A escultura 7 (2014): instalada na esplanada de Doha, no Catar
O poeta do aço
As poderosas esculturas de Richard Serra, falecido em março, na visão de seu fotógrafo
Cristiano Mascaro | Edição 214, Julho 2024
Apresentação de Consuelo Dieguez
O escultor americano Richard Serra, conhecido por suas colossais obras abstratas, morreu em 26 de março passado, aos 85 anos, em Nova York, onde morava. A causa da morte, uma prosaica pneumonia, não condiz com a potência do artista, cujos trabalhos, esculpidos em aço, pesavam toneladas.
Ele nasceu em São Francisco, na Califórnia, filho de um imigrante espanhol, operário de um estaleiro, e de uma dona de casa judia, descendente de ucranianos. Com o pai, Serra aprendeu os segredos do aço. Aos 4 anos, ia ao estaleiro ver, fascinado, os navios serem lançados na baía. Com a mãe, adquiriu o gosto pelo desenho (desde pequeno foi incentivado por ela a desenhar e andava sempre com um caderninho e um lápis no bolso).
Essas vivências e memórias ajudaram Serra a compor sua obra, ao mesmo tempo que fizeram dele um homem de temperamento aguerrido, cujo rosto também parecia talhado em aço. Certa vez, ao saber que uma milionária havia comprado um trabalho seu e pretendia inaugurá-lo espatifando uma garrafa de champanhe na estrutura, cancelou a venda. O arquiteto Frank Gehry, seu amigo, pediu que ele se desculpasse, enviando flores à compradora. No mesmo dia, Gehry recebeu um buquê do amigo com uma sugestão desaforada de uso.
Não foi esse lado afiado que o paulista Cristiano Mascaro – desde 2013, um dos principais fotógrafos das obras de Serra – conheceu. Pelo contrário. Na visão de Mascaro, Serra foi uma das pessoas “mais respeitosas e generosas” com quem ele conviveu. Ao lembrar as reações de Serra ao seu trabalho, Mascaro comenta: “Diante dos elogios que ele fazia, eu fui tendo cada vez mais segurança para fazer as fotos do meu jeito. Isso, considerando que se tratava de um artista superexigente e intransigente.” Mascaro não diz que chegaram a ficar amigos, mas conta que desenvolveram uma relação de admiração e respeito. “Veja”, afirma o fotógrafo, num tom de voz sempre gentil, sem afetar vaidade, “de uma hora para outra, eu virei o fotógrafo do Richard Serra, a convite dele. Isso teve um impacto muito grande na minha vida.”
A aproximação se deu por acaso. O banqueiro Pedro Moreira Salles[1] tinha adquirido uma obra do escultor, a Cambuhy, para a fazenda da família, em Matão, no interior de São Paulo. Como fazia com todos os seus trabalhos, Serra pediu que também aquele fosse fotografado instalado no local. Salles convidou Mascaro, a quem já conhecia. Feitas as fotos, era necessária a aprovação do artista. Todos se encontraram na fazenda, onde as imagens foram expostas sobre uma mesa. Serra se encantou com o que viu e pediu que Mascaro passasse a trabalhar com ele, fotografando suas esculturas. A partir daí, os dois, o artista e o fotógrafo, correram o mundo juntos. Parte do resultado desse trabalho está reunido nas páginas seguintes.
Serra não desgrudava do bloco de desenho, onde riscava, compulsivamente, suas futuras esculturas. “Sua obra, no fundo, é um pouco a fusão do encantamento da mãe pelo desenho com a lida do pai com o aço”, diz Mascaro. Ele avalia as esculturas não com os olhos agudos do crítico, mas com a sensibilidade do fotógrafo. “O impressionante nas esculturas dele é que, apesar do peso e do tamanho, elas transmitem leveza.”
Mascaro conta que o processo de criação das esculturas era bastante complexo: a partir dos desenhos e orientações do artista, as peças eram fundidas na Alemanha, tratadas na França e encaminhadas a Roterdã nos Países Baixos, de onde eram transportadas em navios até seu destino – em geral, espaços abertos, públicos ou privados, mas também salas de museus projetadas para recebê-las. “Ao serem montadas, elas se encaixam harmoniosamente. Todo aquele peso vira poesia”, diz Mascaro. “Serra fazia poesia com pedaços de aço.”
[1] Pedro Moreira Salles é irmão do fundador da piauí.
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