João Doria e Jair Bolsonaro, logo depois da eleição de 2018: o Instituto Butantan apresentou três propostas de venda da CoronaVac para o governo, que nunca se interessou CRÉDITO: REPRODUÇÃO_TWITTER
O sabotador
Como Bolsonaro agiu, nos bastidores e em público, para boicotar a vacina
Malu Gaspar | Edição 173, Fevereiro 2021
“O ilustríssimo capitão deve estar muito feliz comigo”, dizia um triunfante João Doria na sexta-feira, 8 de janeiro, para quem o questionasse sobre o resultado da batalha travada na véspera. No dia anterior, em entrevista coletiva, o governador de São Paulo anunciara o envio à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do pedido para uso emergencial da CoronaVac, a vacina que o Instituto Butantan produzira em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac. Era o último passo para começar a vacinação no Brasil. Na entrevista, o público foi informado sobre alguns dados da vacina, mas o mais importante – a taxa geral de eficácia – não apareceu. A falta de transparência gerou críticas generalizadas, mas a notícia de que o país teria um imunizante em breve, assim que a Anvisa desse o sinal verde, deu ao evento ares de celebração.
Consciente da importância do momento num país que naquele dia chegara a 200 163 mortos na pandemia, Doria caprichou no discurso, com voz embargada e olhos marejados: “Hoje, 7 de janeiro, é o dia da vida, é o dia da existência. Com todos os cuidados que ainda deveremos ter ao longo deste ano, mas temos a esperança, a esperança da vacina. E a esperança ajuda a fé, a confiança melhora a sua imunidade, porque o seu coração pulsa melhor, porque muito em breve você terá a sua vacina.” Não demoraram a surgir memes em que Doria era retratado como herói. Outros resgataram o funk do paulista MC Fioti, um hit em 2017, que diz: vai com o bum bum tam tam/vem com o bum bum tam tam. (Dias depois, o próprio funkeiro aproveitou a maré e fez um remix em defesa da vacina no qual bum bum tam tam se associa a Butantan. A audiência explodiu. Doria amou e parabenizou o artista pelo “sucesso retumbante, butantante”.) Em outra paródia, feita pelo músico carioca Edu Krieger, da canção Vitoriosa, de Ivan Lins, a letra dizia que a “Covid até me fez torcer pro Doria”.
Enquanto o governador paulista faturava com a apresentação da vacina, a 1 mil km dali, no Salão Oeste do Palácio do Planalto, um tenso e irascível Eduardo Pazuello, o general da ativa que comanda o Ministério da Saúde, tentava fazer parecer natural e planejada a entrevista coletiva marcada às pressas para reagir à jogada de Doria. Em menos de 24 horas, Pazuello tivera que gravar um pronunciamento em vídeo e, na entrevista convocada na última hora, explicou que estava assinando um acordo para a compra de 100 milhões de doses da CoronaVac, dois meses depois de ter recebido ordens do presidente Jair Bolsonaro para não comprar nenhuma dose. “É uma guerra, e nós precisamos usar todas as armas necessárias para poder vencer”, disse o general aos jornalistas. “É o momento em que o país precisa estar o mais unido possível. É o momento em que a saúde não pode ter bandeiras, partido ou ideologia.”
Pazuello garantiu que não havia preconceito contra o Butantan. Os repórteres é que insistiam numa briga inexistente, dizia o ministro, que, com o desenrolar da entrevista, foi ficando contrariado ao notar que quando fazia um gesto mais largo, os fotógrafos disparavam os flashes, produzindo um ruído alto que dominava o ambiente. “Cada vez que eu aponto o dedo, nego tira foto. Mas é a forma de falar. É impressionante, né?”, reclamou. Depois de informar que o ministério já acertara a entrega de 254 milhões de doses (que podiam chegar a 354 milhões, incluindo agora a CoronaVac), elevou o tom de voz. “Isso precisa ser dito! Foi falado cinquenta vezes! Isso precisa ser dito! Que inoperância é essa que o Ministério da Saúde tem se há cinco meses nos posicionamos para isso?!” Ao todo, Pazuello passara uma hora distribuindo queixas e broncas e foi-se embora sem responder às perguntas dos jornalistas, deixando a tarefa para seus auxiliares.
Naquela manhã, aos apoiadores que costumam esperá-lo à saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro perguntou: “Quem é que vai tomar vacina aqui? Não estou fazendo campanha nem contra nem a favor. A vacina emergencial não tem segurança ainda e ninguém pode obrigar alguém a tomar algo que você não tem certeza das consequências.” À noite, no entanto, já depois do anúncio de Doria e da comemoração, até o círculo mais próximo ao presidente avaliava que o governador paulista ganhara uma batalha relevante na guerra da vacina. Naquele dia, cerca de cinquenta países já tinham vacinado quase 18 milhões de pessoas.
Capitão é como o primeiro escalão de Doria costuma se referir a Jair Bolsonaro. Por vezes, o governador também o chama de “conjunto de fracassos”. Nem sempre foi assim. Nas eleições de 2018, em sua campanha para governador, Doria desprezou o candidato presidencial do seu partido, o tucano Geraldo Alckmin, e cerrou fileiras com Bolsonaro, estimulando o que batizaram de voto “BolsoDoria”. Mas, na verdade, apenas fingiam que se tratava de uma relação amistosa. Desde a campanha, nos bastidores, Doria se enervava com o comportamento e as roupas do “capitão”, que considerava bregas e inadequadas. Também pelas costas, o presidente debochava do visual de Doria, que chamava de “calça apertada”, expressão que o bolsonarismo passou depois a usar abertamente. Ainda assim, continuaram formalmente aliados até meados de 2019, quando Bolsonaro, insatisfeito com as pretensões presidenciais de Doria, começou a fustigá-lo com a proposta de transferir a etapa brasileira da Fórmula 1 de São Paulo para o Rio de Janeiro.
Com a chegada da pandemia, o que era ruim ficou ainda pior. Doria jamais admitiu publicamente que planeja candidatar-se a presidente em 2022, mas nos bastidores não perde a chance de discretamente analisar a ideia em conversas com políticos, especialistas em opinião pública e marqueteiros. Em outubro, quando a pandemia parecia arrefecer, teve uma dessas conversas e analisou seus números. Antes da pandemia, 30% dos brasileiros sabiam quem era Doria, mas em outubro esse número já chegara a 60%. O problema é que, no máximo, 20% avaliavam seu trabalho positivamente e apenas 6% diziam votar nele. Mas o analista observou que havia uma janela de oportunidade no caminho: a vacina. Como entre 75% e 80% das pessoas queriam um imunizante, Doria, se fosse o primeiro a entregá-lo “aos brasileiros”, ficaria mais conhecido e mais bem avaliado. Ele arregaçou as mangas.
