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Valdemar da Costa Neto, presidente do PL: sua proposta de anistia a Bolsonaro foi um afago à fatia bolsonarista do partido, mas o ex-presidente serve a ele em qualquer situação, até preso CRÉDITO: DIEGO BRESANI_2024
O político que escapou das urnas
Valdemar Costa Neto tem coisas mais importantes para tratar do que as demandas do eleitorado
Thaís Oyama | Edição 213, Junho 2024
O pai de Valdemar Costa Neto costumava dizer que o filho “nunca iria dar para nada nesta vida”. Conhecido como Boy, ele não gostava de estudar. Na juventude, era famoso em sua cidade, Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo, pelo seu gosto por rodas de carteado, motos possantes, carros caros, mulheres bonitas e festas estrepitosas. Repetiu o ano no ensino fundamental, formou-se a duras penas no ensino médio e só conseguiu um diploma de administrador de empresas pelo Centro Universitário Braz Cubas, em Mogi, porque a mãe o obrigava a ir à faculdade ao menos para fazer as provas. Boy ganhou o apelido na infância: as irmãs mais velhas, Leila e Samyra (já falecida), achavam que ele se parecia com o filho do Tarzan, de um filme que fazia sucesso na tevê nos anos 1960. O apelido, portanto, não veio de “playboy”, mas tinha tudo para ter vindo.
Aos 25 anos, seu programa preferido era pegar a BMW 900 que havia importado da Alemanha e passar o fim de semana no Rio de Janeiro, onde sua moto, uma Honda 750, o aguardava na garagem do Hotel Sheraton, no Leblon. Um motorista transportava a máquina de Mogi ao Rio com antecedência para o patrão, numa caminhonete especialmente adaptada para esse fim, com rodas americanas e rampa móvel. Boy subia na moto, punha os óculos escuros e ia passear na orla da praia. No fim da tarde, encontrava os amigos no Castelinho, o bar da moda na Avenida Vieira Souto. À noite, tomava uísque nas boates de Ipanema. Segunda-feira de manhã, o Sol brilhando nas areias do Leblon, ligava para a mãe: “Acho que vou ficar mais uns dias por aqui.” Seu pai, a essa altura, estava perto de jogar a toalha. O Boy, dizia ele, não tinha nenhuma chance de dar certo.
Pois o velho Waldemar Costa Filho, que foi prefeito de Mogi das Cruzes quatro vezes e morreu em 2001, ficaria surpreso de ver que, aos 74 anos, Valdemar Costa Neto tem o que pode ser considerado o melhor emprego do Brasil para quem aprecia a encruzilhada sonante entre o poder e a política. É presidente plenipotenciário de um partido – o PL, que, como toda legenda de certa expressão no país, é sustentado por verba pública e, neste ano, embolsará quase 900 milhões de reais só de fundo eleitoral.
Para chegar aonde chegou, Valdemar pavimentou seu caminho com método, pragmatismo e uma fé incondicional na ideia de que é dando que se recebe.
Foi assim desde que desembarcou em Brasília, em 1991, eleito deputado federal com a ajuda do pai. Ao pisar pela primeira vez na Câmara dos Deputados, aos 41 anos, constatou com tristeza e amargor o que o velho Waldemar já havia lhe antecipado. “A Câmara é uma casa em que todo mundo manda. Lá, você vai ser só mais um”, dizia o prefeito, que tinha fama de turrão e valente. Acostumado à vida de celebridade em Mogi, o Boy detestou o novo ambiente. Pior do que ser só mais um no Congresso, ele era um ninguém. Nem mesmo seus pares faziam questão de guardar seu nome.
Desgostoso com a situação na Câmara, decidiu que a única forma de vencer a irrelevância seria virar líder de sua legenda, que na época também se chamava Partido Liberal. “O problema é que eu detestava o plenário e nem sabia falar direito”, contou ele em uma das duas entrevistas que concedeu à piauí. Assim, em 1992, bolou uma estratégia para compensar a oratória rala e a falta de gosto pela rotina parlamentar. O plano consistia em juntar dez deputados do PL e levá-los para o Carnaval do Rio de Janeiro, do qual já era freguês, junto com o amigo Aécio Neves, que ele conheceu bem antes de chegar à Câmara. “Peguei dois camarotes e avisei os deputados que era tudo por minha conta: hotel, restaurante, eram todos meus convidados. Na volta, me candidatei a líder. Os caras votaram em mim e me elegeram.” Valdemar continuou levando colegas ao Sambódromo até 1994.
Naquele ano, conduziu ao camarote do então presidente da República, Itamar Franco, uma modelo, destaque da Viradouro, que chegara ao Sambódromo com um microvestido debaixo do qual nem uma folha de parreira havia. Nesse estado de natural descontração, foi fotografada de baixo para cima sambando com o presidente.
O escândalo Lilian Ramos encerrou a carreira de Valdemar no Sambódromo, mas a liderança conquistada graças ao cuidado dispensado aos seus pares foi renovada outras dez vezes. “Fui o camarada que, na prática, ficou mais tempo na liderança do pl”, orgulha-se. E o que faz um bom líder? Valdemar responde na lata: “O que faz um bom líder é ele resolver os problemas dos deputados.” Em outras palavras, na gramática da velha política, o “bom líder” é o hífen do “toma lá-dá cá”.
