Na verdade, nunca fui muito chegado a teatro. Desde pequeno, sinto certo pânico de apresentações. Alguma coisa nessa arte me faz mal ILUSTRAÇÃO: GÉRARD DUBOIS_GDUBOIS.COM
Teatro
Aníbal já havia encenado o Rei Lear uns trinta anos antes. Agora faria o personagem principal – e talvez fosse a última vez que subiria num palco
Marcílio França Castro | Edição 110, Novembro 2015
Nos dias de ensaio, a responsabilidade de buscá-lo era minha. Quatro vezes por semana, no começo da tarde, eu pegava o carro na produtora e subia a ladeira da rua Rio Doce, no São Lucas. É uma região até bem conhecida, mas, antes de arrumar esse trabalho, nunca imaginei que pudesse existir ali um casarão como aquele, rodeado de mata, escondido no alto do morro. As instruções eram simples: apanhar Aníbal, levá-lo ao galpão, aguentar na plateia até o fim do ensaio. Depois, quase sempre de noite, devolvê-lo em casa. Também estava incumbido de providenciar o que ele pedisse – lanche, remédio, bengala ou chapéu. Qualquer coisa que ele achasse bom para compor o personagem ou que simplesmente lhe desse na telha. Era uma tarefa subalterna, eu sei, como todas as que o Cortez me passava, mas foi graças a ela que comecei a frequentar a casa do ator.
Lembro perfeitamente do primeiro dia, se você quer detalhes. Eu tinha ficado um tempão plantado na sala, até Catarina descer e a gente entrar no escritório. Aníbal estava ali, quieto na poltrona, instruindo de longe a moça da limpeza. Ela tirava a poeira de cada um dos cartazes na parede. “Então você é o assistente”, ele disse, sem se virar para mim, quando Catarina nos apresentou.
Na minha cabeça – eu só o conhecia de fotografias −, Aníbal era um cara alto, esguio, um pouco ruivo talvez, e o que via era um homem miúdo, frágil, mas de algum modo luminoso.
“Assistente, assistente”, ele ficou repetindo a palavra, como se precisasse decifrá-la. “Da família dos mensageiros. Você vai me conduzir, não é? Um guia. Nada mais alvissareiro que um guia. Um adivinho, um arauto. Conto com você, meu rapaz, conto com você!”
Então se levantou de um salto, me estendeu a mão, sorriu. Catarina tratou de providenciar um café, ele começou a discursar. Me chamou para passar em revista os cartazes das peças que tinha feito, espalhados pela sala e pelas paredes do escritório.
Eles perceberam, é lógico, que eu não entendia nada de teatro. Aníbal mencionava diretores, atores, montagens. Eu permanecia mudo. Não queria cometer nenhuma gafe, pôr em risco aquele emprego que parecia bom.
“O Cortez”, ele disse, “você sabe como é o Cortez. Um minimalista. Desde sempre. Foi com ele que aprendi a limpar os gestos. Limpar, meu rapaz, isso é importante.”
Contou a história da amizade entre os dois, de como o tinha conhecido. Gostava das manias dele, da aspereza na hora de dirigir. Aníbal ia falando, de vez em quando se interrompia, indagava baixinho algo sobre minha vida, minhas preferências dramáticas. Mas me cortava no meio da resposta e apontava outro pôster que a moça tinha acabado de limpar.
Assim Aníbal poderia continuar o dia inteiro. Mas Catarina fez um sinal, ele foi atrás dela. Samuel, meio ajudante, meio mordomo, me puxou para assinar o livro de visitas. Em cinco minutos, o ator estava impecável: lenço no bolso, gravata-borboleta.
“Pois então vamos, meu rapaz”, ele disse, “vamos, que quem tem talento não envelhece.” Entramos no carro, ele cantarolando, afinando a voz, eu sem entender que a frase saíra de um monólogo de Tchékhov.
O propósito do Cortez, como você sabe, era prestar uma homenagem a Aníbal − a peça tinha sido montada especialmente para ele. Aníbal já havia encenado o Rei Lear uns trinta anos antes, no papel de Gloucester. Agora faria o rei – e talvez fosse a última vez a subir num palco.
