O patriota
A trajetória do Véio da Havan
Roberto Kaz | Edição 168, Setembro 2020
Diante de um pequeno palco, cerca de cem funcionários, todos de verde e amarelo, batiam palmas convocando a estrela do dia a aparecer. “Ô, Luciano, cadê você? Eu vim aqui só pra te ver!”, gritavam em coro. Decorrido o tempo necessário para ampliar a expectativa, o empresário Luciano Hang, 57 anos, completamente calvo, saltou no palco vestindo bombachas. Como um ícone do rock, pulou, acenou, curvou-se para apertar a mão dos fãs e, usando o microfone, disparou: “Bom dia! Alegria!” A plateia, majoritariamente feminina, respondeu com entusiasmo. “Nunca vi tanta gente bonita no mesmo lugar”, disse, começando seu costumeiro discurso motivacional. “E beleza é fundamental, mas o mais importante é o que você é por dentro. […] Cada pessoa que cruza essa porta vai ser encantada pela beleza dessa loja, pela quantidade de produtos, mas principalmente pelo olhar de vocês.” Fez uma pausa, antes de perguntar, aos berros, se poderia contar com os funcionários. “Siiiiiiiiiim!!!”, responderam.
Naquela manhã quente de janeiro, na cidade gaúcha de Pelotas, Hang estava inaugurando a 142ª unidade da Havan, sua rede de gigantescas lojas de departamento. O espetáculo era filmado por um telefone celular e duas câmeras, que transmitiam as imagens, ao vivo, para as redes sociais do empresário e para um telão, montado à frente da loja, onde uma centena de pessoas aguardava a abertura das portas. No palco, Hang chamou sua mãe, Regina Modesti Hang, que costuma acompanhar o filho nessas ocasiões. “Ela vai fazer 82 anos, passou quinze dias numa UTI no ano passado. Voltou hoje às inaugurações. Eu disse para ela que tinha cortado o salário dela. A partir de hoje começa a ganhar salário novamente”, disse, entre o sério e o jocoso. “Aqui é assim: não trabalhou, não ganhou.” Em seguida, Carlos Magrão, cantor de música gauchesca e gospel, começou a tocar sua composição em homenagem à rede de lojas: “Eu amo a Havan, nascida em Santa Catarina /Que agora é tchê, gaudério, uma barbaridade. /Assim é a loja mais amada do Brasil, /Refletida na Estátua da Liberdade.” Hang tirou a mãe para dançar.
Quando voltou a discursar, dirigiu-se à prefeita de Pelotas, a tucana Paula Mascarenhas, que acompanhava a inauguração ao lado do palco. “Prefeita, nós recebemos mais de 20 mil currículos de pessoas interessadas em trabalhar aqui”, disse, virando-se em seguida para a plateia. “Então vocês que estão aqui hoje foram privilegiados com um emprego. Eram mais de cem pessoas por vaga, mais disputado que vestibular de medicina. E vocês venceram a disputa, chegaram lá na frente. Agora cabe a cada um fazer o melhor.” A certa altura, perguntou quantos ali estavam desempregados. “Olha só, a maioria”, comentou, ao ver o mar de mãos levantadas. Acentuando as últimas palavras, como costuma fazer sempre que fala uma frase de efeito, bradou: “Quero que vocês saibam que entraram na melhor empresa desse país.”
Durante mais de uma hora de apresentação, Hang falou de negócios (“No ano passado a Havan cresceu 1 bilhão de reais, e peguei outro bilhão emprestado”), de política (“Quero dar um alô para o Boulos, aquele que ataca a casa dos outros”) e de recursos estéticos (“Mulherada, usem maquiagem. Venham lindas, não importa o ciúme do marido”). Chamou funcionárias ao palco (“Tava desempregada?”; “Tá chorando por quê?”), repetiu platitudes (“Aqui vocês podem tudo”; “Eu acredito em sonhos”) e usou personagens infantis para ilustrar suas ambições (“Meus três filhos adoravam Pinky e Cérebro, aqueles que falavam: ‘Amanhã, nós vamos conquistar o mundo!’”). Suas frases eram alternadas com músicas, como We Are the Champions, do Queen, e com um grito de guerra entoado pelos funcionários: “Força, garra, determinação! Excelência em atendimento, essa é nossa missão!”
Às dez da manhã, Hang desceu do palco e atravessou um corredor humano, formado pelos funcionários, que o aplaudiam enquanto ele caminhava até a entrada da loja. Abriu a porta com a prefeita ao lado e rumou para um segundo palco, montado no estacionamento. A multidão, diversa, o aguardava sob um calor de quase 40ºC. Uma senhora usava uma coroa verde de papelão, em homenagem à Estátua da Liberdade norte-americana, símbolo da Havan. Um homem vestia uma camiseta verde e amarela, onde se liam as hashtags #TesourãoNaCorrupção e #HangTemRazão. O empresário ficou no palco externo até o começo da tarde. Abraçou idosa, criança, tirou foto com um pônei levado por um fã, fez arminha com a mão. “O Brasil que queremos só depende de nós”, repetiu, a cada afago. Uma camiseta unissex, verde e amarela, estampada com essa frase sai por 9,99 reais no site da Havan.
