O Touro Ferdinando e uma aula de coesão
| Edição 105, Junho 2015
DESCONTENTES
Pela primeira vez em cinco anos como assinante da piauí, não consegui ler uma reportagem até o fim (“A Xangrilá dos descontentes”, piauí_104, maio). Não pela sua qualidade, sempre alta em tudo o que a excelente Daniela Pinheiro faz. Mas pela indisposição estomacal causada pelos tipos brasileiros que habitam a cidade de Miami. Deixo registrado o momento do texto em que não foi mais possível prosseguir: “Os homens, não importa de que geração, estão sempre bronzeados, deixam uns três botões da camisa abertos e saem à noite com chinelos de grife.”
STHEFANO VENGA PEREIRA_UBERLÂNDIA/MG
Foi com renovada “alegria” e espanto que pude ler a sensacional matéria de Daniela Pinheiro sobre la dolce vita em Miami, onde nossa elite padrão Sidra Cereser se autoexilou para regozijo próprio, permitindo aos restantes tupiniquins ficarmos livres deles. Sim, eles acham que se livraram do Brasil, mas fomos nós que nos livramos desse amontoado de socialites rumbeira-ostentação.
DANTE DONATELLI_SÃO PAULO/SP
Já falei aqui neste espaço que tenho um caso de amor antigo com a piauí. Fico ansioso para tê-la logo em minhas mãos. Começo sempre pelas cartas. Na edição de maio, chamou minha atenção a carta da leitora Maria Beatriz Teixeira, que falava sobre a linha política da revista. Fui adiante: li a Chegada, as Esquinas, onde aparece o grito de “Fora, Dilma!” (“O grito do casarão”, piauí_104, maio), e cheguei à “Xangrilá dos descontentes”. A pretexto de apresentar a vida dos brasileiros em Miami, as manifestações de “Fora, Dilma!” voltam a dar as caras, em toda a reportagem e na única foto que a ilustra. Posso garantir que a IstoÉ está fazendo melhor. Triste constatar que um caso de amor está se acabando. O lado bom é que pode acabar também a ansiedade.
AGUINALDO DUTRA BRANDÃO_MANHUAÇU/MG
NOTA ARGUMENTATIVA E MENDICANTE DA REDAÇÃO: Duas coisas em nossa defesa: 1. que você considere a hipótese de que mandamos uma repórter tirar visto, tomar avião e gastar em dólar não como pretexto para falar dos protestos, mas, espantosamente, para apresentar a vida dos brasileiros em Miami. Do contrário, o pretexto nos teria saído danado de caro; 2. que você leve em conta que uma reportagem bem-feita comporta mais de uma interpretação. Estão aí o Dante e o Sthefano que não nos deixam mentir.
E agora a parte mendicante da nota: não deixe o amor acabar, Aguinaldo. “O amor é quando a gente mora um no outro” (Mario Quintana). “A falta de amor é a maior de todas as pobrezas” (Madre Teresa de Calcutá).
CASMURRO
A reportagem de Rafael Cariello (“O casmurro”, piauí_104, maio) que acompanhou a eleição do historiador pernambucano Evaldo Cabral de Mello para a Academia Brasileira de Letras tira do ostracismo uma figura humana notável, que finalmente colhe os louros da imortalidade. Discreto, talvez por se postar timidamente à sombra de irmão tão famoso, Evaldo preferiu construir sua sólida obra no silêncio de exaustivas pesquisas em arquivos pelo mundo afora. Vida longa ao pernambucano, que trouxe nova luz sobre fatos de nossa história, dando interpretações pioneiras e, corajosamente, quebrando cânones consagrados.
DIRCEU LUIZ NATAL_RIO DE JANEIRO/RJ
Deliciei-me com o nauseado Evaldo. Toda a sua genialidade aparece em sua relação nauseada com o mundo. Já estava familiarizado com as fofocas no meio acadêmico sobre o seu temperamento. Reza a lenda que ele foi certa vez convidado por Fernand Braudel para uma conversa. Recusou, pois, segundo ele, não teria nada o que falar com o historiador francês que já não tivesse lido em seus livros. Sem falar das inúmeras recusas a convites para participar de bancas de defesa de tese, em diferentes universidades. Suas observações sobre os caminhos da historiografia e sua preocupação com a escrita da história são temas importantes, que tiram do conforto muitos historiadores. A capacidade de incomodar e de fazer análises fora do senso comum é uma característica do maior historiador brasileiro vivo – até que a “indesejável” venha resgatá-lo desse tédio que é a vida.