Do início da pandemia até 20 de janeiro de 2021, o governo de São Paulo já realizou 167 entrevistas coletivas sobre o coronavírus, muitas delas transmitidas por canais de tevê e todas pelas redes sociais do governo e do governador. Doria foi ao aeroporto receber as doses de CoronaVac quase todas as vezes que os carregamentos chegaram da China – e posou para fotos diante dos contêineres envelopados em banners azuis com a bandeira nacional e a inscrição “A vacina do Brasil”. O visitante que esteve com Doria em outubro saiu do Palácio dos Bandeirantes com uma certeza: “Doria sabe que a vacina é a sua melhor chance para chegar à Presidência, e vai fazer tudo o que puder para ter esse trunfo.”
Bolsonaro, que vive de olho em 2022, sentiu o movimento. O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, nunca esqueceu o dia em que viajou para São Paulo para anunciar, ao lado de Doria, a antecipação da campanha de vacinação contra a gripe. Ainda era final de fevereiro de 2020, e o governo queria diminuir a incidência de doenças respiratórias, numa tentativa de reduzir a procura por ambulatórios e hospitais Brasil afora, já em preparação para a pandemia que viria. Mandetta sabia que Bolsonaro não ia gostar da ideia. “Esse Doria fica tirando casquinha dos meus ministros, eu não quero isso, não”, respondeu Bolsonaro, quando consultado por Mandetta sobre o anúncio conjunto. O ministro insistiu: “Mas, presidente, fomos nós que contratamos o Butantan, pagamos 1 bilhão de reais! Não ir para São Paulo vai significar deixar o Doria surfando sozinho.” Bolsonaro cedeu. Só que, durante o evento, ao ver Mandetta e Doria lado a lado, Bolsonaro não gostou e passou a ligar insistentemente para o ministro, que, falando ao microfone, não percebeu o celular tocar. Só ao sair, Mandetta retornou a chamada. Um auxiliar do presidente disse que Bolsonaro insistira nas ligações porque queria que o ministro levantasse da cadeira e saísse da cerimônia imediatamente. Mandetta nunca tocou no assunto com o presidente, que tampouco mencionou o episódio. “Mas ali”, relembra o ex-ministro, “acho que ele magoou. Nunca mais foi a mesma coisa.”
Doria também fez sua parte para tornar-se o antagonista preferencial do presidente. No fim de março, no dia seguinte ao pronunciamento em que Bolsonaro disse que a Covid não passava de uma “gripezinha”, ele confrontou o presidente numa reunião virtual com governadores da região Sudeste. “Presidente Bolsonaro, inicio, na condição de cidadão brasileiro e também de governador do estado de São Paulo, lamentando seu pronunciamento de ontem à noite à nação. […] O senhor, como presidente da República, tinha que dar o exemplo. Tem que ser um mandatário para comandar, para dirigir e para liderar o país e não para dividir.” Bolsonaro ficou furioso: “Desde o final das eleições de 2018, vossa excelência assumiu uma postura completamente diferente daquela que teve comigo, até por ocasião do meu pronunciamento na ONU. Hoje subiu à sua cabeça a possibilidade de ser o presidente da República. Não tem responsabilidade, não tem altura para criticar o governo federal que fez completamente diferente o que outros fizeram no passado. Vossa excelência não é exemplo para ninguém.”
Desde então, Bolsonaro juntou sua descrença nas medidas de combate ao coronavírus – confinamento, máscara, vacina – com um boicote implacável às iniciativas adotadas pelo governador de São Paulo para frear a pandemia. A principal sabotagem recaiu sobre a vacina. Por meses, o governo paulista tentou montar um portfólio de imunizantes que incluísse fornecedoras estrangeiras, mas, em determinado ponto, as conversas foram suspensas. Dois fabricantes disseram que não poderiam continuar as tratativas. Tinham sido avisados “pelo Ministério” que, se negociassem com São Paulo, teriam problemas com o governo federal. No dia 11 de junho do ano passado, quando o Butantan anunciou seu acordo com a chinesa Sinovac e o país registrava 40 919, os bolsonaristas promoveram um boicote nas redes sociais. Pediram que os brasileiros não tomassem a “vacina chinesa do Doria” e levantaram a hashtag “vacinachinesaNAO”.
Apesar do clima de animosidade, o Butantan fez uma oferta ao Ministério da Saúde, que, a essa altura, já estava sob o comando do general Pazuello. Com data de 30 de julho, dia em que o Brasil chegou a 91 263 mortos, o ofício nº 160/2020, assinado pelo diretor da instituição, Dimas Covas, dizia que tinha capacidade de fornecer “60 milhões de doses da vacina a partir do último trimestre de 2020”. O governo federal conversava desde junho com a farmacêutica norte-americana Pfizer, que também tinha um estudo clínico para testar suas vacinas no Brasil. Em 15 de agosto, a Pfizer propôs vender ao Brasil um lote de 70 milhões de doses de sua vacina, capaz de imunizar 35 milhões de brasileiros. O Ministério da Saúde, no entanto, não respondeu à oferta do Butantan, nem à da Pfizer.
Um mês depois, em carta datada de 12 de setembro, o diretor-executivo mundial da Pfizer, o grego Albert Bourla, mandou uma carta ao presidente Bolsonaro pedindo que se manifestasse com urgência se queria ou não a vacina, considerando “a alta demanda de outros países”, segundo revelação feita recentemente pela CNN Brasil. De novo, a oferta foi desprezada. Só em janeiro, quatro meses depois, o governo revelou que decidira não fechar negócio com a Pfizer porque a empresa exigia não ser responsabilizada juridicamente, no Brasil, por eventuais efeitos adversos de sua vacina – uma demanda que a empresa apresentou aos demais países onde seu imunizante está sendo usado, mas que o governo brasileiro considerou inaceitável.
Em setembro, o Butantan e a Fiocruz estavam na fase 3 de testes das suas vacinas. O Butantan trabalhava com a vacina da Sinovac, e a Fiocruz fazia parceria com a Universidade de Oxford e a anglo-sueca AstraZeneca. Os dois imunizantes estavam em estágios muito semelhantes de produção: nenhum tinha ainda a aprovação da Anvisa e os dois institutos previam entregar suas respectivas vacinas em dezembro de 2020 (mais tarde, ambos adiaram seus planos para janeiro de 2021). Apesar disso, o governo, avesso a prestigiar um rival político como Doria, decidiu fechar contrato apenas com a Fiocruz, excluindo o Butantan. E, mesmo assim, o imunizante da Fiocruz não surgiu como opção por esforço de Brasília, mas pelo discreto empenho de técnicos e cientistas e, em particular, de uma pesquisadora sem relação com o governo federal.
A carioca Sue Ann Costa Clemens, de 52 anos, só estava no Brasil por causa da pandemia. Coordenadora do mestrado em vacinologia da Universidade de Siena, programa que ela própria criou, Clemens mora na Itália. Estava visitando o Rio de Janeiro no início do ano, como faz habitualmente, e acabou ficando depois que as fronteiras foram fechadas. Continuava aqui no início de maio, quando recebeu uma ligação do diretor do Oxford Vaccine Group, Andrew Pollard. “Olha, isso é superconfidencial”, começou Pollard na reunião virtual em que apresentou os detalhes da vacina que começara a produzir a partir de janeiro, quando sua equipe sequenciara o genoma do Sars-CoV-2, o vírus da Covid. Clemens sabia que Pollard estava sendo assediado por outras instituições de pesquisa no Brasil, interessadas em participar dos estudos clínicos da vacina de Oxford (incluindo o Butantan). O país era um laboratório perfeito para os testes, não só pela alta prevalência e pela alta taxa de proliferação da Covid-19, mas também por sua tradição em pesquisa e produção de vacinas. Naquele momento, com tantos imunizantes sendo desenvolvidos mundo afora, já estava difícil encontrar centros de pesquisa bons, confiáveis e disponíveis para uma investigação científica tão complexa.