Se Aníbal não tivesse voltado a Belo Horizonte, provavelmente não atuaria mais. Ao que parece, já estava meio abandonado quando saiu do Rio. Os diretores temiam convidá-lo, não confiavam mais nele. Acho também que evitavam seu estilo – para alguns, decadente. Todo mundo sabe que ele vinha tendo problemas no palco, apesar da vitalidade, do vigor declamatório a que ele recorria para distrair os espectadores dos erros. Não que ele esquecesse as falas − apenas as trocava. Uma palavra de Hamlet na boca de Harpagon, um trecho de Ionesco infiltrado em Beckett. Ele retornou à cidade em busca de descanso, ou de prestígio. Contra a vontade da mulher, Vanda, é claro, pois essa não consegue ficar longe do mar.
Já há algum tempo Cortez vinha tentando atrair o ator. Consultou os filhos, provocou uma discussão entre eles. Tadeu foi contra – não queria expor o pai a um risco desses, um texto difícil como Shakespeare. Henrique concordava com o irmão, mas seus palpites eram secundários − Catarina o calava só com o olhar. Quanto a Danilo, você sabe, esse não conta. Está brigado com todo mundo desde que entrou na Justiça contra os outros − por causa de um apartamento no Rio.
Foi Catarina, no final das contas, que acompanha Aníbal em tudo, que está sempre do lado dele, quem bateu o martelo. Determinou que o pai daria conta do recado, que sua carreira merecia essa espécie de, vamos dizer, coroamento. O final da história você mesmo testemunhou. O Lear que subiu aos palcos, aqui e também no Rio, era outro a cada noite, sempre com uma estranheza diferente, até quanto pôde manter-se em cartaz, até quando o perigo se tornou grande demais e o próprio Cortez decidiu que bastava. Mas só os entendidos em Shakespeare, só os mais chatos, conseguiam sacar o que estava acontecendo lá em cima.
Aníbal Flôres. Antes eu não tinha a exata noção do que o nome dele representava. Aos poucos, à medida que fui assistindo aos ensaios e convivendo com o pessoal, é que descobri a importância do ator. O curioso − para sorte minha − é que no casarão todos aprovavam que eu não fosse um cara do meio teatral. Minha ignorância funcionava como um refresco para a família, e de algum modo servia para ativar a percepção de um outro Aníbal, inédito ou adormecido, ou ao menos de pedaços de Aníbal que eles nunca enxergavam e que, portanto, ainda podiam seduzir − uma figura distinta do ator esmagado pelas dezenas ou centenas de papéis que ele encarnara e que andavam junto com ele no dia a dia, revezando-se na hora de levantar e dormir, na hora do café, na rua.
Para você ter uma ideia, quando a produtora me contratou, eu não sabia quem era Strindberg, Pinter ou Tennessee Williams. Já tinha ouvido falar em Pirandello e Beckett, mas só de forma vaga. Claro, conhecia Nelson Rodrigues, mas não Qorpo-Santo. Dos gregos, nada. Cheguei cru ao casarão, e me familiarizei com essa gente nem tanto pela leitura e pesquisa que vim a fazer, mas mais por ouvir Aníbal quase diariamente contar a história de suas peças, repetir a ladainha dos cartazes pendurados nas paredes.
Baal, por exemplo. Nessa peça de Brecht, ele precisava entoar vários cantos, e usava a voz para marcar o espaço, para aproximar e afugentar a plateia − como faz um tigre, uma fera. No cartaz, ele aparece jovem, com costeleta e barba de lobo, ao lado do sujeito que fazia Eckart. Catarina ainda era criança nessa época. Em A Dança da Morte, de Strindberg, no papel do capitão, ele adoeceu no meio da temporada. Teve que ser substituído. “Laurence Olivier imitou esse passo”, ele dizia, apontando o pôster e repetindo a coreografia. No começo dos anos 70 – a data é essa? − foi o protagonista de O Inspetor Geral. Vestiu uniforme de general, botou insígnias do Exército. A peça foi censurada depois de um mês em cartaz. De acordo com Catarina, Esperando Godot e o próprio Rei Lear é que foram os pontos altos da carreira dele, no começo dos anos 80. O pôster de Vladimir e Estragon, deitados sob uma árvore seca no meio da névoa, contrasta com o quintal atrás do vidro − é um dos mais bonitos.