Luciano Hang, conhecido como Véio da Havan, é uma mistura de empresário com ativista político, com animador de auditório, com palestrante de autoajuda, com entrevistado da Luciana Gimenez, com investigado da Polícia Federal. Além disso, ele é a sétima pessoa mais rica do Brasil, de acordo com a revista Forbes, que estima sua forturna em 3,6 bilhões de dólares, quase 20 bilhões de reais no câmbio atual. Fora a Havan, cujas lojas estão instaladas em dezessete estados e no Distrito Federal, ele é dono de posto de gasolina, usina hidroelétrica, administradora de imóveis e duas agências de publicidade. Todas as suas empresas têm o capital fechado.
Hang é natural de Brusque, uma cidade catarinense de 135 mil habitantes, colonizada por alemães no final do século XIX. “O primeiro jornal de Brusque era em alemão, as primeiras escolas ensinavam em alemão”, contou o historiador Paulo Kons, enciclopédia viva da cidade e ex-chefe de gabinete do atual prefeito Jonas Paegle, eleito pelo PSB e hoje do Democracia Cristã. Também eram alemãs as três primeiras grandes fábricas de tecelagem, que transformaram Brusque num polo têxtil: Renaux, Buettner e Schlösser. Tanto Hang quanto seu pai, Luiz Hang, já falecido, trabalharam na Renaux.
Em seu perfil na rede LinkedIn, Hang conta que começou a trabalhar aos 12 anos de idade, quando “empreendeu pela primeira vez”, montando uma cantina para vender doces na escola (por vezes, em entrevistas que costuma dar, a idade cai para 9 anos). “Da quinta à oitava série, ele foi líder de classe, cuidava do dinheirinho da arrecadação, que era usado para fazer pão com molho”, afirmou sua prima e ex-professora Maria de Lourdes de Modesti, em um vídeo que a Havan mandou fazer quando a empresa completou 30 anos. Seu talento para empreender e arrecadar também foi utilizado no começo da vida adulta, quando Hang foi aprovado para o curso de processamento de dados na Fundação Universidade Regional de Blumenau. Como a oferta de transporte entre Brusque e Blumenau era escassa, os estudantes precisaram formar associações para fretar linhas de ônibus. Hang presidiu uma das associações.
“Eram cinco ônibus, dois de manhã e três de noite”, explicou o contador Sergio Witkowski, amigo de Hang e ex-tesoureiro da associação. “A gente ficou por dois mandatos, de 1983 a 1985.” Witkowski contou que ele e Hang divergiam na estratégia de arrecadação: “Eu queria fazer uma reserva em dinheiro para o caso de haver uma emergência. Já ele falava que era para baixar o preço e tocar adiante sem reserva nenhuma. Quando havia um problema de inadimplência, o Luciano ia para a frente do ônibus e fazia um discurso cobrando.” O resultado, segundo Witkowski, é que os estudantes pagavam menos para ir até Blumenau do que os que estudavam na universidade de Itajaí, que é mais próxima de Brusque, mas cujo ônibus era fretado por outra associação. “Fizemos uma circular mostrando que, se eles viessem para a nossa, conseguiríamos cobrar um preço mais barato. Foi uma briga. O pessoal da outra associação teve que baixar o valor.”
À época, Hang conciliava sua função na associação com seu trabalho na gerência de vendas da Renaux, depois de passar um breve período na tecelagem. “Ele subiu rápido, era um excelente negociador, tanto que ganhou o apelido de Escorrega”, disse Juliano Renaux, que supervisionava a fábrica. O cargo de gerente obrigava Hang a visitar lojas e fábricas, onde acabava descobrindo novas possibilidades de negócio. Ainda em 1983, ele comprou uma pequena tecelagem de toalhas, a Santa Cruz, em sociedade com o irmão e o pai. Três anos depois, associou-se a Vanderlei de Limas, também gerente de vendas da Renaux, e fundou a Havan Tecidos da Moda Ltda. O nome da loja – “Ha” de Hang e “Van” de Vanderlei – foi sugerido pelo amigo Witkowski: “O Luciano gostou porque tinha a pronúncia aberta no fim. Lembrava avante.” A loja começou num espaço alugado de 45 m2, vendendo tecido por metro.
Hang manteve os dois trabalhos por cerca de um ano. “Ele ia de dia para a Renaux e de noite para a Havan”, contou Juliano Renaux. A jornada dupla acabou causando um mal-estar, forçando Hang a pedir demissão para evitar uma dispensa por justa causa. “Não foi tão tranquila a saída”, lembrou outro integrante da família, o tradutor Marcos Renaux. “O Luciano queria fazer os negócios dele já aproveitando as viagens que fazia para a gente. Ele percebeu uma brecha enorme para importar tecidos. Certamente propôs isso na Renaux, que não quis, porque era uma fábrica conservadora. Ele foi lá e fez.”