Clemens, que é filha de norte-americanos, ouviu tudo atentamente até o final, quando Pollard pediu: “Queremos que você coordene os testes no Brasil. Você tem interesse?” Mesmo sendo uma pesquisadora experiente – ela preside o comitê científico da Fundação Bill e Melinda Gates, participa de comitês avaliadores de outras duas vacinas contra a Covid e coordenou, em meados dos anos 2000, um estudo com 60 mil voluntários em doze países de uma vacina contra o rotavírus, hoje amplamente usada –, Clemens ficou tocada com o convite. “Saber que ele me escolheu entre tantos interessados me deixou honrada, mas também preocupada”, ela disse em janeiro, em entrevista na qual reconstituiu aqueles dias movimentados.
A preocupação fazia sentido. Oxford precisava recrutar muita gente – de 100 a 140 pessoas por dia, até chegar a 5 mil voluntários – em pouco tempo e em vários locais do país. Com um agravante: Oxford não tinha nem 1 dólar para aplicar no estudo. Clemens pediu uns dias para sondar o ambiente, e logo voltou com a notícia de que a Rede D’Or e as Fundações Lemann, Brava e Telles haviam topado patrocinar toda a pesquisa. O passo seguinte era tentar garantir a fabricação da vacina no Brasil, uma vez que a linha de produção de Oxford é pequena. O ministro da Saúde era o oncologista Nelson Teich quando Clemens fez a primeira reunião virtual com a equipe ministerial, que incluiu a Fiocruz nas conversas.
As negociações ainda estavam em curso quando o primeiro voluntário dos testes da vacina de Oxford foi imunizado no Rio de Janeiro, no dia 3 de julho. O acordo definitivo para que a Fiocruz produzisse a vacina de Oxford só foi assinado no dia 31 de julho. Na véspera, o presidente Bolsonaro, em cujo colo caiu a iniciativa da vacina, já estava comemorando. “Nós entramos naquele consórcio lá de Oxford, pelo que tudo indica vai dar certo, e 100 milhões de unidades chegarão para nós. Não é daquele outro país, tá o.k., pessoal? É de Oxford aí”, disse ele, em sua live semanal.
Como o Ministério da Saúde demorava a responder à oferta de 60 milhões de doses feita pelo Butantan, o governo de São Paulo, interessado em incluir a CoronaVac no plano nacional de vacinação, colocou em marcha uma estratégia em duas frentes. De um lado, Dimas Covas, o diretor do instituto, se reunia com parlamentares, governadores e prefeitos. Afirmava que a CoronaVac seria a primeira vacina disponível no Brasil, discorria sobre suas vantagens em comparação com outros imunizantes e garantia ter condições de abastecer todo o país. Só precisava que o governo federal fizesse a encomenda – a 10,3 dólares a dose – de 60 milhões de doses, que custariam aos cofres públicos cerca de 3,2 bilhões de reais.
Em 18 de agosto, o Butantan enviou um segundo ofício ao governo federal. O Brasil já registrava 109 888 mortos. Sob o número 177/2020, o documento reafirmava a oferta e dava detalhes. Prometia fornecer 45 milhões em dezembro e 15 milhões no primeiro trimestre de 2021, ao custo de 21,50 reais cada dose, e terminava colocando-se à disposição para “tomar no devido tempo as providências necessárias para as entregas”. Mais uma vez, ficou sem resposta.
Em paralelo, o ex-deputado pelo PSDB da Bahia e atual representante do governo de São Paulo em Brasília, Antônio Imbassahy, elaborou uma agenda de reuniões com parlamentares e autoridades do Poder Judiciário para apresentar a CoronaVac. Oficialmente, a ideia era explicar a tecnologia, o processo de produção da vacina, preços e modalidades de contrato. No fundo, era mais que isso: o governo paulista já calculava que, diante da hostilidade do governo federal, talvez fosse necessário brigar nos tribunais pela aprovação, compra ou distribuição de sua vacina. Queria preparar o terreno.
Em 21 de agosto de 2020, em reunião virtual, Doria, Dimas Covas e técnicos do Butantan fizeram uma apresentação aos conselheiros do Tribunal de Contas da União (TCU). Os paulistas sabiam que os membros do tribunal não só tinham o poder de aprovar e rejeitar futuros contratos do governo como acompanhavam de perto a atuação de Bolsonaro contra as medidas de combate à Covid. Podiam ajudar na tarefa de convencer o presidente a comprar a vacina do Butantan.
A aposta de abordar o TCU revelou-se certeira. Dias antes, os conselheiros tinham se reunido com o general Pazuello para conhecer detalhes do contrato da vacina de Oxford. Pazuello respondia a uma série de perguntas até que, indagado sobre os critérios de escolha da vacina, agregou um motivo. “Também tem aí um componente de segurança nacional”, disse, como a sugerir que o governo preferia uma vacina inglesa a uma vacina da China. “Como é que é, ministro Pazuello?”, perguntou o conselheiro Bruno Dantas. “Nós estamos na pior crise de saúde da história do país e o senhor fala em segurança nacional? Se for esse o critério, vai ser preciso justificar muito bem esse contrato.” Pazuello imediatamente se corrigiu, dizendo que o que contava, mesmo, eram os argumentos técnicos. A reunião prosseguiu, mas a insinuação contra a China estava na memória dos membros do TCU quando o pessoal do governo paulista se apresentou ao tribunal. Mostraram que o Brasil corria o risco de dispor de uma vacina e não poder usá-la porque o governo Bolsonaro, por razões eleitorais e ideológicas, não queria comprar a “vaChina” ou “a vacina chinesa do Doria”.
O impasse sobre a compra da CoronaVac pelo governo federal atravessou agosto e todo o mês de setembro, ao final do qual o Brasil chegou a 143 952 mortos. Nesse período, interlocutores de Doria procuraram assessores do general Pazuello e também ministros e autoridades com alguma ascendência sobre Bolsonaro, como Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Fábio Faria, das Comunicações. Queriam agilizar o acordo para garantir a vacina. Quase sempre saíam das conversas sem nenhuma definição. “Mas o capitão, vocês sabem…”, justificavam os ministros, sempre que eram pressionados a ajudar o Butantan. Era a senha para dizer que Bolsonaro era o grande obstáculo.