Se você inspecionar a coleção inteira, vai ver Antígona, Os Persas, Prometeu Acorrentado. Tem ainda Otelo, tem O Avarento. Eis a fileira das vaidades, como diz Catarina. Ibsen ele não fez. Mas você também vai ver Pirandello e Ionesco. Em As Cadeiras, deram uma incrementada no bigode dele, que ficou gordo e espetado. São mais de cinquenta peças. Tem também um comercial de caneta e outro de pomada, da década de 50. O Doente Imaginário foi a última montagem que ele fez no Rio. Você já deve ter inventariado isso, não é?
De cinema, ele falava pouco, e nada de televisão. “Não gosto de câmera. Tem olho grande” – era esse o comentário. Quanto a mim, o que me atrai mesmo são as peças menores − as perdidas, sem documentação. A Estranha Obsessão de Torquato Bello, por exemplo. Condomínio Zero, Teorema, Cidade de Sal. Todas antigas, de autores obscuros. Descobri uma ou outra notícia sobre elas, por acaso, na papelada do acervo. Nem Catarina se lembrava. Gosto também das peças infantis. O Sofá Vermelho, A Rã no Escuro. E aquela sobre caracteres tipográficos, em que ele fazia o Monsieur Garamond. Já ouviu falar?
Há uma, em especial, que eu queria ter assistido. Chama-se O Homem Verossímil. É dos anos 70, de um dramaturgo polonês. Uma pérola. Aníbal interpretava um sujeito, Procop, obcecado pela lógica dos acontecimentos. O cara começa criticando os romances que lia. Enxerga problema em tudo, falhas na trama, nos tempos, nos pontos de vista. Empolga-se tanto que sai da ficção para analisar a vida real. Identifica lacunas entre os acontecimentos e tenta invalidá-los, por vícios de causalidade. No fim, quer provar que a realidade é absurda, um fenômeno inviável. Nas reuniões de família que presenciei, sempre havia um momento em que Aníbal se animava e recitava o monólogo de Procop, o homem verossímil.
É chato confessar, mas na verdade nunca fui muito chegado a teatro. Pelo contrário. Desde pequeno, sinto certo pânico de apresentações, de me sentar na plateia e ficar aguardando, naquela parte escura que nos reservam. Alguma coisa nessa arte me faz mal, talvez o esforço deflagrado em cena, arrastado e triste em todos os aspectos, quase cruel. O corpo exposto tão cruamente, e na sua direção natural, a do precipício. É isso que me assusta. O que está em jogo no teatro, para mim, mais do que em qualquer livro ou filme, é sempre essa passagem fantasmagórica dos corpos.
Se você me pede franqueza, o máximo que aguento e que posso apreciar de forma espontânea, mesmo com ignorância, com covardia, são os pequenos dramas a céu aberto, em atos rápidos. Nos pontos de ônibus, nas filas de banco, na rua. Nada de ribalta. Sem agonia, sem marcações, sem confinamento.
Não. Passada a temporada da peça, jamais imaginei que fosse continuar no casarão. Sempre fiz coisas diferentes. Quando estive fora do país, trabalhei em pizzaria, bar, vidraçaria. Limpei casa e quebrei gelo. Abandonei a faculdade para viajar. Sem pai, sem parente ou família. Nunca me encaixei direito em nada. Quando voltei, fiz bico em loja de informática, em galeria de arte. Fiquei uns meses numa livraria, até aparecer a oportunidade com a produtora e o Cortez. Foram seis meses de ensaio. Aí veio o convite de Catarina, antes da estreia. Um susto. Não esperava de jeito nenhum. Ela estava precisando de um ajudante, queria organizar o acervo do pai. Topei na hora. Também gosto de um novo papel.
Se soubesse que alguém estava fazendo a biografia dele, se soubesse que ia ser convidado a dar este depoimento, teria prestado mais atenção aos ensaios, teria até tomado notas. Mas ainda posso colaborar com sua pesquisa, se você tiver interesse, e desde que Catarina autorize. Você está gravando?
Por exemplo. Vanda acaba de chegar do Rio, entra no escritório. Aníbal está em pé, olhando o quintal. Vira-se e diz (sem afetação): “Salve, salve, velha rainha, a mais venerada entre todas de cintura fina!” Vai até ela, beija-lhe o rosto, completa: “Idosa mãe de Catarina.”