Além da tecelagem importada, a Havan passou a vender tecidos da Renaux – e mais barato do que a própria Renaux. Isso se dava porque sua antiga empregadora vendia tecidos no varejo em Brusque, a preços salgados, mas também no atacado – e mais barato – em São Paulo. Hang, então, comprava os tecidos em São Paulo e, somados todos os custos, conseguia revender tudo em sua cidade natal a preços inferiores aos cobrados pela própria tecelagem. “O pessoal da Renaux ficou bem irritado, porque não queria competição”, contou Sergio Witkowski. Para piorar, a loja de Hang funcionava aos sábados, domingos e feriados, quando o restante do comércio estava fechado, o que acabava por atrair uma clientela vinda de outras cidades. Em 1989, a Havan abriu sua primeira filial, ainda em Brusque.
Em 1991, cinco anos depois de criada, a sociedade entre Luciano Hang e Vanderlei de Limas acabou. O rompimento, assim como a demissão de Hang da Renaux, foi tumultuado. Em maio daquele ano, uma nota publicada no jornal O Município, o maior de Brusque, informava que Hang comparecera à 1ª Delegacia de Polícia “para comunicar desvio de mercadorias em seu estabelecimento”. O texto explicava que ele fora alertado “por diversas vezes […] que seu sócio Vanderlei Rogério de Limas estaria desviando mercadorias de alto valor para local ignorado”. A nota ainda esclarecia: “Luciano Hang disse à polícia que teve uma conversa séria com o sócio na presença de funcionários, o qual acabou admitindo ter-se apropriado indevidamente das mercadorias.”
Uma semana depois, O Município trouxe uma nova nota, desta vez publicada na primeira página, com destaque, que desdizia tudo o que saíra na edição anterior. “A Havan Tecidos da Moda Ltda. vem a público informar a seus clientes, amigos, fornecedores e a quem possa interessar que o assunto da nota publicada na edição anterior do jornal O Município tratou-se de um mal-entendido e foi devidamente esclarecido entre as partes.” No último dia de maio de 1991, Hang e Limas assinaram um termo de dissolução da sociedade, em que Limas afirmava estar saindo “por sua livre e espontânea vontade”, sendo substituído pelo pai e pela mãe de Hang. Em termos mais ou menos oficiais, Limas deixou a parceria por discordar do plano de Hang de diversificar a loja. Em privado, comenta-se em Brusque que o tal desvio de mercadoria nunca teria acontecido e que Hang teria insistido na acusação – incluindo também a esposa e a cunhada de Limas – para forçar seu sócio a deixar o negócio.
Há um esforço coletivo para manter a história nas sombras. Hang não quis dar entrevista à piauí. Limas também não quis falar com a revista. A 1ª DP, onde foi registrado o boletim de ocorrência do suposto desvio de mercadoria, incinerou o documento, por ser muito antigo e por não ter gerado uma investigação. O certo é que os ex-sócios acabaram fazendo um acerto comercial, em que cada um permaneceu com uma das lojas. Limas rebatizou a sua como Vantex, onde continuou vendendo tecido por metro. Hang passou a vender bugigangas da China e da Coreia do Sul. Era o primeiro passo na direção do perfil atual das lojas.
“Uma vez por semana, o Luciano fazia o Domingão da Havan. Abaixava o preço de um produto, vendia quase a preço de custo. Dava fila na porta”, lembrou Witkowski, que foi também contador da Havan durante os primeiros anos da rede. “Saí em 1993, quando a pilha de nota fiscal já estava gigante. Eu prestava serviço, e eles precisavam de alguém que trabalhasse em período integral.” Witkowski contou que, quando deixou a Havan, a rede já faturava 1 milhão de dólares por mês, com apenas uma loja.
Se o fim da sociedade original da Havan chegou a parar na polícia, o crescimento posterior da rede acabou na Justiça. Em setembro de 2000, quando a rede tinha 14 anos de existência e quatro lojas em Brusque e Curitiba, o Ministério Público Federal de Santa Catarina apresentou uma denúncia que dizia o seguinte: “No período que vai do mês de outubro de 1992 ao mês de agosto de 1999, o denunciado Luciano Hang reduziu ilicitamente contribuição previdenciária e acessórios.” A quantia surrupiada dos cofres públicos passava de 10,5 milhões de reais.
O Ministério Público descreveu didaticamente o modus operandi do desvio: “O denunciado Luciano determinava que fossem feitas duas folhas de pagamento aos empregados […] Numa folha, constava a remuneração fictícia (em média, 250 reais) e, noutra folha, constava o valor realmente pago (600 reais, em média).” Com esse estratagema, Hang descontava os 9% da contribuição dos funcionários ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) sobre o salário menor (250), que aparecia na folha salarial oficial. Pagava ao INSS cerca de 23 reais por funcionário, quando, se fizesse o correto, descontando a contribuição sobre o salário verdadeiro, empenharia 54 reais. Quando se aposentava, o funcionário recebia menos do que deveria do INSS. Num único drible na lei, Hang prejudicava seus funcionários e sangrava os cofres públicos. Em dezembro de 2000, dois meses depois de apresentada a denúncia, Hang firmou um acordo com a Receita Federal para parcelar o débito trabalhista, de forma a tentar escapar de uma condenação criminal. Não deu certo. Em 2002, foi condenado pela Justiça Federal em Blumenau a três anos e onze meses de prisão (pena convertida em serviço comunitário) e multa de cerca de 500 mil reais.