Até que, no início de outubro, o governo paulista decidiu tentar uma última cartada. Pela terceira vez, o Butantan enviou um ofício ao Ministério da Saúde. Era mais enfático que os outros. Lembrava as duas ofertas anteriores e alertava que era grande a demanda no mercado mundial e também entre estados e municípios brasileiros pela CoronaVac. Esclarecia que a vacina estava “em estágio mais avançado para a administração na população e com cronograma de entrega de grandes volumes já a partir de janeiro de 2021”. E fazia uma cobrança: “O cronograma de fornecimento da vacina, bem como o cenário atual em relação ao desenvolvimento e à produção da vacina no Brasil por este instituto, é o nosso compromisso inarredável que assumimos com o Ministério da Saúde. Sobre esta proposta, solicitamos a manifestação do ministério o mais breve possível.” O próprio Dimas Covas entregou a carta em mãos a Pazuello – que fez uma expressão contrariada, mas não disse nada.
Na semana seguinte, o ministro do TCU, José Múcio, preocupado com o impasse, visitou o presidente. Na conversa, disse que o vírus não tinha partido nem ideologia. “É a chance de o senhor se apropriar dessa agenda, tornar-se o dono da vacina, entregar a vacina para o povo”, argumentava. Bolsonaro não se convencia. Dizia simplesmente que não queria comprar a “vacina chinesa do Doria”. A certa altura, perguntou: “Ô, Zé Múcio, você tomaria uma vacina feita na China?” Ao que Múcio respondeu: “Presidente, contra o coronavírus eu tomaria até se fosse feita em Campina Grande!”
O boicote federal à CoronaVac era, então, assunto obrigatório em todas as conversas em Brasília, mas não havia quem convencesse Bolsonaro a contratar logo a vacina chinesa. A essa altura, Doria já havia procurado os ministros do Supremo Tribunal Federal e chegara a discutir o assunto a fundo num almoço com os ministros José Dias Toffoli e Alexandre de Moraes em São Paulo.
A resposta do governo federal aos três ofícios do Butantan só veio em meados de outubro, quando o país já tinha 151 747 mortos. Em reunião no dia 14, o Ministério da Saúde apresentou aos secretários estaduais a previsão de dispor de 140 milhões de doses de vacinas contra o coronavírus ao longo do primeiro semestre de 2021 – conta que incluía as vacinas de Oxford e do Covax Facility, um consórcio formado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com a Gavi Alliance, uma iniciativa da Fundação Bill e Melinda Gates para abastecer países em desenvolvimento. A previsão, no entanto, não incluía a CoronaVac.
Àquela altura, Bolsonaro e Doria estavam envolvidos em mais uma rusga pública, sobre a obrigatoriedade ou não da vacinação – e Pazuello queria evitar confusão incluindo o imunizante do Butantan. Mas os secretários de Saúde diziam que, mesmo que os 140 milhões de doses chegassem no prazo prometido, ainda faltaria vacina. Temiam que, sem a compra por parte do governo federal, São Paulo acabasse usando a CoronaVac para vacinar todos os seus cidadãos antes dos outros estados – o que seria desastroso não só para os governadores como para o próprio Ministério da Saúde. O Brasil perdia, então, mais de quinhentas pessoas por dia para a Covid, e todos os países corriam com seus testes para começar a vacinação o quanto antes.
Além de divulgar uma carta pública pedindo a inclusão de todos os imunizantes possíveis no plano nacional de vacinação, os secretários estaduais de Saúde começaram, em iniciativas particulares, a buscar as farmacêuticas. Deixaram claro que, se o ministério não agisse logo para coordenar a distribuição de vacinas em todo o país, seria cada um por si, numa espécie de guerra entre os estados. “Uns podem comprar, outros não podem. Por isso, se o governo não tomar para si a responsabilidade de coordenar o trabalho, vamos acabar criando duas classes de cidadão, os com vacina e os sem vacina”, resumiu o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, do PSB, ao recapitular os termos daquela reunião. Sem alternativa, Pazuello cedeu. Mas pediu a Doria para manter as negociações em sigilo. “Se o presidente souber que estamos conversando, vai me foder”, disse, sem meias palavras.
Ocorreu então uma discreta operação interna para remover o principal obstáculo – Bolsonaro. A costura interna envolveu uma visita do presidente ao Ministério da Saúde e o cuidadoso lobby de outros ministros, em especial os da ala militar. No terceiro fim de semana de outubro, quando o Brasil chegava a 153 905 mortos, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, o coronel da reserva Elcio Franco, telefonou para Dimas Covas e avisou que, finalmente, o ministério conseguira a autorização de Bolsonaro. No mesmo dia, Pazuello procurou Doria para dar a notícia. Disse que o plano era realizar um encontro na semana seguinte, no dia 20 de outubro, terça-feira, com 24 governadores e os líderes do governo no Congresso para falar do plano de vacinação, e anunciar a inclusão da CoronaVac. Só tinha um pedido a fazer: que Doria se mantivesse discreto e não falasse durante o encontro, para não irritar Bolsonaro. O governador concordou. Participou do encontro virtualmente, a partir de São Paulo, fez apenas uma saudação a todos no início e assistiu ao resto da reunião calado.
No encontro, o general Pazuello – que, ninguém sabia, já sentia os primeiros sintomas da Covid – comunicou o acordo para comprar a CoronaVac e anunciou o imunizante como a “vacina brasileira”. Buscando aliviar a própria barra com Bolsonaro, ainda observou: “Quando a gente aperta, no final, a maioria das fábricas nos leva para a China. Por exemplo, a produção do IFA [ingrediente farmacêutico ativo] da AstraZeneca é da China. A produção da substância para o Butantan é da China. A produção do IFA para a vacina texana é da Tailândia. Então, é importante entender o processo como um todo.” Com os novos arranjos, previu Pazuello, o Brasil poderia começar a vacinação em janeiro.
Os governadores saíram satisfeitos da reunião e foram correndo dar a notícia em suas redes sociais. O mais animado era Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás, que gravou um vídeo no corredor do ministério segurando um frasco de CoronaVac (que era apenas cenográfico e continha água). Doria foi dos últimos a gravar um depoimento para as redes sociais e, mesmo assim, só depois de receber o aval do ministro da Saúde. “Parabéns, ministro, pela atitude, parabéns pelo posicionamento. O que o Brasil precisa é disso: paz, união, integração e a vacina. A vacina para salvar os brasileiros.”
Pronto. Ao ver o vídeo, Bolsonaro explodiu. Sua indignação em altos decibéis pôde ser ouvida nos gabinetes próximos à sala do presidente no Palácio do Planalto. Na manhã seguinte, nem bem o dia amanhecia, Bolsonaro leu no Facebook o apelo de um seguidor para que não comprasse a vacina: “Eu só tenho 17 anos e quero ter um futuro, mas sem interferência da ditadura chinesa”, dizia. Bolsonaro respondeu, em letras maiúsculas: “NÃO SERÁ COMPRADA.” Com um outro, que acusava Pazuello de tê-lo traído, concordou: “Qualquer coisa publicada, sem comprovação, vira TRAIÇÃO.”
Horas depois, Bolsonaro voltou ao assunto, no Twitter. “Para o meu governo, qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser COMPROVADA CIENTIFICAMENTE PELO MINISTÉRIO DA SAÚDA E CERTIFICADA PELA ANVISA. O povo brasileiro NÃO SERÁ COBAIA DE NINGUÉM.” Omitindo o fato de já ter comprometido 1,9 bilhão de reais com a compra da vacina de Oxford, que também não tinha aprovação na Anvisa, continuou: “Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem. Diante do exposto, minha decisão é a de não adquirir a referida vacina.” Para não deixar dúvida sobre suas ordens, naquele mesmo dia Bolsonaro declarou, num evento em Iperó, no interior de São Paulo: “Já mandei cancelar, o presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade, até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado por ela, a não ser nós.”
