Repetindo Camus, “idéias equivocadas sempre acabam em derramamento de sangue, mas é sempre o de outra pessoa. Por isso, alguns de nossos pensadores se sentem à vontade para falar de quase tudo” FOTO ORIGINALMENTE PUBLICADA NO RELATÓRIO ELETRÔNICO N. 152, DO NATIONAL SECURITY ARCHIVE DA UNIVERSIDADE AMERICANA GEORGE WASHINGTON, EM 28 DE ABRIL DE 2005
Por que Bush invadiu o Iraque?
As razões mais citadas são três: controlar o petróleo do Iraque, aumentar a segurança de Israel e terminar o que não foi feito na primeira guerra do Golfo, em 1991, derrubando Saddam Hussein. Esses motivos estão corretos?
Thomas Powers | Edição 14, Novembro 2007
Essa é uma questão importante, que a nova maioria democrata em ambas as casas do Congresso até agora não quis explorar. As três razões – o atrativo do petróleo iraquiano, tornar o Oriente Médio seguro para Israel e o acerto de velhas contas – tiveram a sua parte. Mas nenhuma delas capta inteiramente a idéia central do presidente George W. Bush, do vice-presidente Dick Cheney e do secretário de Defesa na época, Donald Rumsfeld. O mais bizarro é que parece não ter havido uma versão interna, sofisticada e profissional, do pensamento que deu forma aos acontecimentos. Especialistas em política externa desfiam a conhecida história da preocupação com as armas de destruição em massa, as “falhas nos serviços de informações” e os sonhos de democracia no Oriente Médio – uma interpretação do tipo uma-coisa-leva-à-outra, que dispensa o governo de ter que explicar o que realmente teve em mente.
Minha “melhor estimativa para os motivos reais para a guerra” padece da mesma dificuldade de todas as estimativas: nenhuma das figuras principais tem falado. Mas o fato que Bush, Cheney e companhia tinham uma idéia central me parece irrefutável. A determinação deles de invadir e ocupar o Iraque fala por si mesma.
Uma forma útil de olhar as coisas é recordar a reação em Washington quando da invasão soviética do Afeganistão, em 1979. A simpatia pelos afegãos era mínima. O que mais alarmou a Casa Branca, e os aliados americanos na Europa, foi a perspectiva de que a União Soviética concretizaria o seu antigo sonho de estabelecer-se militarmente no Golfo Pérsico. Essa possibilidade deixou estrategistas políticos como Zbigniew Brzezinski seriamente preocupados, pois o controle soviético sobre a oferta de petróleo poderia ser um poderoso instrumento de coação de todo o mundo desenvolvido.
O que se temia que os russos pudessem fazer, os americanos acabaram fazendo de verdade – eles plantaram uma perna de cada lado da maior bacia de petróleo do mundo, numa posição de controlar potencialmente o seu movimento, e de pressionar todos os governos que dependem daquele petróleo. Os americanos, naturalmente, não lançam suspeitas sobre seus próprios motivos, mas os outros suspeitam. A reação dos russos, dos alemães e dos franceses, nos meses que levaram à guerra do Iraque, indica que nenhum deles queria dar aos americanos o poder que Brzezinski temera ser o objetivo dos soviéticos no Afeganistão. Seja como for, plantar uma presença militar americana de larga escala e longa duração no Oriente Médio representa uma imensa iniciativa estratégica – jogada, de fato, do tipo que cria ou quebra impérios.
Tão interessante quanto os motivos do governo Bush para ir à guerra é a evidente vontade da maioria democrata de não saber quais foram eles. De que outra forma explicar que eles não tenham investigado essa questão profundamente? A maioria democrata mostra-se igualmente relutante em questionar o presente rumo dos acontecimentos. Todos concordam que as eleições de 2006 marcaram o começo da derrocada da aventura americana no Iraque. Todos são favoráveis a alguma forma ou algum grau de retirada. Mas ninguém parece compreender que sair do Iraque requer tanta resolução quanto entrar – e que também depende daquilo que Bush tem em quantidade: disposição para ignorar as conseqüências. Nessa pedra os democratas parecem ter encalhado. O governo, entrementes, não dá sinal de desistir de seus objetivos, e, em todos os pontos que de fato importam, os democratas parecem acompanhá-lo.
Três evoluções são especialmente inquietantes: a insistência do governo em que o novo impulso militar está funcionando, mas que a administração do primeiro-ministro iraquiano Nouri al-Maliki vai mal; a tendência crescente de culpar a interferência do Irã pelos fracassos militares tanto no Iraque como no Afeganistão; e o que parece ser uma troca de cavalos – o retorno aos sunitas.
Consideremos as evidências da inversão da política. Logo depois da queda de Bagdá, os Estados Unidos insistiram numa política agressiva de expurgo dos quadros oriundos do partido de Saddam Hussein, o Baath, que na verdade impedia os sunitas de voltarem a ocupar altos postos militares e de governo. Agora, Washington insiste em que al-Maliki afrouxe as regras de “desbaathificação”, para trazer os sunitas de volta ao governo. Ao mesmo tempo, os militares americanos fazem alianças com insurgentes sunitas, e encorajam a admissão de sunitas nos serviços de segurança e nas forças armadas. Também silenciaram quando dois grupos diferentes de ministros sunitas retiraram-se do gabinete de al-Maliki. Parece até mesmo que os Estados Unidos estimularam o segundo grupo de defecções, o dos ministros leais a Iyad Allawi, o ex-primeiro-ministro que durante décadas teve laços firmes com a CIA.
Os americanos podem não perceber o que está em andamento, mas os xiitas percebem. Quando começou o novo impulso militar, em fevereiro, ficou evidente o perigo de que os xiitas fariam guerra contra nós. Parece que agora aconteceu. O The New York Times publicou uma reportagem, em 25 de agosto, sobre a convicção dos militares de que “78% dos ataques contra os Estados Unidos são obra de xiitas”. Ainda mais notável é o fato de que um líder democrata, o senador Carl Levin, pediu a remoção do primeiro-ministro al-Maliki. Será que nenhum democrata teme que uma guerra ampliada com os xiitas iraquianos traga o perigo de guerra com os xiitas do Irã?
Líderes políticos americanos, tanto republicanos como democratas, não fizeram as perguntas decisivas antes de votar pela guerra, em 2002. Não fizeram perguntas difíceis sobre os objetivos do presidente Bush nesses últimos cinco anos. E não fazem perguntas duras, hoje, sobre a verdadeira natureza e as perspectivas da ousada aventura imperial que a máquina republicana da Casa Branca insiste em chamar de “guerra contra o terror”.
Desde o primeiro dia da guerra, achei que ela destruiria dois presidentes – absorveria toda a sua energia e atenção, deixando outros assuntos de importância correrem soltos. Dois presidentes, achei eu, porque o segundo, na euforia inicial de ganhar a Casa Branca, buscaria uma nova estratégia para descartar ou disfarçar a realidade do fracasso, tal como fez Nixon em 1969. Naturalmente, a segunda estratégia fracassaria, e a nova ou o novo presidente insistiria em que essa estratégia demandaria mais tempo ou que a culpa era de outrem – do Irã, talvez.
A lição do Vietnã é de que é rápido se atolar. Não saber por que entrávamos permitiu que entrássemos. Não saber por que deveríamos sair tornará impossível sair. Nenhum dos candidatos a presidente parece saber por que falhamos, ou compreender o que há de imperial na forma como lidamos com o Iraque, ou sentir que uma guerra maior está apenas à distância de mais um erro. Não sei o que podemos fazer a respeito.
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