Valdemar diz que começou a ganhar dinheiro cedo. Conta que, aos 23 anos, recebeu do pai uma gorda comissão pela venda do sítio da família no bairro Taboão, propriedade em Mogi das Cruzes que ele supervisionava desde os 17 anos. Com o dinheiro da venda, passou a comprar e vender imóveis. Com os bons negócios fechados na área imobiliária, comprou a BMW, além de um Porsche e um barco. “Era a época do milagre brasileiro”, justifica.
Em 1977, para tirar o filho da vida de playboy, o velho Waldemar nomeou-o chefe de gabinete da prefeitura. Boy tinha então 27 anos. Trabalhou com o pai até os 33, como seu secretário de Obras e, mais tarde, diretor de uma autarquia criada para comandar a construção da Rodovia Mogi-Bertioga. Em 1984, na iminência da eleição de Tancredo Neves para a Presidência, ganhou de Tancredo Augusto – filho de Tancredo Neves e tio de Aécio, o seu companheiro de alegres jornadas – a promessa de que seria diretor administrativo do Porto de Santos. Com a morte de Tancredo antes da posse, em 1985, José Sarney, que assumiu a Presidência, manteve as indicações e, assim, nas docas de Santos, Valdemar experimentou o gostinho do primeiro emprego público fora de Mogi, até ser eleito deputado federal em 1991.
De Valdemar ninguém espere ouvir digressões programáticas, menção a políticas públicas ou opiniões sobre projetos de lei em curso – ao longo de seis mandatos, ele aprovou apenas três. Emergência climática? Não é com ele. Violência urbana, criminalidade em alta? Idem. Desigualdade social, miséria, racismo? Nada. Para o presidente do PL, o que de fato interessa na política são os bastidores e os números envolvidos, a começar pelo número de deputados do seu partido. Por lei, o tamanho da bancada na Câmara de cada sigla determina o valor do fundo eleitoral e partidário que ela irá receber da União. Assim, o número de deputados do PL é, para Valdemar, a sua principal preocupação – sendo a segunda a quantidade de cargos de seu partido no governo, não importa o governo.
Com base nesses dois critérios – o tamanho da bancada e o volume de cargos na máquina pública –, Valdemar avalia que o governo FHC foi o pior momento da sua trajetória como líder do PL. Por seus parâmetros, o partido havia ido bem no governo Itamar. Tinha dezesseis deputados e cargos no segundo e terceiro escalões. Quando Fernando Henrique assumiu, em 1995, Valdemar deu declarações públicas dizendo esperar que a sua sigla mantivesse os postos. Mas o governo FHC começou bem respaldado no Congresso – a aliança com o então PFL praticamente lhe garantia a maioria simples na Câmara – e gente importante no Palácio do Planalto tinha sérias restrições a Valdemar. “Ele era acintosamente disfuncional”, recorda-se um poderoso ex-ministro daquele tempo. “Ninguém queria recebê-lo”, afirma.
O próprio Fernando Henrique, em seus Diários da presidência, deixa claro o que pensava sobre o chefe do pl. “O líder desse partido, Valdemar Costa Neto, só vai lá [ao Palácio do Planalto] para pedir nomeações para posições onde ele possa ter vantagens, e vantagens alegadamente pecuniárias. É inacreditável”, escreveu, em agosto de 1995.
Pouco antes, em junho do mesmo ano, o governo havia pedido o apoio do PL para aprovar a proposta de privatização das empresas de telefonia. Como condição para apoiar o projeto, Valdemar pediu a manutenção do diretor da Telesp, a companhia telefônica de São Paulo, que ele havia indicado no governo Itamar. Aprovada a privatização das teles, porém, foi informado que o então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, pretendia limpar a estatal de apadrinhados, notadamente os dele. Valdemar, então, passou a procurar Motta. Ignorado, cercou o ministro fazendo plantão na entrada do Ministério das Comunicações. Motta, ao desembarcar do carro oficial e avistar o líder do PL, passou reto. Valdemar correu atrás:
– Espera, ministro. Queria saber se é verdade que o senhor vai tirar meu diretor da Telesp.
– Vou – respondeu Motta, apressando o passo.
– Mas, ministro, eu sou um Fusca, o senhor é um Rolls-Royce. Eu vou dar uma porrada de frente com o senhor, e é o senhor quem vai sair perdendo.
Motta entrou no elevador sem dizer palavra e dias depois demitiu o diretor.
“A partir daí, eu virei inimigo do governo”, lembra o presidente do PL. Foi a primeira vez que o partido ficou na oposição – um tempo do qual Valdemar diz não ter saudades. Com treze deputados e o assédio constante do PFL à sua bancada, ele conta que passava o dia andando pela Câmara para convencer deputados a se filiar à sua sigla, ou ao menos não deixá-la. “Era duro, eu não tinha nada para oferecer.” Ele afirma que seu desprestígio era tamanho que, na hora do almoço, ia jogar tênis no Iate Clube de Brasília. “Eu não tinha nada para fazer, ninguém vinha falar comigo. Quem ia me pedir alguma coisa?” Dramático, fecha os olhos e sacode a cabeça quando se lembra da penúria daqueles tempos. “O Fernando Henrique me tirou tudo, todo o nosso pessoal, todos os meus diretores. Me deixou no sal.”
“No sal”, restou a Valdemar colocar seu Fusca para atormentar o Rolls-Royce do governo. Por sete anos e meio, usou a tribuna da Câmara para disparar impropérios contra FHC e Sérgio Motta. Em agosto de 1996, chegou a publicar nos jornais um texto pago em que, sem qualquer fundamento, chamava o ministro das Comunicações de “o maior Ali Babá da história do Brasil”. Motta ficou “muito exaltado, fora de si”, lembra Fernando Henrique nos seus Diários.