Três anos antes da condenação por desvio do INSS, Hang enfrentou outro problema na Justiça. Em janeiro de 1999, a Procuradoria da República em Blumenau fez uma operação de busca e apreensão na sede da Havan. A suspeita era de que a empresa estivesse sonegando impostos. Revoltado com a investigação, Hang tentou anular a operação. Em resposta, a subprocuradora-geral Ela Wiecko escreveu: “Realizada a busca, com todas as cautelas legais, foi possível obter dados magnéticos sem interromper o funcionamento da empresa.” Em seguida, ela resumiu o que os procuradores encontraram. “Com a autorização judicial, passou-se [a] investigar o conteúdo dos discos rígidos. O que se encontrou foi uma formidável máquina de sonegar tributos.”
Wiecko descreveu uma das operações. Hang importava estatuetas de cisnes, que vinham em caixas com doze unidades. Como cada cisne custava 1,20 dólar, cada caixa saía por 14,40 dólares. Hang, porém, pagava impostos como se cada caixa custasse 1,20 dólar – ou seja, declarava o total de caixas, mas não o total de cisnes. Assim, quando importou sessenta caixas, reduziu o valor sobre o qual o imposto deveria ser calculado de 864 dólares para apenas 72 dólares. Acabou sendo autuado em 117 milhões de reais pela Receita Federal – dívida parcelada por meio do Programa de Recuperação Fiscal, o Refis. “Quando a dívida for paga em sua totalidade, todas as pessoas mencionadas na presente denúncia e também todas as pessoas que tiveram, até agora, algum contato ou relação com os autores e os fatos nele narrados, já estarão mortas e sepultadas”, ironizou à época o procurador João Marques Brandão Néto, de Blumenau, calculando que as parcelas eram tão baixas que a quitação da dívida levaria 115 anos.
Em 2007, Hang voltou a ser condenado por sonegação, desta vez com pena de dois anos e seis meses em regime aberto, por ter usado seu primo, Nilton Hang, hoje sócio da Havan, para fazer remessas ilegais ao exterior. O esquema era assim: Nilton depositava nas contas de dois laranjas – Marcos Irineu de Souza e Valdete Pereira dos Santos – que, por sua vez, remetiam os valores para contas no Paraguai. Em dois dias de 1997, por exemplo, depositou para os laranjas cheques que variavam de 31 mil a 50 mil reais (nessa época, ele tinha um salário de 1,5 mil reais mensais). “Todos os cheques emitidos por ele foram preenchidos à máquina de escrever, prática inusual na movimentação da conta corrente de pessoa física”, dizia a acusação do MP. O caso ficou sete anos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), até que prescreveu em 2015.
Em 2008, Hang teve uma terceira condenação, bem mais pesada: foi sentenciado a treze anos e nove meses de prisão por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Nesse caso, usava uma agência do antigo Banestado, o banco estadual do Paraná, para enviar dinheiro não declarado ao Uruguai, de onde os valores eram repassados para contas-fantasma nos Estados Unidos. O processo subiu para a segunda instância, onde a pena foi reduzida para dez anos e dez meses. Depois disso, ficou mais cinco anos no STJ, até prescrever, em 2016. Assim como no processo anterior, de sonegação, Hang não precisou cumprir a pena a que fora condenado. Foi salvo por sua banca de advogados, que incluía o criminalista Nabor Bulhões e o ex-ministro da Justiça do governo Lula, Marcio Thomaz Bastos.
Com todo esse histórico, Hang tem uma loja em que seus fãs aparecem vestindo camiseta com a hashtag “TesourãoNaCorrupção”.
Uma típica loja da Havan vende calcinha, pneu de carro, brinquedo, louça, bicicleta, sapato, ferro de passar, perfume, roupa, carrinho de bebê, tapete, caderno, telefone celular e, claro, bandeira do Brasil. Algumas das lojas também têm cinema, lanchonete, agência de viagem e balcão para empréstimo bancário. A maior parte das vendas é presencial, o que explica a insistência com que Hang pregou a reabertura do comércio durante a pandemia.