A guinada deixou os governadores em polvorosa. Alguns tentaram falar com Pazuello, mas o ministro estava isolado no Hotel de Trânsito de Oficiais do Exército, em Brasília, debilitado pela Covid e evitando telefonemas. Doria, que fora à capital federal para fechar o contrato, não só não foi recebido no Ministério da Saúde como assistiu a Elcio Franco, o secretário executivo de Pazuello, convocar uma entrevista coletiva para negar que o acordo previsse a compra da CoronaVac. Sem agenda em Brasília, Doria visitou o Senado e a Anvisa, sempre acompanhado pela imprensa. Acusou o presidente de desrespeitar seu ministro da Saúde e afirmou que o governo estava colocando seus interesses políticos e eleitorais acima dos do país.
Com a crise ampliada, começaram os rumores de que Pazuello deixaria o cargo. Para aplacar os boatos, Bolsonaro visitou o ministro no Hotel de Trânsito e fez uma live-relâmpago para as redes sociais. Na conversa de pouco mais de quatro minutos, não se falou em vacina, e sim no chamado “tratamento precoce” contra a Covid, que inclui hidroxicloroquina, azitromicina, nitazoxanida e ivermectina, mas não tem qualquer comprovação científica de eficácia. Pazuello garantiu ter feito o tal tratamento e que, segundo ele, tinha funcionado. “Semana que vem, talvez, com toda certeza, tu volta pro batente aí?”, perguntou Bolsonaro. O ministro, com um sorriso meio fora de lugar, respondeu: “Pois é, estão dizendo que não, né? Tamo junto.” O presidente insistiu: “Pois é, falaram até que a gente estava brigado aqui. Pô, no meio militar é comum acontecer isso aqui, tá certo? É choque das coisas, não teve problema nenhum.” O ministro interrompeu: “Olha só, olha só, senhores, é simples assim: um manda e o outro obedece. Mas a gente tem um carinho, entendeu? Dá pra desenrolar.” Bolsonaro gargalhava: “Opa! Tá pintando um clima aqui!” (Pazuello ainda demoraria quase vinte dias para voltar ao trabalho. Apesar do “tratamento precoce”, seu estado de saúde piorou, e ele teve de ser hospitalizado por alguns dias.)
Tentando viabilizar o contrato com o governo federal – afinal, Doria queria vender a vacina e passar à história como quem trabalhou para “salvar todos os brasileiros” –, o paulista marcou uma reunião virtual com os governadores mais próximos, não aliados a Bolsonaro, para pedir apoio. O grupo – formado pelo maranhense Flávio Dino (PCdoB), o piauiense Wellington Dias (PT), o gaúcho Eduardo Leite (PSDB) e o capixaba Renato Casagrande (PSB) – estava chocado com a humilhação pública a que o general Pazuello se submetera. Ainda assim, concordaram em trabalhar para mantê-lo no cargo, pois temiam que seu eventual substituto fosse ainda menos qualificado. “Pode vir alguém muito pior. Bolsonaro pode acabar botando um Weintraub na Saúde. Aí volta tudo à estaca zero”, dizia, então, Flávio Dino, referindo-se a Abraham Weintraub, que teve passagem desastrosa pelo Ministério da Educação. Mas outra questão incomodava os governadores: a insistência de Doria em provocar Bolsonaro, que podia colocar em risco o programa de vacinação. Na reunião virtual, sutilmente pediram que o paulista baixasse a bola. Ele aquiesceu.
De seu lado, Pazuello também recolheu os flaps. Mas o acordo que Bolsonaro cancelara com letras maiúsculas na verdade não tinha sido cancelado. Apenas ficou escondido numa gaveta. Alheio ao esforço coletivo pró-vacina, Bolsonaro continuava em público saboreando o que considerava uma “vitória”. No dia 29 de outubro, quando o Brasil chegou a 158 969 mortos, fez nova live. “Querido governador de São Paulo, você sabe que sou apaixonado por você. Sabe disso, poxa”, debochou, metido em uma camisa do Sampaio Corrêa, clube do Maranhão, e sentado na biblioteca do Palácio da Alvorada. “Ninguém vai tomar tua vacina na marra não, tá o.k.? Procura outro! Eu que sou governo – o dinheiro não é meu, é do povo –, [o governo] não vai comprar tua vacina também não, tá o.k.? Procura outro pra pagar tua vacina aí.”
“Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la (sic). O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, dizia a postagem nas redes sociais do presidente, no dia 10 de novembro, logo pela manhã. Fazia poucas horas que a Anvisa comunicara por e-mail ao Butantan que suspendera os estudos clínicos da CoronaVac. Assim que o e-mail foi disparado, a assessoria de imprensa da agência divulgou uma nota. “Após a ocorrência de um evento adverso grave, a Anvisa determinou a interrupção do estudo clínico da vacina CoronaVac.” Apesar da comemoração de Bolsonaro, a suspensão não é um procedimento incomum. Até então, dois outros estudos, o da Janssen-Cilag e o da Oxford/Fiocruz, tinham sido interrompidos, mas por iniciativa das próprias farmacêuticas.
O tal “evento adverso” tinha ocorrido no dia 29 de outubro, mas só agora vinha a público. O diretor do Butantan, Dimas Covas, soube da suspensão do estudo enquanto dava uma entrevista no Jornal da Cultura, programa da tevê controlada pelo governo paulista, e reagiu: “A Anvisa foi notificada de um óbito, não de um efeito adverso. Isso é um pouco diferente. Nós até estranhamos essa decisão da Anvisa porque é um óbito não relacionado à vacina. Ou seja, como são mais de 10 mil voluntários neste momento, pode acontecer um óbito, o sujeito pode ter um acidente de trânsito e morrer. Ou seja, um óbito não relacionado à vacina. E é o caso aqui.”
Na manhã seguinte, enquanto a postagem do presidente causava celeuma e os grupos de WhatsApp bolsonaristas disseminavam a lorota de que a vacina chinesa provocava distúrbios neurológicos que podiam levar à depressão e à morte, a equipe do Butantan teve uma reunião virtual com a Anvisa. Até então, tudo o que o Butantan havia informado à agência era que tinha havido uma morte “não esperada”, e que era improvável que a causa fosse relacionada à vacina. Na verdade, os técnicos do instituto já sabiam que o voluntário em questão, um químico, fora encontrado morto no chão do banheiro de casa, com uma seringa perto do corpo, cercado por ampolas de remédios. A Polícia Civil registrara o caso como “suicídio consumado”. Mas o Butantan não informou esses detalhes à Anvisa. Na agência, fazia dias que os servidores ouviam falar que acontecera algo grave nos testes, mas não sabiam do que se tratava.
