Se você tem heróis, é melhor que nunca tope com um deles ao vivo FOTO: BRIAN GRIFFIN_NATIONAL PORTRAIT GALLERY
O quinto Beatle
Um produtor musical que sabia enxergar o conjunto
George Martin | Edição 75, Dezembro 2012
Em 1962 eu não fazia a menor ideia de que estaria aqui conversando com você sobre os Beatles. Devo dizer que sou muito grato por isso.
A maior qualidade que um produtor musical pode ter é a capacidade de enxergar o conjunto. Em geral, quando um artista grava uma música, ele não escuta o todo. Só escuta ele mesmo. É como quando a gente é criança e vê uma foto da turma da escola, com muitos alunos. A primeira coisa que você pensa é: onde é que eu estou? O mesmo acontece com o músico. Quando vai ouvir a gravação, ele só escuta a si mesmo. Mas o produtor tem que sentar, relaxar, enxergar a coisa toda em perspectiva, e captar o sentido global daquilo.
Se eu tiver uma ótima ideia, não vou propagando aos quatro ventos: “Atenção, minha gente, temos que fazer assim!” Eu digo: “O que você acha?” Aí o músico começa a pensar. Depois de um tempinho, você consegue fazê-lo achar que a ideia foi dele.
Daqui a 100 anos, todos nós vamos ser ligeiramente cor de café.
Meu pai era carpinteiro, minha mãe costureira. Nossa família era muito amorosa, apesar de não ser rica. Éramos muito pobres. Mas se meu pai achasse alguma coisa na rua, nunca guardava para ele. Dizia: “Não me pertence.” Ele tinha essa ética do trabalho e de ganhar o próprio sustento.
Se eu pudesse abolir uma coisa no mundo, seria a televisão. Mas é claro que eu tenho uma na minha casa e assisto às novelas como todo mundo.
O dinheiro é como o amor. Só é importante se você não tem.
Tenho muitas favoritas entre as canções dos Beatles. Se eu tiver que escolher uma do John, vai ser Strawberry Fields Forever. Foi uma inovação incrível – uma revelação. Letra belíssima, harmonias fantásticas e… a produção musical não deixa a desejar. Do Paul, gosto das mais simples. Acho que a minha favorita é a favorita dele também: Here, There and Everywhere. É muito bem construída. Digna de Schubert, eu diria.
Minha imagem de Deus não é a de um velhinho de barba branca. Imagino um ponto de luz, algo que eu não posso ver nem sentir, mas sei que existe. Tenho certeza absoluta de que existe. É como uma energia, uma energia do bem. Deus é bondade.
Se você tem heróis, é melhor que nunca tope com um deles ao vivo.
John e Paul eram talentos equivalentes que interagiam, mas, acima de tudo, eles competiam. Quando um deles criava algo novo, o outro pensava: “Meu Deus, isso é demais! Será que faço melhor?” E isso era estimulante. Foram grandes artistas individualmente, mas nunca alcançaram sozinhos a glória que tiveram na época dos Beatles.
Meu lugar preferido é a minha casa.
As pessoas dizem que Sgt. Pepper foi um disco composto sob o efeito de drogas. Mas, na verdade, não foi. Claro que eles fumavam maconha, mas nunca durante o trabalho. Às vezes, quando um deles achava que tinha terminado a sua parte, escapulia até a cantina, dava umas tragadas e voltava com um sorriso rasgado.
Se eu usasse drogas na mesma época em que os Beatles usaram, duvido que teríamos hoje os discos que temos.
A música está na essência do nosso ser. Dá para imaginar uma mulher criando um bebê sem cantar para ele? É como respirar, é natural.
Quando tenho uma forte intuição sobre alguma coisa, geralmente o tempo acaba me mostrando que estou certo. Sempre que ouvi a opinião de especialistas, eles invariavelmente estavam errados.
Um dia, há alguns anos, abri um envelope que trazia o timbre do primeiro-ministro. Dizia: “Tenho o prazer de informá-lo de que o senhor foi recomendado para ser sagrado cavaleiro por Sua Majestade, a rainha. Se deseja aceitar essa honra, queira nos avisar preenchendo o formulário anexo. Não voltaremos a procurá-lo.” Fiquei branco e falei: “Caramba!” Minha mulher achou que tinha acontecido algo terrível. Eu não conseguia falar, e passei a carta para ela. Ela leu, ficou branca, e falou: “Caramba!” Fomos ao Palácio de Buckingham, e aí a rainha desembainhou sua espada, mas não tentou cortar a minha cabeça.
Há cinquenta anos, se você fosse pobre, não tinha o que comer. Hoje, se você é pobre, é porque só tem um carro.
Estou quase totalmente surdo do ouvido esquerdo. E caiu a 20% no ouvido direito. Minha audição foi boa a maior parte da vida, mas nos últimos quinze anos se deteriorou muito. Em parte, foi de tanto ouvir música bem alto. Mas acho que também é a velhice. Se você sai na rua aos 86 anos, os pedaços vão caindo no chão, aí você tem que catar e botar no bolso.
Há um pouco do meu pai em mim, e um pouco de mim no meu filho. É muito louco ver um filho fazendo as mesmas coisas que você fez, as mesmas bobagens. Fico pensando: “Meu Deus, por que ele não aprende?” Mas afinal, por que eu mesmo não aprendi?
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