Antes, era assim que acontecia. De repente, uma situação corriqueira se convertia na passagem de uma comédia, de um drama. Aníbal aproveitava uma deixa, ele mesmo respondia, incitava, exigia. Saltava de um autor a outro, adulterava os textos, acrescentava umas peripécias. De vez em quando, um dos filhos também aderia e a coisa se prolongava. Mas Aníbal se empenhava, encarnando dois ou três personagens, até fechar a cena. No começo eu boiava − custei a perceber o jogo, as senhas, as repetições. Até Samuel, o meio mordomo, participava. Tinha decorado duas ou três frases de Brecht: “Não entendemos nada, mas sentimos algumas coisas. Quando se entendem as histórias é porque foram mal contadas.”
Uma observação. Para ficar desse jeito, tão à vontade, Samuel teve antes que superar um pequeno incidente, que o levou até a abandonar o serviço. Catarina me contou. Uma noite, depois de ter entendido mal algum pedido de Aníbal, foi repreendido pelo ator, que lhe dirigiu epítetos como “lacaio ignaro e rude”, “abjeto serviçal”, “moço de recados” – todos extraídos de uma tragédia de Eurípides. Samuel deu um jeito de confirmar o significado dos vocábulos, demitiu-se. Foi preciso que Aníbal fosse à casa dele, um apartamento de quarto e sala no Centro, e o trouxesse de volta.
Presenciei cenas de ciúme, de afeto, presenciei ataques de nervos. Se a linguagem era coloquial, ficava ainda mais difícil decidir se Aníbal encenava ou não. Nas reuniões em família, nos jantares, em algum momento os convidados podiam se tornar personagens sem se dar conta. E havia sempre a hora do monólogo − a festa parava para ele atuar. Acho que esse era um dos desgostos de Vanda.
Catarina? Ela gostava de ver a diversão do velho, mas mantinha distância: “Meu amor há de pesar mais que minha língua” – repetia, aproveitando uma das falas do Rei Lear em cartaz.
Para entender o ímpeto do ator, o modo como ele representa, acho que é preciso prestar atenção na garganta, nas cordas vocais. É apenas uma impressão minha. Não tenho base teórica para opinar. Vi nos ensaios, vi também nos espetáculos. É aí, na garganta, que está o centro das ações dele, seu coração estético, se posso usar a expressão. É a partir daí que o resto do corpo se move. Quando você tiver uma chance, repare. A coisa começa com um tremor nos lábios – uma fisgada, um tique. As veias do pescoço chegam a estufar. A vibração então se alastra − vai inervando os músculos do rosto, os membros inferiores, as mãos. É como se ele tivesse um sol na garganta. Ele corre, sorri, franze o cenho. Sempre com seu jeito elegante, com viço: em dado momento, a falha de um gesto pode denunciar o estado de sua voz. Se a garganta não está boa, a máquina toda começa a arranhar.
Em uma cena do Rei Lear, a da tempestade, o personagem pragueja. Aníbal agita o pescoço como se tivesse um bicho dentro dele, as palavras saem como um rugido. É assim que nele vão surgindo os personagens, com uma eletricidade que se transforma em dicção e em golpe. Não vejo intelecto nenhum pulsando. Só obsessão.
Se você perguntar a Catarina, ou mesmo a Tadeu, eles vão dizer que não é assim. Primeiro, vão dizer que Aníbal tem um funcionamento olímpico, que há uma unidade olímpica em seus movimentos (não sei por quê, ele me lembra uma bailarina). Vão dizer, e com autoridade, que Aníbal é um ator clássico, que interpreta com base na inspiração, e que esta vem da memória de suas emoções – sob o estímulo do diretor. Não sei se Cortez concorda com isso. Mas quando observo Aníbal não consigo captar nenhuma experiência brotando dele, nada de passado, de antigas narrativas. Só vejo o instante, epilético, sanguíneo, que desborda do corpo franzino do ator.
Nem adianta procurar. Aníbal não produziu nenhum artigo ou ensaio crítico. Fora as cartas, que são numerosas − e sempre fugindo dos assuntos teatrais −, a única coisa que escreveu foram notas, apontamentos de ator. Ele não é um cara reflexivo, você sabe, muito menos um teórico. Não está preocupado em ruminar o próprio trabalho. Ele apenas atua – é isso o que faz.