Entre a comunicação da morte e a interrupção do estudo, Jorge Venâncio, o coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que também tem poderes para suspender testes com medicamento, fez o que ninguém tinha feito até então: telefonou para o Butantan para perguntar o que havia ocorrido. Informado do suicídio, logo entendeu que o estudo podia continuar. Na Anvisa, porém, os técnicos não deram nenhum telefonema e, assim, continuavam no escuro. Só na reunião virtual, já com o estudo suspenso, o Butantan finalmente informou que o voluntário muito provavelmente se suicidara (outra possibilidade era overdose), mas que o laudo do Instituto Médico Legal sobre a morte ainda não estava pronto. As equipes do Butantan admitiram que também ainda não tinham comunicado o comitê de especialistas independentes que acompanhava os testes – condição determinada no protocolo da pesquisa para que os trabalhos possam continuar – e pediram desculpas por não tê-lo feito. Os técnicos da Anvisa disseram que esperariam as informações para decidir o que fazer, as duas equipes combinaram fazer nova reunião no final do dia e encerraram o encontro de forma pacífica.
Meia hora depois, Dimas Covas atacou a Anvisa numa entrevista coletiva: “Suspenderam o estudo clínico, causando incerteza, medo nas pessoas, fomentando um ambiente que já não é muito propício pelo fato de essa vacina ser feita em associação com a China… Cometer esse descrédito gratuito… A troco de quê?” Covas disse ainda que, por razões éticas, não podia dizer a causa da morte do voluntário, e repetiu que a agência tinha todos os dados sobre o caso – portanto, não havia razão para a suspensão. A afirmação desencadeou uma onda de acusações de uso político da Anvisa. Na sede da agência, em Brasília, ao ver a entrevista na internet, a diretora responsável pela área de medicamentos, Alessandra Soares, revoltou-se: “É mentira! Eles não entregaram nada!”, dizia ela.
Em menos de meia hora, representantes da Anvisa estavam diante de um pelotão de jornalistas – entre eles, o presidente da agência, o contra-almirante da reserva Antônio Barra Torres. “No momento da decisão a única informação que tínhamos era ‘efeito adverso grave não esperado’. Não nos restava e não nos restará, neste caso e em nenhum outro, esta dúvida […]. Isso é uma questão ética, inclusive”, disse a diretora Alessandra Soares, negando ter havido qualquer interferência política na suspensão do estudo. Depois disso, o Butantan se fechou e nunca mais respondeu se enviara a informação completa ou não. (Até hoje, tanto Dimas Covas quanto Alessandra Soares mantêm as mesmas versões conflitantes.)
As suspeitas de interferência política na Anvisa resultavam das ações de Bolsonaro. Ele colocou na presidência da agência seu amigo Barra Torres que, em março passado, esteve no protesto contra o Congresso em frente ao Palácio do Planalto – e, a exemplo do presidente, não usou máscara. Ao longo de 2020, o presidente ainda nomeou quatro diretores para a agência – entre eles, uma médica defensora da cloroquina que tem ligações com o senador Flavio Bolsonaro, o primogênito do presidente. Com esse histórico, era difícil fazer o público acreditar que a Anvisa não agia de forma política.
Criador da Anvisa e seu primeiro presidente, o sanitarista Gonzalo Vecina Neto resumiu assim a questão: “A morte do voluntário foi comunicada à Anvisa e à Conep na mesma noite. O presidente da Conep pegou o telefone e perguntou: ‘Olha, não veio a causa morte, qual é?’ O Butantan explicou e a questão foi solucionada. A Anvisa simplesmente mandou um ofício e suspendeu o estudo. No nível técnico, eles fizeram tudo certo. Só que o nível deles não é a última palavra. Já vivi isso e sei que dava para resolver de forma correta sem criar essa confusão toda. Estamos falando de uma vacina que pode salvar um monte de vidas.”
No dia seguinte, devidamente informada do “evento adverso”, a Anvisa autorizou a retomada dos estudos. O episódio colocou os técnicos da agência em alerta. Dali por diante, cada movimento deles estaria sob forte escrutínio. E embora ninguém falasse publicamente, forjou-se internamente um pacto: qualquer tentativa de interferência política em decisões técnicas seria denunciada.
O clima no governo andava pesado. A própria Fiocruz vivia momentos de apreensão, pois a presidente da fundação, Nísia Trindade Lima, estava na mira dos bolsonaristas desde o início do governo. Em abril, a Fiocruz fizera um estudo que chegou a conclusões desfavoráveis ao uso de cloroquina contra a Covid. Os pesquisadores foram tão atacados pelas redes bolsonaristas que passaram a usar escolta policial. Mayra Pinheiro, secretária do Ministério da Saúde, chegou a gravar um áudio aos colegas dizendo que era preciso interferir na eleição para presidente da fundação. O recado era claro: Nísia Trindade não podia ser reeleita. Como, por lei, o chefe da Fiocruz é escolhido pelo presidente da República a partir de uma lista tríplice, a estratégia adotada pelo grupo de Trindade foi colocar três aliados para disputar a eleição, ocupando toda a lista. Com isso, eliminava a chance de Bolsonaro escolher algum apaniguado seu.
Por tudo isso, a Fiocruz decidiu falar o mínimo possível publicamente até a eleição e nomeação do vitorioso. Em novembro, Trindade ficou em primeiro lugar na disputa, mas sua recondução não saía. Espalhou-se o temor de que Bolsonaro e seus aliados do Centrão – em especial o ex-ministro Ricardo Barros, desafeto antigo de Trindade – criassem algum impedimento à posse da vencedora. Só no dia 11 de janeiro, uma semana depois do fim de sua gestão, ela foi finalmente reconduzida ao cargo. Foi preciso um esforço concentrado para evitar que Bolsonaro criasse um conflito mais profundo com a Fiocruz, em pleno esforço de desenvolvimento de uma vacina. Parlamentares e políticos foram acionados. Até auxiliares de Doria chegaram a fazer lobby por Trindade. Enquanto isso, ela fugiu de qualquer assunto que pudesse colocá-la em polêmicas – como esta reportagem. Entre outubro e janeiro, a piauí pediu diversas vezes à presidente que falasse sobre a disputa em torno da vacinação. Alegando problemas de agenda, ela nunca recebeu a revista.
Havia uma agitação no terceiro andar do Palácio do Planalto na tarde do dia 7 de dezembro. O presidente Jair Bolsonaro estava irritado. Pouco antes, João Doria anunciara em São Paulo que a vacinação no estado começaria em 25 de janeiro, dia do aniversário da cidade. Na manhã seguinte, o Reino Unido iniciaria a sua vacinação e vários outros países fariam o mesmo nos dias subsequentes. O mundo começava a se imunizar. Naquele momento, insistentemente alertado por auxiliares, o presidente parece ter percebido que talvez não conseguisse escapar das cobranças pelo início da vacinação.
