João Paulo de Carvalho e Honeyboy Edwards. Depois de acelerar a velocidade da televisão brasileira, João decidiu experimentar com a lentidão. Foi como passar do rock para o blues FOTO: WALTER CARVALHO_1989
O príncipe dos tempos
Meu amigo João Paulo de Carvalho, que mandou e desmandou no ritmo da tevê brasileira
João Moreira Salles | Edição 131, Agosto 2017
Da primeira vez que vi João Paulo de Carvalho eu estava com frio e com sono. Foi por volta das três da manhã, numa ilha de edição da antiga Rede Manchete, no Rio de Janeiro. Meu irmão Walter editava uma série sobre o Japão que eu ajudara a escrever. Fazia meses, entrávamos na ilha à uma da manhã e saíamos às oito, mau horário para sinapses. Walter girava em falso naquela noite – não achava o ponto de determinado corte –, e a cada vez que a fita voltava tínhamos de ouvir o mesmo fragmento de frase de novo e de novo. Era exasperante, como se tivessem amarrado o tempo.
Foi quando a porta da ilha se abriu e entrou pela sala um sujeito pequeno, magro e de cabelo encaracolado, cujas feições, na penumbra, eu não distingui. Parou atrás do Walter, que lhe falou do problema. O cara cruzou os braços e pediu que voltassem a fita. Assistiu. “De novo.” Cravei os olhos nele e notei uma coisa estranha: embora seu tronco não se mexesse, havia nele a iminência de movimento, coisas represadas, como se molas corressem por dentro do esqueleto, recolhidas mas prestes a se soltar. De olho numa imagem que corria rumo ao ponto fatal do corte, João Paulo esperava para dar o bote. Ela veio, veio, percebi o esboço de um sorriso e ele soltou, suave: “Quíu…!” (o inglês cue, distendido à brasileira – todos nós passaríamos a pronunciar igual).
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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