Mesmo quando recebe atores novos, quando a sala se enche de iniciantes esperando ouvir dele uma palavra sábia, ele não aconselha, não decreta. De todas as vezes que presenciei visitas assim, só me lembro de uma intervenção sua. Foi num fim de tarde, quando chegaram os jovens de uma companhia de teatro amador. Uma das moças, mais extrovertida, disse que estava encenando uma peça baseada na vida de Sylvia Plath, e que cabia a ela o papel da poeta. “Acordo Sylvia, almoço Sylvia, durmo Sylvia. Sou Sylvia Plath 24 horas por dia”, ela disse, deslumbrada.
Aníbal a cortou. “Errado, menina. Você não pode ser Sylvia 24 horas. Você não é você mesma 24 horas por dia.” A moça ficou assustada. “Distância, menina, distância”, ele disse. “Um atua, o outro observa. Entende? A certa distância. Tem que ter um intervalo.”
Foi aí que ele deslizou a perna, deu um pulinho, girou a cintura: “Você quer sapatear? Busque o impulso. Mas não é uma questão de soltar os pés. Quem diz ‘solte os pés’ está errado. É uma questão de soltar todo o resto. Libertar-se dos pés, menina! Lançar-se a si mesma para fora. Sim! Esvaziar o abdômen! Esvaziar o sexo! Arremessar-se, ficar livre de você mesma! Os pés, esses ficam – têm que fazer seu trabalho. Os pés de quem? De quem puder dançar. A mesma coisa com a poeta. Deixe-a! Mas fique de olho nela, entendeu?”
Por mais que eu quisesse, não havia como me aproximar dele. “Intimidade” é um termo proscrito das relações com o ator. Quando eu estava no auge do trabalho com o acervo, passava umas sete horas por dia no casarão, dentro do escritório, com Catarina a meu lado. Aníbal não parava quieto – subia as escadas, voltava, ficava um tempo no quintal. Atravessava a sala assobiando, vinha para o escritório. Tocava um pouco de piano, jogava xadrez sozinho. Lia. Às vezes encostava a barriga na mesa, com as mãos para trás. Catava um recorte, examinava-o, devolvia-o à pilha. Não dava palpite em nada – parecia que aquilo não lhe dizia respeito.
Um dia Catarina precisou sair e me deixou sozinho com as caixas. Lembro-me que brigava com uns papéis rasgados, páginas apodrecidas de revista. A moça da faxina – Vilma é o nome dela – limpava o andar de cima. Depois de um tempo, Aníbal, que tinha ido fazer uma caminhada com Samuel, voltou. Fazia um calor infernal. Ele cruzou a porta do escritório e foi direto para a poltrona. Não estava escuro, mas ele acendeu o abajur. Notei que suava − achei-o um pouco alterado. Ele então se curvou para desamarrar os sapatos.
“Você está bem?”, perguntei. Ele ficou calado, com as mãos nos cadarços. “Você está sentindo alguma coisa?”, perguntei de novo. “Me ajude a tirar os sapatos”, ele disse, arfando. Olhei em volta, só distingui o vulto de Samuel, do outro lado do vidro, no fundo do quintal. “Vamos, o que está esperando? Me ajude a tirar essa porcaria”, falou.
Hesitei, mas acabei por me agachar. Suspendi um de seus pés, comecei a puxar o sapato. Por um instante, vi seu rosto de perto, a cara miúda e vermelha, o bigode ralo, as pupilas rápidas, vazias. Achei que era um instante de cumplicidade. Foi nessa hora que Catarina entrou. “Você já leu Beckett?”, ela perguntou, botando umas sacolas sobre a mesa. Fiquei calado. “Beckett”, ela repetiu. “Porque é um dos personagens dele que você está fazendo – o Vladimir, de Esperando Godot.”
Olhei para Aníbal, ele já havia tirado os sapatos. Examinava-os por dentro, sacudia-os. Levantei-me sem graça. Eu não estava preparado para aquele papel.
A maior parte do acervo é de fotografias, fotografias e recortes. Textos de jornal e de revista, documentos, panfletos. E umas caixas com vídeos. Um material poeirento, que vem sendo recolhido há mais de sessenta anos. Estamos terminando de organizar, você logo vai conferir. Tem também a correspondência, não só a passiva, mas as cartas que Aníbal enviou e que Catarina conseguiu recuperar. Não me permitem tocar nos objetos. Há um número razoável de livros e coisas de uso pessoal. Por fim, tem o lote dos papéis avulsos − falas, roteiros, scripts. Aí estão incluídas as notas − as notas que ele escreveu de próprio punho no começo da carreira.