Cinco dias antes, o general Pazuello dissera em uma comissão do Congresso que a vacinação começaria em março, com a vacina da Oxford/Fiocruz. Ninguém deu muita bola. Afinal, embora seja especialista em logística pelo Exército, já era a enésima vez que o ministro marcava um prazo diferente. Até setembro de 2020, dizia que a vacinação começaria em janeiro de 2021. Em meados de outubro, disse que seria em março. Em novembro, seu ministério anunciou que seria no “primeiro semestre” de 2021. Em 8 de dezembro, o ministro previu que o começo seria em fevereiro. No dia seguinte, o prazo virou “dezembro ou janeiro”. Uma semana depois, a data passou a ser 21 de janeiro. Finalmente, no dia 11 de janeiro, Pazuello produziu uma previsão imortal: a vacinação começaria “no dia D da hora H”. (O governo chegou a programar para 19 de janeiro uma cerimônia oficial para abrir a vacinação no dia seguinte, com 2 milhões de doses importadas às pressas da Índia. Deu errado, e a vacinação com um imunizante comprado pelo governo federal só começou em 23 de janeiro, seis dias depois da estreia da “vacina chinesa do Doria”.)
Falando à comissão do Congresso naquele início de dezembro, Pazuello não mencionou a CoronaVac. O protocolo de intenções que Bolsonaro mandara cancelar continuava recôndito em alguma gaveta do ministério, e Pazuello agia como se ele não existisse. Na entrevista coletiva em São Paulo, Doria foi para o ataque: “Por que vacinar em março se podemos iniciar a vacinação em janeiro? Esta é a pergunta para ser respondida por aqueles que, negacionistas, impedem milhares de brasileiros de preservarem suas vidas.” O governador afirmou que já tinha em São Paulo 4 milhões de doses disponíveis para repassar aos outros estados. Oito deles, disse, haviam manifestado interesse em comprar a CoronaVac, mesmo que seu uso ainda não estivesse autorizado pela Anvisa, nem se conhecesse a sua taxa de eficácia.
Bolsonaro não estava disposto a enfrentar uma revolta de governadores e prefeitos pela “vacina do Doria”. A cobrança aumentaria ainda mais nos dias seguintes, à medida que as imagens dos primeiros vacinados de outros países começaram a pipocar na imprensa do mundo todo. Governadores e prefeitos iniciaram uma romaria ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, para tentar garantir pelo menos uma cota da CoronaVac, caso ela viesse a ser liberada pela Anvisa. Naquela tarde de 7 de dezembro, Bolsonaro convocou Pazuello ao Palácio do Planalto e lhe deu uma missão: arrumar uma vacina, qualquer vacina, para aplicar antes do governador paulista. Era imperativo que a foto do primeiro brasileiro sendo imunizado fosse de alguém recebendo a vacina de Bolsonaro, e não “a vacina do Doria”.
Pazuello, então, fez a única coisa que lhe restava fazer, já que estava proibido de comprar a CoronaVac: produziu um factoide. Chamou um repórter da CNN Brasil e anunciou, com exclusividade, que tinha um plano de vacinação. Folheando um calhamaço de mais de noventa páginas, cujo conteúdo não foi detalhado pela rede de tevê, o ministro afirmou que o plano começaria com as vacinas da Pfizer/BioNTech – a mesma farmacêutica cujas exigências, apresentadas em meados do ano, haviam sido consideradas inaceitáveis pelo governo. Disse, então, que a vacinação poderia começar “no final de dezembro, em janeiro”, caso a Anvisa autorizasse o uso emergencial do imunizante.
Só havia um problema: a Pfizer não fora avisada dessa previsão, nem os grupos de cientistas reunidos pelo Ministério da Saúde para ajudar a elaborar o plano de vacinação. O documento que o ministro tinha em mãos era, em tese, uma compilação das conclusões desses especialistas. Mas, como eles haviam sido informados de que o governo só trabalharia com a vacina da Oxford/Fiocruz, ninguém discutira como distribuir e armazenar os imunizantes da Pfizer, que precisam ser conservados em freezers especiais, com capacidade de congelamento muito maior do que os da rede pública de saúde do Brasil. Era pior: a Pfizer não dizia publicamente, mas já havia informado a todos os prefeitos e governadores que a procuravam que a companhia não tinha mais nenhum imunizante para entregar ao Brasil no curto prazo. Segundo a empresa, qualquer nova encomenda só seria atendida a partir de outubro de 2021. Pazuello ludibriara o público para contentar Bolsonaro.
Ocorre que nem isso aconteceu. Dias depois da entrevista do general à CNN, Bolsonaro desautorizou Pazuello e deixou claro que não gostava da ideia de promover a vacinação com a Pfizer. “A vacina, uma vez certificada pela Anvisa, vai ser extensiva a todos que queiram tomá-la. Eu não vou tomar! Alguns falam que eu estou dando péssimo exemplo. Ô imbecil, ô idiota, que está dizendo que eu estou dando péssimo exemplo: Eu já tive o vírus, eu já tenho anticorpos. Para que tomar vacina de novo?!” E concluiu: “Na Pfizer está bem claro lá no contrato: nós não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se você virar um chipanz… se você virar um jacaré, é problema de você, pô. Não vou falar outro bicho senão eu vou falar besteira aqui. Se você virar o Super-Homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou um homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso. Ou o que é pior, mexer no sistema imunológico das pessoas. Como é que você pode obrigar alguém a tomar uma vacina que não se completou a terceira fase ainda? Que está na experimental?”
A corrida para vacinar antes do governo de São Paulo, no entanto, já era uma obsessão do presidente. Quando percebeu que seria atropelado por Doria, Bolsonaro até participou do esforço diplomático para importar do Instituto Serum, da Índia, cerca de 2 milhões de doses da vacina de Oxford, a mesma que estava sendo produzida pela Fiocruz. Chegou a escrever uma carta ao primeiro-ministro Narendra Modi pedindo rapidez. Só que, para o governo indiano, que ainda não começara a vacinar sua própria população, era importante que a exportação da vacina fosse uma operação discreta para não suscitar acusações de descaso com os próprios indianos. Deu tudo errado. O governo brasileiro, ansioso para faturar politicamente com a chegada da vacina, fez um escarcéu. O avião da Azul que transportaria a vacina ganhou um adesivo gigante na lateral, cobrindo 25 janelas, onde se lia “Vacinação – O Brasil imunizado – Somos uma só nação”. A foto saiu na imprensa indiana. Nova Delhi suspendeu a venda. Bolsonaro e Ernesto Araújo, o chanceler que se mostrou imprestável durante as negociações diplomáticas, tinham perdido mais uma batalha.
No dia 23 de janeiro passado, depois que veio a público a carta do diretor executivo da Pfizer instando o governo brasileiro a agilizar sua encomenda, o Ministério da Saúde distribuiu uma nota em que elencava uma série de razões para não ter fechado o negócio com a farmacêutica norte-americana. A certa altura, dizia que a empresa oferecia apenas 2 milhões de doses, um número tão baixo que “causaria frustração em todos os brasileiros”. A nota ignorava que, dias antes, o governo não via risco de “frustração” no seu empenho em trazer ao país exatamente 2 milhões de doses da Índia, e ainda omitia que, em agosto do ano passado, desprezou uma oferta muito maior da própria Pfizer, de 70 milhões de doses.