“A Havan funciona como se fosse um shopping, tanto que o fluxo aumenta no fim de semana”, explicou o consultor de varejo Eugenio Foganholo, diretor de uma consultoria com sede em São Paulo. “Ela atrai a família inteira. A esposa quer um produto, o marido outro, o filho um terceiro. É como a Mesbla de trinta anos atrás, só que em cidades médias.” A diversidade nos produtos, somada ao fato de que as lojas sempre gigantescas só fecham três vezes por ano, transforma a Havan numa “loja-destino”, disse Foganholo. “O varejo tradicional precisa achar um bom ponto. Já a Havan vira o ponto.” Parte do sucesso decorre também das vantagens fiscais que Hang pede em algumas das cidades em que se instala, como doação de terreno ou isenção de IPTU. Em contrapartida, ele oferece o dinamismo do seu comércio e a promessa de empregos.
A explosão da Havan ocorreu durante os governos do PT. Criada em 1986, a rede cresceu num ritmo lento e estável por uma década e meia. Quando Lula assumiu a Presidência da República, em 2002, a Havan tinha cinco lojas. Quando Dilma Rousseff foi apeada do poder, em 2016, chegara a 95 lojas, a maior parte delas em cidades de médio porte, nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. “Ele brincou de War, foi ocupando cada cidade”, resumiu Herbert Steinberg, também consultor de varejo. “E o curioso é que ele cresceu com um produto para as classes B, num momento em que o varejo prosperou nas classes C e D.” Hoje a Havan tem 149 lojas, sete a mais do que no começo do ano, quando Hang inaugurou a unidade de Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul.
Com o sucesso crescente da Havan, Hang ampliou sua participação na vida pública de Brusque. Em 2010, contratou o jogador Viola, que integrou a Seleção Brasileira campeã de 1994, para jogar o campeonato catarinense pelo Brusque Futebol Clube, então patrocinado pela Havan. Três anos depois, se opôs à tentativa da Prefeitura de instalar radares eletrônicos na cidade. Apesar do seu histórico de condenações judiciais por crimes de natureza financeira e tributária, lançou uma campanha cujo lema dizia “Radares geram corrupção + arrecadação”. Deu certo. Os aparelhos jamais foram comprados. A Câmara de Vereadores ainda aprovou uma lei proibindo a instalação de radares em Brusque.
Em 2014, Hang se opôs à criação de ciclofaixas em vias antes voltadas aos carros (uma dessas vias passava em frente à Havan). “Ele reuniu uns empresários e o presidente da Câmara dos Vereadores, e voou com eles de helicóptero sobre a cidade, para contar o número de bicicletas na rua”, contou Paulo Eccel, então em seu segundo mandato como prefeito pelo PT. “Depois ele voltou para o escritório e me ligou aos berros, exigindo que eu demitisse o secretário de Transportes.” A demanda foi refutada, num diálogo ríspido, testemunhado por empresários e funcionários. “Como o telefone dele estava no viva-voz, ele acabou sendo humilhado em frente à própria equipe. Acho que ali começou o ódio ao PT.” Em 2015, Eccel teve o mandato suspenso pelo Tribunal Regional Eleitoral, sob a alegação de que a prefeitura fizera gastos excessivos em publicidade no ano anterior, de eleição. Foi absolvido. Hoje é suplente de deputado estadual pelo PT em Santa Catarina.
Luciano Hang é casado com Andrea Benvenutti Hang, uma mulher bonita de cabelos pretos, nove anos mais nova, com quem tem três filhos. Ele a conheceu no começo dos anos 1990, quando comprou um bar falido, chamado Kaifa, e o transformou no sucesso de Brusque. “Ele trazia um paraguaio para tocar harpa toda quarta-feira, numa época em que não tinha música ao vivo”, contou Guido Boehme, ex-garçom do bar e até hoje amigo de Hang. Foi Boehme quem apresentou o empresário à futura mulher. “Ele tinha vergonha. Então eu fui lá na mesa dela e avisei: ‘Andrea, o Luciano quer falar com você.’ Cinco dias depois estavam namorando.”
Ao vivo, Hang é mais alto e menos caricato do que faz parecer em vídeos no Instagram e em entrevistas ao SuperPop, programa de Luciana Gimenez no qual é figura frequente desde que passou a ser anunciante, em 2013. Ele tem um andar rápido e a fala impositiva de quem está acostumado a dar ordens. Quando franze o cenho, somado à calva, fica parecido com o personagem Tony Soprano, do seriado norte-americano Os Sopranos. Carrega no sotaque de origem açoriana típico de quem nasceu em Santa Catarina: arrasta o “s” como se fosse um carioca, percute o “d” como se fosse um recifense e vibra o “r” como um gaúcho da fronteira (nessa equação, uma palavra como “responsabilidade” vira “rrreixponsabilidadi”). Apesar de ser conhecido como Véio da Havan, apelido que ele mesmo endossa, Hang aparenta ter menos que os seus 57 anos.
Sua eloquência nas redes sociais contrasta com a discrição que cultivava até quatro anos atrás, quando ainda não se vestia de verde e amarelo e não salivava contra o PT. Em 2014, chegou a doar 4 mil reais, por meio da Havan, para a campanha de Amelia Naomi, que concorria a uma vaga de deputada federal pelo PT de São Paulo. “Ele sempre foi crítico ao governo municipal, mas falava muito bem do Palocci e do Mantega”, contou o ex-prefeito Paulo Eccel, referindo-se aos ministros da Fazenda de Lula e Dilma. Durante os governos petistas a Havan contraiu meia centena de empréstimos do BNDES na modalidade indireta (quando o empréstimo é intermediado por outro banco). A soma era módica, à luz das cifras normalmente negociadas por Hang: 20,6 milhões de reais, na época.