Tornar-se barata. Como pensa uma barata?
Dispositivo: velocidade.
Métrica. Poema métrico da barata.
São propostas de exercício corporal. Pouco convencionais, mas acho que dá para nomeá-las assim. Ainda não temos o número exato, mas não devem passar de três ou quatro dezenas. Trouxe essas aqui para você ter uma ideia. Segundo Catarina, datam todas da década de 60, quando Aníbal tinha 30 e poucos anos − a idade que tenho agora.
Deitar-se de bruços no chão: abandonar o corpo.
Pesar o próprio peso, cada grama do seu peso.
Tornar-se gravidade.
O que faço é classificar os documentos. Catalogar, arquivar. Na verdade, continuo sendo assistente. Só que agora lido com papéis.
Passar o dia inteiro escrevendo frases quebra-
das, pensando frases quebra-
das, falando frases quebra-
das.
Tornar-se anacoluto.
Aníbal tinha certo método. Olhe. Escrevia sempre em tirinhas, todas do mesmo tamanho, recortadas de folhas de papel almaço. Depois as guardava em caixas de sapato.
Piscar os olhos, dobrar as pernas.
Piscar os olhos, fechar as mãos.
Piscar os olhos, puxar os braços.
Piscar o corpo inteiro: tornar-se ausência.
Deitar-se no cimento gelado com o corpo quente:
Tornar-se sol.
Deitar-se no chão quente com o corpo frio:
Tornar-se lápide.
Claro. São exercícios para sair de si, exercícios de extradição. Ou brincadeira. De acordo com Cortez, Aníbal costumava reunir colegas para praticarem juntos.
Noite estrelada: deitar-se de costas na areia da praia.
Braços abertos, pernas abertas.
Olhos fixos no céu: tornar-se esfera.
A linguagem das notas é única. Não dá para comparar, por exemplo, com a das cartas. Estas são solenes, protocolares. Parecem escritas por outra pessoa.
Engolir peças de xadrez − uma torre, um cavalo, um rei.
Descrever a diferença entre as peças no estômago.
Trancar-se no quarto. Fechar a janela e a cortina.
Ler a Ilíada e a Odisseia − de um só fôlego.
Perder a noção de tempo: tornar-se aoristo.
Se fosse pela vontade de Tadeu, esses registros já teriam sido queimados. Ele os considera um lixo, alucinações que não têm nada a ver com a história do pai.
Atravessar as ruas em diagonal: tornar-se geometria.
Ler um livro em voz alta: tornar-se livro.
Forçar as vísceras para fora: excentricidade.
Catarina não confirma, mas é possível que algumas dessas notas nem tenham sido escritas por Aníbal. Ele pode ter copiado de alguém, de algum livro. Você acha que isso o faria menos autor delas? Caberiam em sua biografia?
“Hoje me sinto um leão.”
Exercício: procurar outros leões pelas ruas.
Sair à rua.
Escolher uma direção e ir adiante: caminhar, caminhar.
Contornar os obstáculos intransponíveis, manter o rumo.
Horas, semanas, meses.
Tornar-se fronteira.
Começar a ler um romance, parar.
Começar outro, parar.
Começar outro, parar.
Tornar-se livro de contos.
Alguns apontamentos me parecem tardios. Década de 80, de 90. Outros, insensatos. Se você não tomar cuidado, pode criar uma imagem anacrônica do ator.
Medir o corpo com a palma da mão: tornar-se mão.
Medir com a faca: tornar-se faca.
Repetir o exercício com frutas, sapatos, livros etc.
Ouvir sua voz interior.
Substituí-la por outras vozes.
Retrato. Hoje estou com saudades dos meus pais.
Tornar-se filho: dormir com o retrato dos pais debaixo do travesseiro.
Acariciá-lo, acariciá-lo.
Pegar um livro de poemas traduzidos:
do russo, do polonês, de qualquer língua eslava.
Abrir e fechar rapidamente o livro: não ler.
De novo: fugir dos versos. Não ler.
De repente − triscar os olhos em uma palavra.
Repetir a operação aleatoriamente, algumas vezes.
Abrir o manual de zoologia.
Procurar nomes de bichos: que imitam outros bichos, que se transformam, que são misturas entre bichos.
Ler em voz alta:
Iguana iguana
Equus mulus
Ameiva ameiva
Bombyx mori.
