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    Sergio Abreu, em sua oficina, em 2010: “Jodacil, você está tocando si bemol. É si natural!” CRÉDITO: GLAUBER ROCHA_2010

obituário

Sérgio Abreu, ou os mistérios da luteria

A vida e a obra de um violonista excepcional

João Camarero | Edição 197, Fevereiro 2023

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Certa vez, Sérgio Abreu me convidou para experimentar um violão que ele tinha acabado de construir. Já éramos amigos havia alguns anos, e eu, mesmo sendo quatro décadas mais novo que ele, frequentava seu apartamento com alguma regularidade durante o tempo em que morei no Rio de Janeiro. Aquela, no entanto, era uma ocasião rara. O violão não tinha sido feito para nenhum cliente, ninguém o encomendara. Era uma homenagem de Sérgio a Adolfina Raitzin de Távora, sua mestra, falecida em 2011. Sérgio batizou o instrumento de Dona Monina, como ela era conhecida.

Lembro-me do impacto ao segurar o instrumento – a marchetaria, as madeiras seculares, os filetes laterais, o verniz, cada detalhe me deslumbrava. Depois da contemplação inicial, comecei, enfim, a tocar – e era como se domasse um cavalo bravo. Passados alguns minutos de estranhamento, logo nos conectamos como velhos amigos. Eu estava em êxtase com a quantidade de som que o instrumento oferecia. Não eram apenas volume e projeção sonora, mas também cores, diferentes timbres que os bons violões entregam. Os harmônicos soavam lindamente; graves, médios e agudos perfeitamente equilibrados. Todas as notas cantavam. Eu estava nas nuvens quando Sérgio me interrompeu com seu jeito doce: “Experimente tocar a 12ª casa da primeira corda.” Obedeci. Para minha surpresa, a nota durava menos. Depois de se projetar, seu som decaía mais rapidamente. Perguntei a ele por que razão aquilo acontecia. Sérgio encolheu os ombros e respondeu: “Mistérios da luteria.”

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