A raiva que Valdemar passou a nutrir por FHC e seu governo, porém, produziu uma aliança inusitada. Ele se aproximou do PT. Unido à turma de Lula pelo adversário em comum, encampou a proposta da CPI da Corrupção e ajudou a organizar a Marcha do Apagão e a Marcha dos 100 Mil. Esta última, a maior manifestação contra o governo FHC, ocorreu em agosto de 1999 e teve a participação de nomes como Leonel Brizola (PDT), Aldo Rebelo (então no PCdoB) e de entidades como a CUT e o MST. Como líder do PL, Valdemar chegou a subir no carro de som para tentar discursar. Tomou uma vaia épica. Mas, se a céu aberto a militância de esquerda vaiava Valdemar, nos bastidores as lideranças do PT tricotavam com ele.
A boa relação com o então presidente do PT, o deputado José Dirceu, foi fundamental para viabilizar a entrada do PL na chapa presidencial de 2002, na qual o empresário e recém-filiado José Alencar concorreu como vice de Lula. Era a união do capital com o trabalho, como foi vendida a dobradinha, destinada a aplacar os temores do mercado diante da quarta tentativa do ex-metalúrgico de chegar à Presidência. O preço que Valdemar, já naquela ocasião presidente do PL, cobrou pelo ingresso do seu partido na chapa de Lula foi de quase 11 milhões de reais, em valores da época.
Aliança fechada, Valdemar e o PL deram o seu jackpot: a sigla, que tinha dez deputados federais em 2000, elegeu 26 deputados em 2002. Eleitos Lula e Alencar, a pindaíba dos anos FHC ficou para trás. Valdemar e seu PL ganharam o Ministério dos Transportes e uma dúzia de cargos no segundo escalão, incluídos aí a presidência da antiga Companhia Docas do Rio de Janeiro (hoje a PortosRio) e das Docas de Pernambuco (que opera o Porto de Suape), além das superintendências, em todos os estados, do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Para completar, o PL ainda tinha o Ministério da Defesa, cargo que José Alencar acumulou com a Vice-Presidência da República. Valdemar era agora mais que um aliado do governo petista, era seu sócio.
Em contrapartida aos territórios que o PT lhe franqueava, Valdemar abriu para Lula o corredor da centro-direita no Congresso. Com José Dirceu, com quem passou a tocar de ouvido, fez a base do governo petista engordar de 311 deputados para 376 nomes em 2003, primeiro ano do mandato de Lula. Como diz um luminar do Centrão, Valdemar era “o político mais importante do governo PT que não era do PT”.
Mas, então, veio o escândalo do mensalão.
“Não adianta, nós estamos mortos”, dizia Valdemar a colegas réus que ainda tinham esperança na absolvição. “A opinião pública já condenou a gente.” A Justiça também. Valdemar foi sentenciado em novembro de 2012 a sete anos e dez meses de prisão em regime semiaberto pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Até hoje diz que foi punido pelo crime errado (o “correto” seria o de caixa 2). Valdemar insiste que Roberto Jefferson, o ex-deputado que batizou o escândalo do mensalão, mentiu ao dizer que ele, como outros políticos da base do governo, ganhava uma “mesada” para votar com o PT. “Ninguém precisava de mesada, estava todo mundo bem atendido no partido”, alega.
Em julho de 2013, antes mesmo de a Justiça negar seu último recurso, Valdemar começou a se preparar para o cárcere. Amigo do então governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PCdoB), pediu-lhe para ser apresentado ao secretário de Segurança, a quem fez outro pedido: ser apresentado aos diretores do Complexo Penitenciário da Papuda e do Centro de Progressão Penitenciária (CPP). Com toda a cadeia de comando contatada, foi visitar os dois presídios onde ficaria onze meses. Queria saber o que o esperava.
Quando entrou por uma porta lateral da Papuda para se entregar, no dia 5 de dezembro de 2013, já estava ciente que o chuveiro da cela que dividiria com doze presos consistia num cano de onde pingava água gelada, o sanitário não tinha parede divisória e seu uniforme seria chinelo, camiseta e calça branca. Sabia, ainda, que poderia abater um dia de pena a cada curso de doze horas que fizesse na cadeia – onde, depois, arrumou até trabalho na biblioteca.
Durante os três meses em que aguardou a Justiça autorizar sua mudança para o CPP, presídio que lhe permitiria trabalhar fora durante o dia, conviveu na Papuda com presos como José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e Pedro Corrêa, todos condenados no mesmo processo do mensalão. Desse período, lembra que Corrêa era o mais divertido dos colegas de cela, Genoino era o “mais inocente” (“Caiu de gaiato na história”, diz Valdemar) e José Dirceu era o mais famoso (“Às vezes vinham policiais de fora só para conhecer o Zé”, lembra).
Preso na mesma cadeia, Bispo Rodrigues, um ex-deputado do PL ligado à Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), rezava uma hora por dia, meia hora antes do almoço e meia hora antes do jantar, e às vezes chorava durante a oração. Valdemar passava o tempo fazendo ginástica e cursos: marcenaria, funilaria, panificação. Enchia potes de plástico com areia e improvisava pesos para os exercícios de musculação. Não quis que familiares fossem visitá-lo na prisão, salvo seu filho mais velho, que foi uma vez porque fez questão (Valdemar tem três filhos homens do primeiro casamento e uma menina de 7 anos com a atual mulher).