Assentar-se no banco da praça.
Esperar o dia inteiro alguém que não vai chegar:
tornar-se escritor.
Foi a primeira vez que vi Catarina perder o controle. Para comemorar os 85 anos de Aníbal, os filhos haviam organizado um jantar no casarão. Vanda ajudou, mas deixou claro que pegaria o avião no dia seguinte. Netos, agregados, estavam todos lá. Ausente, claro, só Danilo. Iam celebrar também, com atraso, o fim da temporada de Rei Lear; mais um motivo para chamar Cortez e o resto da companhia.
A noite correu como sempre. Falou-se muito de teatro – muito cigarro, muito uísque. Paparicaram Aníbal, em clima de despedida. Antes de migrarmos para a mesa, ficamos um tempo na sala de estar, aquela que tem um janelão para o jardim da frente. O espetáculo foi acontecendo aos poucos. Henrique e Tadeu iam lembrando as performances do pai, as viagens de barco, a temporada em Nova York. Lembravam e discordavam – os relatos deles nunca são conclusivos.
Pediram a Aníbal, ele concedeu. Num tabladinho da sala, ele refez dois monólogos do Rei Lear, cada um extraído de uma de suas duas montagens. No embalo, trocou a máscara de rei pela de doente imaginário, e logo vestiu outras: de capitão, inspetor, patriarca; médico, mendigo, soldado, professor. Não sei se a memória dele dava realmente conta daquilo. Mas, tirando Catarina, que intuía os limites do pai, e Tadeu, que estudou os textos, os demais não se importavam com a precisão. Nem mesmo Cortez.
Vanda? Estava de bom humor. Ela sempre fica de bom humor em véspera de viagem. Chegou a fazer uma graça quando o marido, cercado de cadeiras, reconstituía o velho de uma comédia de Ionesco. Puxando o nariz dele, improvisou o bobo de Lear: “Ah, meu bem, deverias ter te tornado sábio antes de te tornares velho.” A turma aprovou, Aníbal, nem tanto. Por um momento, a esposa tinha lhe roubado a cena.
O jantar foi servido na sala lateral, com aquela vista da cidade, as luzinhas nos morros. Naquela mesa comprida de fazenda, que Aníbal ganhou de presente de um fã. Você já deve ter visto. Aníbal ficou na cabeceira, Vanda à esquerda, Catarina à direita. Me puseram onde seria o lugar de Danilo, perto do anfitrião. Cortez, na cabeceira oposta, fazia questão de dirigir os brindes. Ao ator-chefe, ao homem-chefe, ao rei-chefe. Bravo, bravo, merda, merda. E mais uísque.
Quando um garçom se aproximava, Aníbal estalava o dedo, sussurrava uma instrução. O cara ia lá atrás, ajustava as luzes da parede, do teto. Acho que era uma tentativa de mudar o cenário. Depois, o ator mandava chamar alguém da cozinha e reclamava dizendo que o pato estava cru e a sopa gelada. Só que o menu era filé – Aníbal não ia perder a chance de inventar uma ponta para os empregados. Diante de menções elogiosas à idade, ele se apoiava em Strindberg: “Não tenho doenças. Nunca tive, nunca terei! Morrerei de repente, como um soldado.”
Já no meio da noite, Henrique resolveu, sei lá por quê, fazer ironia com uma frase de Edmund, o filho bastardo de Gloucester, o caluniador que é o antagonista do rei Lear. O troço gerou um mal-estar danado – pelo menos entre os da família. “Esqueça o seu irmão”, disse Vanda, cortando a piada. Claro que era uma referência a Danilo.
“Words, words, words…” A festa girava, essas eram as únicas palavras que me vinham à cabeça.
Lá pelas tantas, Aníbal engatou uma sequência que eu já não acompanhava mais. Erguia a taça, esperava a resposta da mesa. “Tenho uma importante mensagem, uma mensagem para vocês”, dizia, com a voz rouca. As pessoas brindavam. Ele se assentava, levantava, repetia o gesto. Acho que era uma deturpação de Gogol. Lá pela terceira vez, ninguém reagiu, ele enforcava a taça na mão, o olhar fixo no nada.
Antes da sobremesa, Catarina se aproximou. Discretamente, retirou-lhe a taça das mãos − só tinha água. O ator insistiu: “Tenho uma importante mensagem… Escutem…” Além de mim, acho que só o filho de Henrique, um menino de 8 ou 9 anos, assistia ao minúsculo espetáculo.