EZEQUIEL CANÁRIO_RECIFE/PE
Venho parabenizar esta revista pela reportagem sobre o “casmurro” Evaldo Cabral de Mello com o anseio de que esse adjetivo tenha sido empregado para descrevê-lo como um obstinado. Evaldo na verdade nada tem de casmurro, embora seja por vezes pouco compreendido. O texto merece destaque e louvores por nos apresentar o homem Evaldo, e não sua obra acadêmica. Foi esse o diferencial de uma reportagem muito bem elaborada.
De todo modo, gostaria de solicitar a correção da grafia do nome de seu irmão mais velho. Não é Virgílio, como está registrado na reportagem, mas sim Virgínio – mais exatamente Virgínio Marques Cabral de Mello.
ALFREDO CABRAL DE MELLO_RECIFE/PE
NOTA ENCABULADA DA REDAÇÃO: Se fosse só isso, Alberto. O repórter também comeu mosca no sobrenome do poeta, Cabral de Melo, que no perfil ganhou um “l” sobressalente, Cabral de Mello, outro equívoco que passou batido pelo nosso combalido departamento de checagem. Essa gente anda muito distraída.
SINUCA INFERNAL
Tenho uma espécie de ritual neurótico ao ler a revista: ou leio todas as (imensas) matérias de cabo a rabo ou tenho noites de insônia terríveis. Mas às vezes esse ritual causa algumas sequelas. Por exemplo, as nove (NOVE!) páginas destinadas ao texto mambembe de Reinaldo Azevedo (“A grande sinuca celestial”, piauí_104, maio). Foi intragável, pessoal. Intragável. Sugiro humildemente que vocês selecionem algum outro escritor para figurar como mascote da revista. Falo sério.
P.S.: Por falar em mascote, que tal enviarem para esta tão intrometida leitora o afamado pinguim, hein?
CAROLINE RODRIGUES OLIVEIRA GOMES_RIO DE JANEIRO/RJ
NOTA DA REDAÇÃO: Reinaldo Moraes, não Azevedo. Dessa nem o nosso glorioso departamento de checagem seria capaz, sinal de que as noites de insônia já estão afetando o teu sistema nervoso central. Mascote a caminho, vestido de enfermeiro.
FERRO
Quem o professor Roberto Schwarz pensa que está enganando quando vem a campo tratar de artes plásticas, em seu texto sobre Sérgio Ferro? (“Artes plásticas e trabalho livre”, piauí_104, maio.) Acaso supõe que nós não sabemos, pelo seu portfólio, que ele nunca se interessou verdadeiramente por Da Vinci ou Michelangelo, nem nunca encontrou tempo para ler Giorgio Vasari, o que seria, aliás, reacionário!? E por que insiste em acionar o discurso popularesco – “o pessoal de baixo”, “não quero aqui baixar o nível” –, como se nós não soubéssemos que é só o adorniano empedernido fingindo falar à plateia? Às favas.
LEDA TENÓRIO DA MOTTA_SÃO PAULO/SP
OPORTUNISTAS E ENGANADORES
Ler a reportagem “O cara dos virais” (piauí_104, maio) me motivou a escrever minha primeira carta à revista. O texto dá sequência a dois outros já publicados, “A vida por um tuíte” (piauí_102, março) e a matéria sobre a revista The New Republic (“O diletante e os dinossauros”, piauí_100, janeiro). Juntos eles traçam uma relevante narrativa dos aspectos mais perversos das mídias sociais: sonhos de mudança do mundo devorados por oportunistas e enganadores, como o perfilado Emerson Spartz. Sua mediocridade sufocante contrasta com a opinião que ele tem de si próprio – e muitas outras pessoas têm dele. Onde muitos enxergam um visionário, temos um charlatão. Já é hora de pensarmos mais criticamente sobre os efeitos inebriantes da superficialidade das redes sociais, bem como sua propensão para nos transformar em caricaturas simplistas e vaidosas de nós mesmos. Afinal, não há muita distância entre os saborosos clickbaits que infestam nossos feeds e as panelas que ressoam nas janelas por aí.
