Eu continuava sentada ao lado da cabine telefônica, olhando as ondas do mar transbordantes de espuma, doentes de raiva. Antes disso tinha visto um navio sumir no horizonte ILUSTRAÇÃO: VÂNIA MIGNONE_2016
O grito silencioso
As professoras da Opus Dei acreditavam que os fetinhos agonizantes pediam socorro*
Margarita García Robayo | Edição 118, Julho 2016
Olga Luz decidira juntar suas duas aulas semanais numa só. Agora eram três horas seguidas, com um intervalo no meio. Um dia ela dedicou as três horas inteiras ao aborto; primeiro ela passava um filme, depois a gente discutia. O Teen Aid adorava esses filmes: a cabeça de um feto sendo esmagada por uma pinça gigantesca ou chamuscada por uma enorme seringa que te enfiavam na vagina para bombear ácido. Os bebês saíam estropiados, mas completinhos; eram jogados em sacos pretos, e daí iam para a lixeira.
Sempre que víamos esses filmes, uma das meninas passava mal e tinha que sair correndo para vomitar. Nesses dias era melhor passar longe do banheiro, porque ficava um nojo: por mais que o limpassem, o cheiro não saía. Os filmes sobre aborto deviam ser o equivalente simbólico dos quadros de Bosch que haviam nos mostrado nas aulas de artes, alguns anos antes. O feto morto e o ventre podre eram, assim como o inferno, o resultado inevitável de transar com um garoto. Apesar de tudo, saltava aos olhos a pouca confiança que as catequistas da castidade tinham na própria doutrinação. A mensagem era clara e inequívoca: devemos ser castas. Portanto, dedicar a aula seguinte ao aborto era reconhecer o fracasso.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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