A maioria dos “mensaleiros” submergiu depois, afastando-se por um tempo da vida pública. José Dirceu, só recentemente, dezenove anos depois de ter o mandato cassado, voltou a pisar no Congresso Nacional. Foi paparicado como uma celebridade. Os também petistas Delúbio Soares e José Genoino passaram igual período no ostracismo e, no ano passado, com a vitória de Lula, voltaram a dar entrevistas e circular por eventos do PT. Bispo Rodrigues, que era do PL, perdeu o título de bispo da Igreja Universal e passou os últimos anos cuidando dos negócios imobiliários da família. Há pouco, com a reestruturação do Republicanos no Rio, passou a comandar a ala religiosa do partido. Pedro Corrêa, que era presidente do PP, é o único que ainda cumpre pena. Condenado a 29 anos, está em prisão domiciliar em seu apartamento no Recife. Dos presos do mensalão que conviveram na Papuda, apenas Valdemar nunca se afastou da política. Mesmo preso, não largou as rédeas do partido.
Quando foi autorizado a trabalhar fora do presídio, Valdemar planejava ser contratado pelo PL para, oficialmente, prestar serviços administrativos à sigla. Mas um incidente envolvendo José Dirceu estragou seus planos. Dirceu pretendia trabalhar como gerente de um hotel quatro estrelas em Brasília, administrado oficialmente por um panamenho sem recursos, empregado como auxiliar de escritório na Cidade do Panamá. A história despertou suspeitas, e o emprego do petista foi visto como uma farsa. Para não dar a mesma impressão, Valdemar foi aconselhado por seu advogado, Marcelo Bessa, a rever a sua opção de trabalho. Bessa disse que o filho de um amigo tinha um restaurante industrial na periferia de Brasília – e ele poderia trabalhar lá, na administração.
O restaurante, chamado Sabor Gourmet, ficava no Núcleo Bandeirante e fornecia quentinhas para canteiros de obras. A mando de Valdemar, funcionários do PL fizeram uma ampla reforma no local. Trocaram os móveis e as cortinas do escritório e transformaram um aposento contíguo numa sala de almoço com mesa para mais de dez convidados. Como, por lei, o empregador (no caso, o filho do amigo de Bessa) é quem fiscaliza o cumprimento das obrigações por parte do preso, Valdemar se sentiu à vontade para fazer do lugar uma extensão do seu gabinete na presidência do PL – cargo que oficialmente havia transferido para o vice-presidente da sigla, Alfredo Nascimento. Passava as tardes no escritório do restaurante despachando com seu homem de confiança, o deputado Antonio Carlos Rodrigues, e recebendo parlamentares. “O pessoal ia lá direto, vinha de bando. Como era uma cozinha industrial, eles aproveitavam e almoçavam comigo.”
É conhecido o episódio em que, de dentro da cadeia, Valdemar pediu a cabeça do ministro dos Transportes, César Borges, cujo desempenho não estava atendendo aos “interesses” do partido. Durante o governo Lula, dizia-se em Brasília que “até para pisar na calçada do Ministério dos Transportes é preciso pagar pedágio”. No governo Dilma Rousseff, Borges foi o escolhido para pôr fim a essa situação, o que deixou Valdemar irritado. Ele então deu um ultimato à presidente: ou ela demitia Borges ou o PL apoiaria Aécio Neves nas eleições daquele ano. Dilma cedeu.
Foi Dilma quem assinou o indulto presidencial que permitiu a Valdemar, em prisão domiciliar desde novembro de 2014, ter a pena extinta por ordem do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, em maio de 2016.
No Brasil, ser presidente de um partido político é um negócio e tanto. Ninguém precisa correr atrás de recursos para pagar aluguel, remunerar funcionários, comprar passagens aéreas e organizar eventos. A verba chega pontualmente todo mês, vinda do contribuinte na forma de fundo partidário, cujo montante varia conforme o tamanho da sigla. Neste ano, o PL de Valdemar receberá da União o equivalente ao orçamento de uma cidade grande. Dos 5 mil municípios brasileiros, menos de 200 têm orçamento superior a 1 bilhão de reais – a soma que o partido de Valdemar irá embolsar até dezembro, reunidos os fundos partidário e eleitoral.
“Presidentes de partidos como o PL têm poder de ministros de Estado e orçamentos equivalentes aos de prefeitos, com a diferença que a fiscalização dos seus gastos é menos rigorosa”, diz Michel Saliba, advogado especializado em direito eleitoral. Como é o presidente do partido quem dá a palavra final sobre quanto cada candidato (a vereador, deputado ou governador) receberá para a sua campanha, em grande medida está nas mãos dele o destino de cada político. “O presidente de um partido é o senhor das eleições”, acrescenta Saliba. Isso se aplica também ao plano federal: do clube dos chefões saem os lances que podem definir o rumo das eleições presidenciais. Na campanha de 2018, a opinião de Valdemar foi fundamental para isolar a candidatura de Ciro Gomes (PDT), o que acabou deixando o petista Fernando Haddad correr praticamente sozinho na raia da esquerda.
De todos os dirigentes das grandes siglas em atuação, Valdemar é o único que pode ser chamado de “dono” do seu partido. Gleisi Hoffmann (PT) e Baleia Rossi (MDB) presidem suas legendas de forma colegiada. Ciro Nogueira divide o poder no PP com o presidente da Câmara, Arthur Lira. Antônio de Rueda, que recentemente destronou Luciano Bivar do comando do União Brasil em meio a uma disputa que incluiu até casas incendiadas, é sócio de ACM Neto, que presidia o antigo dem. Marcos Pereira (Republicanos) precisa prestar contas à Igreja Universal, que tem forte influência sobre o partido e da qual ele é bispo licenciado. Mesmo Gilberto Kassab, fundador do PSD, não tem completo domínio da sua legenda em todos os estados.