LEONARDO FERREIRA_RIO DE JANEIRO/RJ
CIZÂNIA
Excelente e oportuno o artigo “Uma estrangeira nas ilhas”, de Beatriz Sarlo (piauí_104, maio). Devem existir muitos argentinos que pensam como ela. Está na hora de pensarem nas vantagens de ter um pedaço da Inglaterra bem ao lado – e dependente de Buenos Aires. A Argentina sempre foi um país cheio de italianos que querem ser ingleses, mas que só falam castelhano. E essas ilhas não são nada mais
do que um pedaço da Patagônia. É só esses dois países se acertarem para facilitar a vida de todo mundo.
WILSON MOZZATO_RIO DE JANEIRO/RJ
PAU, PEDRA
Muito bom o ensaio do César Benjamin (“É pau, é pedra, é o fim de um caminho”, piauí_103, abril). Um dos melhores que eu me lembro de ter lido na revista. Ele é conciso, usa bem as imagens e, o principal, não tenta forçá-las em busca de um verniz mais literário. Percebo muito isso nos ensaios publicados por não escritores. Enquanto caras como Susan Sontag e David Foster Wallace normalmente baixam nos ensaios o nível da escrita praticada nos seus contos e romances, os não escritores tentam elevar a sua em relação ao que praticam em seus papers. Imagino que fazem isso para evitar o que as pessoas chamam de formalismo/sequidão/chatice da literatura acadêmica. O que resulta é um efeito agridoce que, na maioria das vezes, só faz você sentir: (i) uma profunda vergonha alheia e; (ii) uma vontade que o ensaio acabe logo. Ao passo que os bons ensaios são aqueles que acabam antes de passar a vontade de ler. Muito bom, curti muito.
VICTOR TEODORO_SÃO PAULO/SP
ACHAQUE
Tive a mesma surpresa ao abrir o envelope que trazia meu consumo energético do mês de abril, quando me deparei com a taxa de iluminação pública imposta ao munícipe guarulhense (o tró-ló-ló petista troca “taxa” por “contribuição”), e ao sacar da gôndola de uma revistaria na rodoviária do Tietê a piauí de maio. Com as pupilas dilatadas, estupefato, reagi: “Nossa! Dezessete reais?!” Aposto minha edição de número 100 que todo o escarcéu em torno das medidas draconianas de Levy, Cunha & Co. foi apenas para encobrir o ajuste de mais de 6% com que o ávido leitor terá que arcar a partir de agora. Espero que parte desse aumento ao menos sirva para fomentar pérolas de textos, praxe nesta revista. Como, por exemplo, “Os 43 que faltam”, da Carol Pires (piauí_100, janeiro).
LENNON GOMES BUENO_GUARULHOS/SP
NOTA DA REDAÇÃO: Como dissemos na nota argumentativa e mendicante, não se faz boa reportagem com dois tostões. Para citar apenas o teu exemplo, Carol Pires passou dez dias no México apurando o massacre dos estudantes. Além disso, fazia dois anos que o nosso preço de capa se mantinha o mesmo. Agora aumentou em 1 real.
Um realzinho, vá, para que, vez por outra, e quando necessário, Carol & companhia possam tomar um avião. Assim o sonho continua. “Sonhar é acordar-se para dentro” (Mario Quintana).
UM LEITOR PRA CHAMAR DE SEU
Lendo a seção de Cartas da piauí de maio, a conclusão a que chego é que o pessoal desta (ótima) revista está precisando… é de um homem para chamar Dirceu.
LUIS CARLOS HERINGER_MANHUMIRIM/MG
NOTA GRATA DA REDAÇÃO: Nós é que somos dele. Dirceu nunca nos falta. “A amizade é um amor que nunca morre” (Mario Quintana).