de site que explora a curiosidade, penso que o Dose e outros sites desse tipo são a consequência lógica dessa tendência.” E prossegue: “O Upworthy pelo menos se dá ao trabalho de encontrar seu próprio conteúdo. No Dose, o que você vê são listas inteiras surrupiadas de outros sites e passadas adiante como conteúdo próprio. Penso haver certo cinismo nisso.” Por fim, Zimmerman acrescentou: “Mas acho essa conversa abstrata. Nada disso torna o que o Dose faz menos eficaz como negócio.”
Kathleen Sweeney, que dá aulas de mídia viral na New School, observa: “Existe uma diferença entre ‘quero mudar o mundo’ e ‘quero mudar o mundo e, enquanto isso, ganhar milhões de dólares’. Você pode partir de determinada missão e, então, começar a perceber que vai conseguir muito mais tráfego com vídeos de gatos. Aí, sua missão muda.”
Na verdade, Spartz jamais precisou mudar. “Chegamos a pensar em fazer do Dose uma empreitada com missão”, ele diz. “Mas aí raciocinei: em vez de enfrentar o mesmo dilema todo dia – escolher entre o que rende mais visualizações e o que cria um impacto social positivo –, seria mais simples eu me concentrar apenas no tráfego.” Spartz às vezes expressa seus sentimentos ao estilo seco e direto dos títulos no Dose: “Não importa quais sejam seus valores pessoais, se os negócios não derem ao cliente o que ele quer, eles não duram muito. Nunca, literalmente.”
Mais cedo, na Casterly Rock, Spartz e eu havíamos conversado sobre publicidade direcionada. “O futuro da mídia está num grau cada vez maior de personalização”, disse ele. “A minha CNN não vai ser igual à sua. O que queremos do Dose é que, com o tempo, ele seja feito sob medida para cada usuário. Você não vai precisar escolher o que quer, porque nós seremos capazes de coletar dados suficientes para saber isso melhor do que você.”
Numa lousa atrás dele, leem-se as palavras “velha mídia”, “Tribune” e “100 milhões”. “A linha divisória entre publicidade e conteúdo está se apagando”, afirma ele. “Neste exato momento, se você for a qualquer website, ele saberá onde você mora e o que anda comprando. E vai usar essa informação para oferecer a você a melhor propaganda. Mal posso esperar para fazer a mesma coisa com o conteúdo. Pode ser que leve alguns meses ou alguns anos – mas estou motivado desde já a trabalhar nisso, porque sei que vou arrasar.”
Leia Mais