O cantor Fernando Lopes, que morreu aos 93 anos: vozeirão de tenor e excelente memória CRÉDITO: REPRODUÇÃO
O mexicano de Goiás
Fernando Lopes cantava bolero nos saraus de Juscelino Kubitschek
Teresa Albuquerque | Edição 231, Dezembro 2025
Nos primórdios de Brasília, um cantor “mexicano” costumava lotar as casas noturnas da Cidade Livre, a área onde se instalavam os trabalhadores que construíam a futura capital do país. O artista interpretava boleros como ninguém e fazia tanto sucesso que a boate Bossa Nova abrigou quatro shows dele num único dia. Para divulgar as apresentações da “atração internacional”, Dedé Santana – o dono do nightclub que, mais tarde, se tornaria um dos Trapalhões – mandou pintar uma caricatura gigante do “mexicano” na fachada do estabelecimento. O público, então, só conseguia entrar na boate se atravessasse a boca do cantor. Com sombreiro, traje charro e cabelo alisado a ferro quente, o intérprete soltava o vozeirão de tenor durante pelo menos uma hora. Falava o mínimo possível, sempre em portunhol, e sorria muito. Comportava-se assim para os espectadores não descobrirem que a estrela da casa era um estrangeiro de araque. A farsa durou pouco, mas até hoje desperta risadas de quem o conheceu.
O “mexicano”, na verdade, nasceu em Piracanjuba, no Sul de Goiás. Chamava-se Eduardo Gomes de Faria e adotou o nome artístico de Fernando Lopes tão logo chegou à Rádio Nacional de Brasília, no início de 1959, um ano antes de o presidente Juscelino Kubitschek inaugurar a capital. O jovem negro foi o primeiro cantor contratado pela emissora. Seu pseudônimo não apenas evitava confusão com o brigadeiro Eduardo Gomes, político famoso da época, como se adequava mais às canções românticas que o rapaz entoaria na rádio e que embalariam os saraus promovidos por JK. O intérprete morreu no mês passado, aos 93 anos, em decorrência de uma infecção. No velório, houve quem se surpreendesse com seu nome de batismo: “Mas não era Fernando?”
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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