Em 2016, no entanto, Hang começou a deixar a discrição de lado, forçado pelas fake news espalhadas, ironicamente, inclusive por militantes da direita e do antipetismo. Gravou uma série de vídeos publicitários para desmentir os boatos, então em voga, segundo os quais a Havan pertencia: 1) “ao filho do Lula”; 2) “à filha da Dilma”; ou 3) “ao bispo Macedo”. No vídeo, veiculado na televisão, Hang explicava, em tom amistoso: “De quem é a Havan? A Havan é minha, é sua, é da família, é do Brasil.” No ano seguinte, quando inaugurou a centésima loja, no Acre, seu tom já havia subido uma oitava. “Quando vejo alguém falando mal da Havan, normalmente é petista”, declarou, em entrevista ao Diário Catarinense. “Eu não comungo com a ideologia deles, soltei foguete quando o Lula foi condenado.”
Em janeiro de 2018, começou a embarcar no bolsonarismo. Desfiliou-se do MDB, partido ao qual era filiado desde 1985 mesmo sem nunca haver disputado um cargo eletivo. Em fevereiro, criou um perfil no Instagram e postou uma foto usando camisa social, junto a uma mensagem anódina: “Acredite, tudo é possível.” Três meses depois, já estava gritando. Trocou a roupa social por uma camiseta verde e amarela, que depois deu lugar a um terno verde e amarelo e, por fim, ao traje verde e amarelo do “Capitão Brasil”, personagem que ele inventou. Pintou seu helicóptero e seu avião nas cores da bandeira. As frases de autoajuda foram substituídas por bordões nacionalistas. “Aqui se aprende a amar e defender a pátria”, escreveu, em maio, embaixo de uma foto na qual aparecia no meio de um pelotão do Exército.
Empolgado com o desempenho de Bolsonaro nas pesquisas, Hang tratou sua rede social do mesmo modo como pronuncia suas frases – num crescendo até chegar ao final. Em julho, ele postou uma foto do então juiz Sergio Moro, a quem chamou de “herói brasileiro”. Semanas depois, postou um vídeo em que um assaltante era baleado ao tentar roubar um carro. “O estatuto do desarmamento foi mais um dos grandes erros cometidos pelo governo do PT. […] Afinal, eles [os bandidos] são os únicos que podem portar armas e quem é do bem está proibido de defender a si, sua propriedade e sua família”, escreveu, como se os bandidos estivessem mesmo autorizados a “portar armas”. E terminou assim: “Em outubro, devemos eleger um presidente que tenha coragem para mudar tudo isto.” No mês seguinte, declarou voto em Bolsonaro.
Dias antes do primeiro turno da eleição, em outubro, Hang fez uma chantagem política: veiculou um vídeo, no sistema interno da Havan, ameaçando de demissão os funcionários que não votassem em Bolsonaro. “Olha o esforço que eu estou fazendo por este país, gerando cada vez mais empresas e empregos. Se você não for votar, se anular seu voto, votar em branco e depois do dia 7 lamentavelmente ganhar a esquerda, vamos virar uma Venezuela. Vou dizer para vocês: até eu vou jogar a toalha”, dizia. “A Havan vai repensar o planejamento, talvez não vai abrir mais lojas. E aí, se eu não abrir mais lojas ou se nós voltarmos mais para trás, você vai estar preparado pra sair da Havan? […] Já imaginou que tudo isso pode acabar no dia 7 de outubro, que a Havan pode um dia fechar as portas e demitir 15 mil colaboradores? […] Você é o responsável por isso.”
O Ministério Público do Trabalho ajuizou uma ação civil pública contra Hang, cobrando uma multa de 100 milhões de reais por danos morais coletivos e individuais aos funcionários. O neo-bolsonarista respondeu à moda Bolsonaro: contratou uma empresa chamada @netsec para montar um laudo contra os procuradores responsáveis pela denúncia. O levantamento, feito com base em perfis das redes sociais, indicou que cinco dos sete procuradores seguiam páginas como as de Leonardo Boff, expoente da Teologia da Libertação, ou de Leonardo Sakamoto, jornalista especializado em direitos humanos, alvo constante da ultradireita. Na visão de Hang, isso descredibilizava a denúncia. O caso ainda não foi julgado.
A Havan é uma sociedade limitada, o que significa que seus balanços são bem menos detalhados do que os de empresas listadas na Bolsa. No ano passado, a rede abriu 21 novas unidades, pagou quase 3 bilhões de reais em impostos e teve um lucro líquido superior a 1 bilhão, de acordo com declarações dada por Hang a um grupo de investidores. Para fazer frente ao gasto, Hang captou 1,25 bilhão de reais no mercado com a emissão de notas promissórias – 750 milhões em títulos da Havan e 500 milhões em nome da Brashop, a empresa-irmã, dona dos terrenos onde ficam as lojas. Neste ano, emitiu mais 1,5 bilhão de reais em debêntures com o mesmo propósito.