Com Valdemar é diferente.
Ele diz ter aprendido com o ex-presidente do PL, Álvaro Valle, a quem sucedeu em 2000, que num partido é preciso ter comando. E para ter comando é preciso dispensar certas formalidades. Valdemar não gosta que os membros do Diretório Nacional do PL, quando votam numa convenção, queiram saber no que estão votando. Foi o caso de dois amigos seus que integravam o colegiado. Às vésperas de uma convenção, Valdemar telefonou para um deles avisando que estava mandando uma procuração para que assinasse. O amigo disse que queria ir a Brasília votar pessoalmente, dispensando a procuração. Valdemar alegou que não queria ter despesas com a viagem. “Eu vou por minha conta”, insistiu o amigo. Chegando à sede do partido em Brasília, ele estranhou a lista dos membros do diretório pregada na parede.
– Valdemar, meu nome não tá na lista.
– Não tá mesmo. Você não faz mais parte, tá fora – respondeu.
A mesma solução coube ao segundo amigo que ligou para Valdemar depois que lhe pediram para assinar a procuração.
– Queria saber o que é isso aí que a gente vai votar – perguntou o amigo.
– Para saber, você tem de vir a Brasília – cortou Valdemar.
– Mas você não pode pedir para alguém me explicar?
– Não precisa assinar mais – respondeu.
Assim que desligou o telefone, mandou a secretária tirar o nome do amigo da lista do diretório.
Valdemar diz que os episódios aconteceram porque “existe muita confiança entre ele e os dirigentes dos diretórios”. Muitas votações acontecem por procuração, segundo ele, para reduzir os gastos do partido (com hospedagem e alimentação, por exemplo). “Se todos viessem a Brasília para votar, o custo seria enorme.”
Se o presidente do PL não tem atributos que o eleitor aprecia, é certo que seu estilo agrada a muitos políticos: diz na lata o que quer, manda no seu partido e cumpre acordos. “Valdemar falou, tá falado”, dizem aliados. Ele se orgulha da fama e cuida de espalhá-la.
No troca-troca de partidos permitido pela janela partidária, os políticos interessados em se candidatar a cargos eletivos querem saber, das siglas que irão abrigá-los, quanto receberão do fundo eleitoral para fazer suas campanhas. É sempre o presidente do partido quem dá a palavra final sobre esse montante. Valdemar, quando recebe um candidato no PL, define na hora a quantia que ele vai receber – a partir de uma tabela preestabelecida – e, com o político ainda na sala, chama a secretária para que anote e deixe registrado o total prometido. “É para o caso de o avião em que eu estiver cair”, costuma dizer.
A sacrossanta palavra de Valdemar, porém, não foi provada por todos. O ex-vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos deixou o PL quando o partido decidiu abrigar Jair Bolsonaro. A saída do partido foi negociada de forma amigável com Valdemar. Por escrito, o presidente do PL se comprometeu a abrir mão do direito de reivindicar para a sigla o cargo de vice-presidente da Câmara. No trato, Ramos continuaria a ocupar o posto, mesmo tendo migrado para o PSD. Ocorre que Bolsonaro, incomodado com as críticas que Ramos continuava a lhe fazer, pressionou Valdemar a tomar-lhe o cargo. Em abril Ramos se filiou ao PT, pelo qual é candidato à prefeitura de Manaus.
Conta Ramos: “O Valdemar me telefonou sem jeito e disse que teria de pedir a vice-presidência para o PL. Eu respondi: ‘Presidente, o senhor tem a fama de ser um homem de palavra. Pois eu estou aprendendo que nem a sua palavra vale alguma coisa, nem a sua assinatura.’” Ramos deixou a vice-presidência da Câmara em maio de 2022 e só voltou a se comunicar com Valdemar no dia 8 de janeiro do ano passado.
De férias com os filhos no interior do Amazonas, Ramos demorou a tomar conhecimento do que se passava naquela data em Brasília. Quando, no fim da tarde, viu pela internet as imagens da depredação bolsonarista na Praça dos Três Poderes, não se conteve e escreveu para Valdemar, via WhatsApp: “Eu tenho vergonha de um dia ter estado ao seu lado. É um absurdo você permitir que um partido se preste a ser instrumento desse grupo contra a democracia.” Ao que Valdemar respondeu, com elegância sucinta: “Vai tomar no cu.”
Os dois nunca mais se falaram.
Valdemar destituiu Ramos da vice-presidência por pressão de Bolsonaro. Também por pressão de Bolsonaro demitiu seu assessor e marqueteiro de quase trinta anos, Vladimir Porfírio. E, segundo disse em depoimento à Polícia Federal, foi igualmente por pressão de Bolsonaro que aceitou questionar as urnas eletrônicas na Justiça. Por isso, seu partido teve que pagar uma multa de 23 milhões de reais. Além disso, seu nome foi incluído no inquérito da Operação Tempus Veritatis, que investiga a intentona golpista que pretendia subverter o resultado das eleições de 2022.
Bolsonaro trouxe uma penca de problemas para Valdemar, mas lhe deu sobretudo alegrias. Quando o ex-presidente se filiou ao PL, a legenda tinha 42 deputados, sendo o mais famoso deles o ex-palhaço Tiririca. Hoje, tem 99, entre eles uma dezena de puxadores de votos, como Nikolas Ferreira, o novo preferido do chefe do PL na bancada da Câmara.