As expressões não eram das mais animadas naquela tarde de 23 de dezembro, quando os semblantes dos técnicos da Anvisa e do Butantan surgiram na tela da reunião virtual em que seria apresentado o dado mais esperado da temporada: a taxa de eficácia da CoronaVac. A da Pfizer era de 90%. A de Oxford, oscilava entre 62% e 90%. Mas, para decepção coletiva, os técnicos do Butantan informaram que a parceira Sinovac não autorizara liberar nenhum dado. Na mesma hora, diante dos jornalistas em São Paulo, um constrangido Dimas Covas confirmava que não tinha dados a apresentar, pois a parceira Sinovac pediu para apresentar antes os dados à NMPA, a Anvisa chinesa, mas dizia que a CoronaVac atingira mais de 50% de eficácia, o patamar mínimo aceitável.
A frustração foi geral. O Butantan vinha prometendo os dados, adiava o anúncio e, agora, apresentava um dado que só gerava desconfiança. Afinal, o que significava “mais de 50%”? 60%? Para piorar, Doria, convenientemente ausente do anúncio fracassado, cometeu um erro primário: decretou que só serviços essenciais poderiam funcionar no estado no Natal e no Ano-Novo e embarcou para Miami com a mulher, Bia Doria. Pior ainda: foi fotografado numa loja do aeroporto de Miami sem máscara. Logo percebeu que se metera numa enrascada, voltou para o Brasil e gravou um vídeo pedindo desculpas.
Em sua live semanal, Bolsonaro não perdoou. “O povo armado acaba essa brincadeirinha de ‘vai ficar todo mundo em casa que eu vou passear em Miami’”, enxertou o presidente, no meio de uma defesa sobre armar a população. “Ah, pelo amor de Deus, ô calça apertada, calcinha apertada! Isso não é coisa de homem, pô! Fecha São Paulo e vai passear em Miami? Que negócio é esse, pô? É coisa de quem tem calcinha apertada, pô, isso é um crime!”
No dia 7 de janeiro, Doria tentou reverter o jogo – e conseguiu. Como os fabricantes da vacina de Oxford se preparavam para pedir autorização à Anvisa para aplicá-la em caráter emergencial, Doria correu para não ficar atrás. Os técnicos do Butantan passaram a trabalhar sob intensa pressão para fazer um pedido semelhante. Trabalharam dia e noite para que, naquele 7 de janeiro, Doria pudesse anunciar que estava pronto para submeter sua vacina à apreciação da Anvisa. Na entrevista, o governador apresentou alguns números: a CoronaVac podia reduzir em até 78% os casos leves e 100% das formas moderadas e graves da Covid, considerando os vacinados do estudo clínico. O dado geral de eficácia, no entanto, só sairia na semana seguinte – 50,38%. Era um número bom para a ciência, mas ruim para o mar-keting político de Doria. Ainda assim, a notícia de que estava pronto para vacinar, faltando só o sinal verde da Anvisa, foi recebida com otimismo.
Apesar de incompleto, o anúncio de Doria dobrou o Ministério da Saúde, que resolveu fazer um contrato de compra da CoronaVac e desengavetou o protocolo de intenções que estava parado havia dois meses e meio. Em entrevista coletiva no Palácio do Planalto, o general Pazuello anunciou a compra de 100 milhões de doses ao longo de 2021. Mas o capítulo da sabotagem ainda não havia sido encerrado. Em seguida, Pazuello tentou obrigar o governo paulista a remeter para Brasília parte de seu estoque de seringas. Foi impedido por uma liminar do ministro Ricardo Lewandowski, do DTF. Dias depois, tentou fazer com que o Butantan entregasse ao governo todo o estoque de CoronaVac. Para não ficar sem vacina, o governo paulista ameaçou ir ao STF.
Mônica Calazans, uma mulher negra de 54 anos, usando óculos e jaleco, surgiu no canto do salão montado no Hospital das Clínicas no domingo, 17 de janeiro. Estava acompanhada por uma funcionária, um fotógrafo e um cinegrafista do governo de São Paulo. Sob palmas e muitos cliques dos cerca de setenta fotógrafos e jornalistas que se aglomeravam perigosamente no local, Calazans se aproximou, emocionada, de João Doria. Usando uma camiseta preta com a imagem da bandeira brasileira e os dizeres “Vacina do Butantan, a Vacina do Brasil”, o governador segurou firmemente nos braços da enfermeira e chorou copiosamente.
Os dois conversaram por um minuto e meio. Depois de tomar a vacina, Calazans levantou e, com os braços para cima, comemorou sob novos aplausos. A cena foi transmitida ao vivo pelas tevês e provocou alvoroço não só nas redes, mas também no Palácio do Planalto. Pouco antes, em reunião transmitida ao vivo, a Anvisa autorizara o uso emergencial da CoronaVac e da vacina de Oxford. Minutos depois da vacinação de Calazans, surgiram memes com a estatueta do Oscar sobre a cena de Doria chorando com a enfermeira, sob a legenda irônica: And the Oscar goes to… Não havia como aferir se o choro de Doria era autêntico ou fingido. Mas, a ser sincero, motivos não faltavam. O governador batalhou duramente para viabilizar a vacina e, com isso, forçou o governo federal a se movimentar, correndo inclusive para importar os 2 milhões de doses da vacina de Oxford produzidos na Índia.
Enquanto Doria comemorava sua vitória em São Paulo, Pazuello reclamava no Rio de Janeiro. Acusou o governador de fazer um golpe de marketing por ter usado de forma ilegal a vacina já comprada pelo Ministério da Saúde. Ele anunciou: “O Ministério da Saúde tem em mãos, neste instante, as vacinas tanto do Butantan quanto da AstraZeneca. E nós poderíamos, num ato simbólico, ou numa jogada de marketing, iniciar a primeira dose em uma pessoa. Mas em respeito a todos os governadores, prefeitos e todos os brasileiros, o Ministério da Saúde não fará isso. Não faremos uma jogada de marketing.” Na tentativa de recuperar pelo menos um pouco do tempo perdido, na manhã seguinte, às 7 horas, Pazuello recebeu dez governadores no galpão do Ministério da Saúde no aeroporto de Guarulhos para um ato simbólico de entrega das doses da CoronaVac. Ao final de dois dias, entre atrasos e confusões, todas as vacinas acabaram chegando a seus destinos.
Nocauteado por uma derrota pública, Bolsonaro ficou calado. Foi incapaz de uma palavra de otimismo sobre o início da vacinação. Só no dia seguinte à vacinação de Calazans, o presidente comentou o assunto. Em fala gravada em vídeo por apoiadores, começou com um ato falho. “Apesar da vacina…”, disse, para corrigir-se em seguida: “Apesar não, né? A Anvisa aprovou, não tem o que discutir mais.” Depois de garantir que o governo compraria as vacinas disponíveis no mercado, o presidente, que passou meses chamado o imunizante do Butantan de “vacina chinesa do Doria”, fez a seguinte afirmação: “E a vacina é do Brasil, não é de nenhum governador, não, é do Brasil.” Apesar de Bolsonaro, a vacina é do Brasil, aonde chegou no dia em que o país atingiu a marca de 209 847 mortos.
Leia Mais