O francês fundou em 1982, com o filho, um dos principais laboratórios cariocas de revelação, o Kronokroma FOTO: JEAN-MARC FERRIÈRE_2014
Rio em obras
Milan Alram fotografou a modernização da cidade entre os anos 50 e 60
Joaquim Marçal Ferreira de Andrade | Edição 119, Agosto 2016
Em abril de 1939, a família Alram desembarcava da França no porto do Rio de Janeiro. Com os filhos Claude e Milan, o casal Joseph e Irma fugia da guerra iminente. Três meses antes, o poeta Paul Valéry proferira um discurso na Sorbonne em homenagem ao centenário do daguerreótipo, processo fotográfico criado e patenteado pelos franceses. Na época, Milan tinha 13 anos incompletos e jamais havia tirado uma foto, à diferença de outros estrangeiros que já dominavam o ofício quando vieram para cá.
No começo da década de 40, empregado como contínuo da Livraria do Globo, o jovem recebeu a incumbência de acompanhar por uma semana o fotógrafo alemão Ed Keffel. Quando visitaram Paquetá, Keffel fotografou a ilha pela manhã e repetiu o percurso à tarde, colhendo as mesmas imagens, mas com a luz contrária. Naquele dia, Alram descobriu sua vocação.
Autodidata e cliente da livraria Freitas Bastos, formou-se pelas leituras e por suas relações com José Oiticica Filho e Chakib Jabôr, entre outros membros do célebre Photo Club Brasileiro. Em 1949, já havia aberto seu próprio estúdio, dividindo com um alfaiate o aluguel de uma sala na avenida Presidente Vargas. Foi nesse período que desenvolveu as habilidades que fizeram dele um profissional extremamente versátil. Seu legado visual abarca tanto as reportagens sociais e a street photography quanto a arquitetura, a fotografia industrial e a publicitária. Ao longo de toda a carreira, Alram também manteve laboratório próprio para a revelação de seus filmes.
Sempre que estava sem serviço, uma de suas ocupações era fotografar os edifícios e as obras do Rio, para depois oferecer os registros aos escritórios de arquitetura. Construiu, assim, um acervo com imagens da cidade que se tornaram históricas.
O francês enveredou pela publicidade num período em que a prática ainda estava se consolidando no mercado brasileiro. Gostava de lembrar que, em 1960, fotografou a jovem Heloísa Pinheiro, então com 15 anos, para uma campanha de bronzeador. Pouco depois, ela seria imortalizada por Tom Jobim e Vinicius de Moraes na canção Garota de Ipanema.
Em 1982, Alram encerrou as atividades de fotógrafo e abriu seu laboratório ao público, estabelecendo com o filho Marcelo o Kronokroma, que chegou a ter uma filial em São Paulo. Na matriz carioca, situada na rua do Russel, implantou um sistema de coleta que funcionava a qualquer hora do dia ou da noite: clientes especiais, munidos de uma chave, depositavam seus filmes numa caixa disposta na fachada da loja. Sabiam de antemão a que horas poderiam buscar as fotos, já que os proprietários realizavam várias revelações manuais em horários preestabelecidos. Templo da cor e da fotografia analógica, o Kronokroma concluiu suas atividades no final de 2014. Ano e meio antes de seu fundador – que morreu no mês passado, à beira dos 90 – se aposentar para sempre.
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