“O Bolsonaro mudou a minha vida”, costuma dizer Valdemar. Até 2021, nenhuma menção na imprensa ao nome do presidente do PL vinha sem o epíteto obrigatório – “Valdemar, o mensaleiro”. Com medo de ser reconhecido, evitava restaurantes e só ia ao aeroporto de calça jeans, camiseta e boné – o “disfarce” que desenvolveu para substituir o terno e gravata, associado aos políticos.
Bolsonaro deu a Valdemar mais do que a possibilidade de mostrar a cara de novo. Com a entrada do ex-presidente no PL, ele passou a usufruir de uma popularidade que nunca havia experimentado, num sinal de que a ética da direita radical é bem mais complacente com os seus próprios ex-condenados do que com os ex-condenados dos outros. “Hoje vem gente pedir para tirar foto comigo”, alegra-se. Em contrapartida, Valdemar deu a Bolsonaro casa, comida e roupa lavada – o que, nesse caso, não é força de expressão. O PL paga o salário, os assessores, os advogados e o aluguel da residência de Bolsonaro. Até da alimentação o partido cuida. No ano passado, Valdemar, preocupado com o fato de que Bolsonaro “só comia Miojo”, mandou reformar e equipar a cozinha da sede do partido, em Brasília, para deixá-la em condições de providenciar almoços “mais saudáveis” para o ex-presidente.
Valdemar trata sua galinha dos ovos de ouro com mimos e paciência. Pouco antes do Natal do ano passado, Bolsonaro marcou com ele uma reunião em Brasília para discutir a eleição municipal de São Paulo. Estiveram no encontro os deputados Mario Frias, Luciano Zucco e Ricardo Salles, todos do PL. Bolsonaro queria Salles como candidato do partido na capital. Já Valdemar defendia que o PL deveria se juntar ao MDB para apoiar a reeleição do atual prefeito, Ricardo Nunes. Na reunião, argumentou:
– Bolsonaro, o Salles tem 6%, o Nunes tem 16%.
– Ele vai crescer, vai crescer.
– Mas, Bolsonaro, o Salles, para ter chance de ir para o segundo turno, tem que atacar o Nunes. Isso só é bom para o [Guilherme] Boulos. Olha, não se preocupe: eu libero o Salles para ele sair do partido. Dou a carta para ele sair na hora que quiser.
– Eu não quero que ele saia do partido, pô. Eu quero que você dê a legenda para ele concorrer – insistiu Bolsonaro.
Valdemar suspirou. De cabeça baixa e olhos fechados ficou em silêncio alguns segundos, antes de dizer:
– Bolsonaro, eu devo tudo a você. O que você decidir vai ser. Se você quiser mesmo, o Salles é o candidato.
O ex-presidente, então, recuou:
– Assim, não, assim, não! Não vou meter a faca no seu pescoço. Eu quero que o candidato seja o Salles, mas você tem de querer também.
Na leitura de um dos presentes ao encontro, o que tanto Valdemar quanto Bolsonaro fizeram naquela tarde não passou de mau teatro. Valdemar fingiu que, mesmo contrariado, cederia ao ex-presidente – e Bolsonaro fingiu para os deputados presentes que, até a última hora, tinha brigado pelo nome de Salles. “Na verdade, Valdemar nunca abriria mão de Nunes, e Bolsonaro queria mesmo era ganhar crédito para emplacar Alexandre Ramagem como candidato a prefeito no Rio”, disse o participante do encontro.
Os três deputados do PL que estavam na reunião pertencem à ala bolsonarista do partido na Câmara, composta em sua maioria por novatos, estridentes e extremistas. Valdemar pisa miúdo com ela. Ora tem de contê-la, ora tem de agradá-la.
Em janeiro, precisava a todo custo agradá-la. No dia 12 daquele mês, uma entrevista sua ao Diário de Mogi viralizou nas redes sociais. Nela, Valdemar, instado pelo jornalista Darwin Valente a comparar Bolsonaro e Lula, disse que eram pessoas “completamente diferentes”. Lula, afirmou, embora não possua o “carisma que o Bolsonaro tem”, desfruta de “muito prestígio e popularidade”. E ainda acrescentou que Lula tinha “ido bem no governo” e que “inclusive elegeu a Dilma”.
Foi o suficiente para deixar Bolsonaro furioso. Enciumado, o ex-presidente disse em conversa com apoiadores no Rio que havia “pessoa do partido” dando “declarações absurdas”, que poderiam “implodir” a sigla. Valdemar, no dia seguinte à divulgação da entrevista, declarou o de sempre: que sua fala fora reproduzida fora de contexto. Pediu desculpas a Bolsonaro, que as aceitou. Mas o estrago estava feito. Petistas como Lindbergh Farias ironizaram o vídeo da entrevista, dizendo que PL agora significava “Pró-Lula”. Influenciadores bolsonaristas disseram que Valdemar tinha “finalmente mostrado a sua verdadeira face”.
Não por coincidência, treze dias depois do episódio, o ainda chamuscado Valdemar veio a público defender o impeachment de Alexandre de Moraes, sabendo, claro, que a ideia do afastamento do ministro do Supremo Tribunal Federal é música para os ouvidos dos deputados bolsonaristas. No entusiasmo da entrevista, dada ao UOL, acrescentou que o senador Rodrigo Pacheco (PSD), presidente do Congresso, era um “frouxo” por não tomar a iniciativa de abrir um processo contra Moraes – apenas o Senado pode promover sanções contra os ministros do STF.