O crescimento financeiro chamou a atenção do Banco Itaú e da corretora XP Investimentos, que passaram a sondar Hang sobre a possibilidade de fazer um IPO da Havan, abrindo seu capital na Bolsa de Valores. No começo do ano, o empresário recebeu, em Brusque, a visita de cerca de trinta executivos de diferentes fundos de investimento. Mostrou a sede, a loja matriz e o centro de distribuição que fica em Barra Velha, cidade a uma hora de Brusque. Contou que o grosso de suas vendas vem de produtos eletrônicos (30%), roupas (25%) e peças de cama, mesa e banho (18%). Disse que suas lojas não têm o caixa de número 13 (o número eleitoral do PT) e garantiu que sua verborragia política não havia interferido negativamente no balanço comercial (dos dezoito estados em que a Havan está presente, catorze votaram majoritariamente em Bolsonaro).
A eventual abertura de capital ainda está distante, em parte por causa do valor que Hang tem pedido pela Havan: entre 80 e 100 bilhões de reais, considerado excessivo. (No ipo, uma empresa é apresentada ao mercado com um preço específico, que é então parcelado através da venda de ações.) O valor pedido por Hang faria da Havan a segunda maior rede varejista do país, ficando atrás apenas do Magazine Luiza (130 bilhões de reais), e à frente das Lojas Americanas (62 bilhões).
Os investidores têm ainda outros dois receios. O primeiro é de ordem jurídica. Em paralelo às ações judiciais, Hang enfrenta processos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ao qual as empresas recorrem quando discordam de alguma autuação da Receita Federal. Há casos pitorescos, como a multa de 88 mil reais contra a Havan pelo patrocínio ao Brusque Futebol Clube entre 2009 a 2010. Na hora de pagar o imposto, a rede alegou que só veiculara publicidade no time. Com isso, tentou driblar a contribuição previdenciária, que recai sobre patrocinadores, mas não sobre anunciantes. Outros casos têm cifras mais expressivas, como a multa por contrair empréstimos de 100 milhões de reais, com juros, pela Havan e repassar o mesmo valor, sem juros, para a Brashop. A manobra, segundo a fiscalização da Receita Federal, visava deduzir os juros da declaração de imposto da Havan. Hang ainda pode recorrer de ambos os processos.
O segundo receio dos investidores é de ordem midiática: temem o efeito que a verve de Hang pode ter sobre as ações da empresa. Em março, ele deu um exemplo. Enfurecido com as medidas de isolamento impostas pelos governadores para controlar a pandemia do novo coronavírus, gravou um vídeo para dizer que o país estava vivendo “uma histeria”. E recorreu à ameaça de sempre: o confinamento o obrigaria a demitir seus empregados. “Pra mim, Luciano, é muito simples. Eu simplesmente fecho as lojas, cancelo os pedidos de todos os meus fornecedores. Tenho dinheiro para pagar tudo e vai sobrar dinheiro no meu bolso. E aí eu vou pegar e vou pra praia, né? E quem sabe eu tenha que mandar 22 mil colaboradores embora.” Não é uma ameaça que se espera ouvir do líder de uma empresa com ações negociadas na Bolsa.
Em maio, mês que o país fechou com 29 mil mortos pela Covid-19, Hang passou a vender arroz e feijão em suas lojas para enquadrar a Havan na categoria de hipermercado, uma atividade essencial, e assim driblar a restrição imposta pelas regras da quarentena às lojas de departamento. A tentativa foi barrada judicialmente em Mato Grosso, no Acre e na Bahia. No estado de São Paulo, Hang conseguiu abrir as unidades nas cidades de Araçatuba e Lorena por meio de liminar. Não foi suficiente para serenar seu ânimo. Gravou um vídeo para o Instagram chamando o governador João Doria de “ditador” e acusando São Paulo de ser “o estado mais comunista do Brasil”. No texto que acompanhava a postagem, recorreu à suposta oposição entre vida e economia: “Que nação aguenta dois meses com a economia estagnada?” Em seguida, disse o óbvio, só que oposto: “Temos que cuidar da saúde, sem descuidar da economia.” E encerrou vendendo seu peixe: “A Havan pode e vai vender alimentos essenciais, e você ainda consegue parcelar em 5x no cartão da loja!”