Pacheco não gostou de entrar como figurante na tentativa de Valdemar de afagar a bancada bolsonarista. No X, postou, sem mencionar o nome do presidente do PL, que considerava difícil conversar com gente que “defende publicamente impeachment de ministro do Supremo para iludir seus adeptos, mas, nos bastidores, passa pano quando trata do tema”.
O que pouca gente observou é que, na mesma postagem, Pacheco fez uma enigmática menção à suposta incapacidade de Valdemar de organizar a oposição para aprovar a limitação de decisões monocráticas do STF. Era uma alusão velada ao café da manhã que Valdemar compartilhou com Moraes no fim do ano passado, e que nunca foi tornado público. Em novembro, o ministro do STF convidou o presidente do PL ao seu apartamento funcional em Brasília para pedir-lhe que ajudasse a “sensibilizar” senadores do partido a votarem contra a Proposta de Emenda à Constituição que diminuía o poder dos ministros do Supremo. A PEC impunha limites às decisões monocráticas – aquelas que um magistrado toma sozinho, sem consultar seus pares. Valdemar se prontificou a atender Moraes e telefonou para parlamentares do partido, mas a PEC acabou sendo aprovada em dois turnos no Senado. A menção que Pacheco fez ao assunto em seu tuíte tinha o único propósito de deixar claro que ele sabia o que Valdemar andou fazendo no verão passado com o ministro cujo impeachment ele agora pedia publicamente.
Valdemar não demonstra interesse algum por assuntos como a desigualdade social, descriminalização da maconha, desmatamento da Amazônia e outros temas da pauta nacional. Da mesma forma, conversas sobre administração pública parecem aborrecê-lo, assim como questões da economia. Quando indagado sobre o que seu partido pensa a respeito da inflação, situação da moeda, arrecadação e gasto do governo, Valdemar sai de fininho: “O Rogério Marinho [senador do PL] é o nosso craque na área econômica.” Se o interlocutor insiste, ele tem na ponta da língua a única afirmação incontroversa relativa ao tema: “Nós somos totalmente contra aumentos de impostos.” E daí não passa.
A aversão ao debate ideológico e a plasticidade de suas convicções fizeram Valdemar transformar seu PL numa fulgurante exceção nesses tempos de polarização – o raro caso de uma sigla em que cabem, ao mesmo tempo, muito de Jair Bolsonaro e um pouco de Lula. O partido acomoda bolsonaristas raiz, como Bia Kicis, Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro, e também parlamentares que votam sistematicamente com o governo, como João Carlos Bacelar, Luiz Carlos Motta, Junior Lourenço e Fernando Giacobo. Por serem nomes próximos a Valdemar, eles compõem a ala que bolsonaristas chamam de “PL do V” – o PL do Valdemar. Como esses parlamentares estão entre os que mais receberam emendas individuais no primeiro semestre do governo Lula, também foram apelidados de “emendistas”. Dizem deputados do PL que, com os bolsonaristas, Valdemar faz votos, e com os emendistas pisca para o governo. “A relação de Valdemar com o governo do PT não poderia ser melhor”, confirma, não sem ironia, um expoente petista com livre trânsito no Palácio da Alvorada.
Em outubro de 2021, quando estava quase certa a entrada de Jair Bolsonaro no PL, Lula mandou um emissário até Valdemar. Queria saber se o casamento com o rival era irreversível ou se ainda havia espaço para uma conversa. O mensageiro ouviu de um penhorado Valdemar que a conversa com Bolsonaro de fato estava “bem adiantada”, mas apenas porque ele “não poderia imaginar” que Lula, inelegível até seis meses antes, seria candidato nas eleições de 2022. Em seguida, para surpresa do emissário, acrescentou: “Mas diga ao Lula para ficar tranquilo. Se ele ganhar, no dia seguinte estarei com ele.”
Os “emendistas” são a prova que, de alguma forma, Valdemar cumpriu sua promessa.
Há coisas que só acontecem nos filmes e na política.
O script da vida de Valdemar Costa Neto é uma evidência disso. De playboy de Mogi das Cruzes, filho de prefeito de direita, virou o poderoso sócio de um bem-sucedido governo de esquerda. Desse patamar, despencou para o fundo do poço, transformado em inquilino da Papuda. Quando se pensava que estava morto, surgiu das profundezas, na pele de presidente do maior partido político da direita radical do Brasil, acusado de ser a voz civil do golpe.
Nas eleições municipais deste ano, inteiramente pacificado com as urnas eletrônicas, o PL de Valdemar almeja fazer até mil prefeituras. Na de 2026, calcula que fará até 35 senadores e também o presidente da República – seja o governador paulista Tarcísio de Freitas (que, hoje no Republicanos, deve migrar para o PL, como crê Valdemar), seja Michelle Bolsonaro, a titular do seu inconfesso plano B. Para atingir esses objetivos, ele conta com seu talismã, Jair Bolsonaro – recentemente elevado à categoria de plano C.
No início de maio, Valdemar declarou que o PL condicionaria seu apoio nas eleições para as presidências da Câmara e do Senado à defesa de propostas de uma “anistia” a Bolsonaro. O ex-presidente foi tornado inelegível por oito anos em junho do ano passado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Porém, já no dia seguinte à declaração, Valdemar maneirou o próprio discurso. Disse que era “muito cedo” para tratar de assuntos como esse com os candidatos aos comandos do Senado e da Câmara. Aliados são os primeiros a dizer que o presidente do PL nunca cogitou seriamente sacrificar os sagrados interesses embutidos nas eleições para o comando das duas Casas por um projeto com tão poucas chances de vingar, como o da reabilitação eleitoral do ex-presidente.