Sob o governo Bolsonaro, Hang sentiu-se à vontade para assumir um tom mais agressivo. Insultou adversários do presidente, xingou colunistas de jornal, expôs o número do celular de um repórter do Estado de S. Paulo, pediu que Silvio Santos demitisse a apresentadora Rachel Sheherazade. Publicou notícia falsa sobre o reitor da Unicamp, acusou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de ser formada por um “bando de abutres” e pagou um avião monomotor para sobrevoar as praias de Santa Catarina com uma faixa debochada contra o ex-presidente Lula. Processou e foi processado de volta, aproveitando para alardear que tem uma banca com cem advogados. Foi alvejado também por fogo amigo. Em junho, Olavo de Carvalho, o tutor ideológico da família Bolsonaro, vinha pedindo ajuda financeira para pagar condenações judiciais, até que foi acometido por um surto de raiva. “Esse seu Havan vem aqui dizer: ‘Ah, vou ajudar.’ Vai ajudar o caralho. Você vai comprar aviãozinho e se vestir de Zé Carioca. Você é um palhaço”, disse, em um vídeo veiculado no YouTube. “Gente que não tem cultura e não gosta de quem tem. Bando de invejosos filhos da puta.” Hang engoliu a humilhação e ainda decidiu ajudar Carvalho fazendo uma vaquinha entre empresários amigos para comprar os livros dele.
Nesta nova fase do empresário, aos casos de sonegação, lavagem de dinheiro e evasão de divisas somaram-se outras complicações na Justiça. Agora, ele está sendo investigado no inquérito nº 4 781, o das fake news, relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. O inquérito investiga o esquema virtual de insultos, ameaças e notícias falsas contra o STF montado pela milícia digital do bolsonarismo. Em maio, movido por suspeitas de que Hang seja um dos financiadores secretos da rede, Moraes quebrou o sigilo fiscal e bancário do empresário e ordenou uma ação de busca na casa de Hang e na sede da Havan.
Foi uma notícia particularmente preocupante para Hang, pois a quebra do sigilo inclui o período da campanha presidencial, que está sob investigação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A suspeita, revelada pela jornalista Patricia Campos Mello, em reportagem publicada pela Folha de S.Paulo em outubro de 2018, é de que o empresário tenha participado de um esquema ilegal de propaganda eleitoral pelo WhatsApp. A reportagem mostrou que a Havan estava entre os financiadores do disparo em massa de mensagens destinadas a prejudicar o petista Fernando Haddad e favorecer Bolsonaro – o que pode ser caracterizado como uma forma de doação empresarial à campanha, o que é proibido pela legislação eleitoral.
Desde então, Hang mudou. Primeiro adotou um tom de moderação, seguindo a ordem unida do silêncio, decretada por Bolsonaro em junho depois da prisão de Fabrício Queiroz, o coordenador das “rachadinhas”. Em entrevista à revista Crusoé, falou que era hora de “baixar as armas”, ainda que tivesse “a tranquilidade” de quem “não fez nada de errado”. Disse que a quebra de seu sigilo fiscal e bancário mostraria um mundo de doações: “Pessoas que eu ajudo financeiramente. Meus parentes, pessoas deficientes, que precisam de cadeira de rodas, atletas. Nada que vá levar a nenhum financiamento de ato político.” Em julho, em entrevista à revista Veja, deu uma declaração impressionante: “Não sou bolsonarista, como dizem”, afirmou. “Naquilo que o governo fizer certo, vou defendê-lo. Naquilo que fizer errado, vou criticá-lo.” Até agora, a julgar pelo conteúdo de suas mensagens e entrevistas, Hang não viu o governo fazer nada de errado, nem mesmo quando Sergio Moro, a quem chamou de “herói brasileiro”, deixou o Ministério acusando o presidente de aparelhar a Polícia Federal para defender seus filhos. Na época, o empresário apoiou o ex-juiz. Menos de uma semana depois, estava em reunião com Bolsonaro, em Brasília.
Em julho, Hang foi silenciado nas redes. Em decisão criticada até mesmo por expoentes do campo progressista, o ministro Alexandre de Moraes mandou suspender as contas digitais de alguns notáveis do star system bolsonarista – Hang, entre eles. O perfil do empresário no Facebook, que tinha 5 milhões de seguidores, foi tirado do ar. No Twitter, onde Hang é seguido por 370 mil pessoas, suas postagens foram substituídas por uma mensagem em inglês, avisando que a conta foi bloqueada “no Brasil e no mundo” por ordem legal. “Recebi com surpresa o bloqueio das minhas redes sociais”, ele declarou, em uma nota publicada no Instagram, única de suas redes que não foi bloqueada. “Reforço que jamais atentei contra o STF. Acredito na democracia e que ela só existe através da plena liberdade de expressão, garantida pela nossa Constituição Federal. Todos têm o direito de expressar opiniões individuais. Para construirmos um país cada vez melhor é necessário discutir ideias e manter o debate aberto para toda a sociedade. Isso é o que eu sempre defendi.” Para Hang, tudo o que vinha postando nas redes sociais, os xingamentos e acusações, são “opiniões individuais” e representam “discussão de ideias”. Dois dias depois, postou um anúncio dizendo que a Havan de Brusque estava vendendo trinta ovos de galinha por 7,99 reais. “O que a pandemia não faz”, comentou um seguidor. Hang respondeu, minutos depois: “Nas crises é que surgem as oportunidades.”
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