A intenção de Valdemar ao colocar a “proposta” de anistia de Bolsonaro na mesa foi afagar a fatia bolsonarista do PL e dar uma lustrada na imagem do ex-presidente, que de troféu empalhado na parede ganhou ares de bicho vivo, ao menos no plano das ideias. O fato é que Bolsonaro serve a Valdemar em qualquer situação, inclusive preso – situação cogitada e temida pelo ex-presidente, que em fevereiro chegou a dormir duas noites na Embaixada da Hungria, depois de ver ex-assessores seus irem para a cadeia.
Um conselheiro, inclusive, andou soprando para Valdemar que, como cabo eleitoral, Bolsonaro pode valer mais detrás das grades do que solto. “Uma coisa é um prefeito ou vereador receberem o apoio do Bolsonaro”, diz o assessor. “Outra coisa é esse prefeito ou vereador se colocarem como defensores do Mito que está preso. Vira uma causa nobre. Vira uma causa gigantesca”, acredita o conselheiro. Valdemar registrou o raciocínio com ouvidos bem atentos.
Às vésperas do Carnaval, Valdemar confidenciou a interlocutores sobre seu “pressentimento” de que investigadores poderiam aproveitar o feriado para fazer “alguma maldade com Bolsonaro”. Para sua surpresa, acabou sendo ele mesmo o alvo da “maldade”. No dia 8 de fevereiro, depois de uma operação de busca e apreensão da Operação Tempus Veritatis, Valdemar acabou amargando três dias na cadeia, por causa de um revólver com licença vencida encontrado em seu apartamento em Brasília.
A volta ao cárcere o deixou abalado, como ficou claro pouco depois. No dia 22 de fevereiro, quando os investigados da Tempus Veritatis foram ouvidos simultaneamente pela Polícia Federal, Bolsonaro preferiu ficar em silêncio. Outros treze investigados seguiram o exemplo do ex-presidente, incluindo o general Walter Braga Netto, o general Augusto Heleno e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier. Valdemar fez questão de falar.
Diante dos investigadores, respondeu a todas as perguntas e reiterou não concordar com a fala de Bolsonaro de que teria havido fraude nas urnas eletrônicas. Mais significativo que isso, depois do depoimento, determinou o desligamento do PL de Braga Netto, ex-ministro e ex-candidato a vice de Bolsonaro. O general é apontado por investigadores como um dos líderes da intentona golpista, encarregado de mobilizar os quartéis e incentivar manifestações em frente à residência dos comandantes das Forças Armadas para que aderissem ao golpe.
Valdemar, aproveitando-se do fato de que estava impedido legalmente de se comunicar com o general, que, por sua vez, não tinha permissão para falar com Bolsonaro, fez divulgar que havia suspendido o salário de Braga Netto. Também cortou o pagamento de um ex-assessor do militar. Sem emprego, sem função e com tantas despesas, Braga Netto, que vive em Brasília, agora só vai a eventos do PL em outros estados quando é convidado e lhe pagam a passagem.
Os bolsonaristas desconfiaram que o movimento de Valdemar fosse um plano para jogar os militares aos leões – incluindo o próprio Bolsonaro – de modo a salvar duas coisas preciosas para o presidente do PL: a própria pele e o fundo partidário, cujo bloqueio o Ministério Público já pedira ao Tribunal de Contas da União. O MP suspeita que o PL usou recursos públicos para financiar atos golpistas. A amigos próximos, Valdemar segue repetindo que nunca irá romper com Bolsonaro. “Enquanto eu estiver vivo, e o Bolsonaro também, minha vida vai ser assim”, diz.
Aliados têm aconselhado o presidente do PL a se candidatar a deputado federal por São Paulo. Valdemar afirma que não quer, mas não faz rodeios ao dizer que o motivo por trás da ideia é a obtenção da imunidade parlamentar. “Os amigos querem que eu me candidate por causa do que me aconteceu”, diz ele, referindo-se à prisão em fevereiro.
Em agosto, Valdemar fará 75 anos. Diz sentir o peso da idade. “Quando eu tinha 66, jogava tênis ainda. Agora tenho remendo em todo lugar.” Com 1,80 metro de altura e 90 kg, ele faz musculação e pilates quatro vezes por semana. Recentemente, perdeu 5 kg com injeções de Ozempic. Do gosto por carrões, uísque e cassinos, conserva apenas os dois últimos, agora com moderação. No ano passado, fez mais uma de suas incontáveis viagens a Las Vegas, nos Estados Unidos.
O escritor Nelson Rodrigues criou a figura do canalha honesto. Palhares, aquele que “não respeitava nem as cunhadas”, era capaz de fazer qualquer negócio para satisfazer os desejos da carne. Fingia-se comunista, freudiano, crente ou adepto do nudismo. Admitia a torpeza dos métodos, mas defendia que valia tudo em nome da sua vontade confessa.
Valdemar é o Palhares da política. Professa estratégias e fraquezas em voz alta – e o faz, dizem pessoas próximas, um pouco por estilo, um pouco por desfaçatez, um pouco por vício. Como presidente de partido, ele não tem de se dirigir aos eleitores. Fala para os seus e dispensa, assim, plateia e filtro. Valdemar exerce o poder político sobre os políticos – dentro da política. Não é um poder pequeno. Como integrante do restrito clube dos presidentes de grandes siglas do país, não há bastidor relevante de que não participe. No orquidário da política nacional, Valdemar é uma de suas mais finas flores.
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