“Aníbal, chega”, ela disse. Tomou-o pelo braço, quase com violência. Sacudiu-lhe as orelhas com as duas mãos, como se tentasse trazê-lo de volta. Aníbal ficou em silêncio o resto da noite. A cada convidado que se despedia, apenas apontava o horizonte, dizendo que queria ver o mar.
A festa de aniversário foi em setembro. Faz exatamente um mês. Se você for entrevistar Aníbal agora, não sei como ele vai se comportar. Talvez o receba como num sonho, um daqueles sonhos fluentes em que o sonhador não consegue adivinhar as próprias palavras. Mas pode também dar em nada. De uma hora para outra, o sonho falha, vocês dois murcham dentro dele – um novo sonho avança e dissolve a entrevista. É essa a impressão que tenho. Um dia desses, Clara, a filha de Tadeu que mora nos Estados Unidos, foi ao casarão para uma visita. Ao vê-la, Aníbal fez uma reverência, beijou-lhe a mão, perguntou-lhe quem era. “Sou neta de Aníbal Flôres”, a moça respondeu, no mesmo tom. Ele gaguejou, balbuciou algumas sílabas sem nexo, chamou Samuel. “Mostre à condessa os jardins”, disse, “e tire esse usurpador daqui” – o dedo apontava para mim. Depois, sentado na poltrona, pediu um chá. Ficava horas assim, sossegado. Às vezes chorava, às vezes gargalhava.
Já que você é biógrafo, me responda. Há uma gênese para isso? Há um momento da infância em que o menino, pensando como se fosse parte de um filme ou de um desenho em quadrinhos, agarra-se a uma ideia que acha luminosa, a ideia de um ator, por exemplo, e passa a viver essa ideia sem nunca mais voltar? Uma trupe mambembe se apresenta na cidade. O menino assiste à encenação da arquibancada montada no meio da praça. Os figurinos dos artistas são meio sujos, os rostos são coloridos, dá um pouco de medo. No meio da peça, o sequestro já ocorreu. O garoto, que tem 4 ou 5 anos, não resiste: torna-se personagem, deseja um autor. Vai passar a vida inteira trocando de autor. Você acha que pode contar assim a história de Aníbal?
Se você chegar de surpresa ao casarão, pode flagrá-lo se exercitando. Ele agora deu para isso. Está pondo em prática os exercícios prescritos nas notas, as notas que ele escreveu. “Olhem bem para meus olhos, hoje acordei cavalo”, vai dizer. Já o vi encostado à parede, testando a métrica dos pés. Deitado no chão da cozinha, tornando-se faca, tornando-se mão. Já o vi sair do escritório, o olhar nulo, vidrado, com a Odisseia ainda na mão.
Outro dia, o funcionário da farmácia veio procurar Vanda. Aníbal havia irrompido no estabelecimento às seis da manhã, fazendo perguntas estranhas. “Há leões por aqui?” Eu próprio fui resgatá-lo uma tarde: o telefone tocou, um amigo o reconhecera no Centro, parado em frente à Galeria Ouvidor, quase arrastado pelos pedestres. Não conseguimos descobrir qual era de fato o exercício. Mais. Uma noite dessas, ao prepará-lo para dormir, Samuel encontrou debaixo do travesseiro uma fotografia dos pais de Aníbal, sentados num banco de praça. “Nós estamos com saudades dos nossos pais”, ele disse, e meteu a foto de volta sob o travesseiro.
Catarina vem tentando vigiar os movimentos dele. Não dá moleza. Às vezes a vejo amuada, acho que voltou a fumar. Aníbal anda redescobrindo as máscaras de sua coleção (já falei dela?): um sátiro, um arlequim − e circula com elas pela casa. Mantém o hábito de desfilar diante dos cartazes para os visitantes. Nos almoços, só se solta na hora dos monólogos. Aí ninguém diz que ele mudou: sua forma é plena.
Quando vejo Aníbal andando de um lado para o outro do casarão, é como se ele estivesse fora dali, em outro lugar. Vai para o tablado no fundo da sala e se posiciona. Calça os sapatos de salto, executa sua dança. Desliza, golpeia o chão. Arremessa o tronco para a frente, como se quisesse expulsá-lo, mergulhar em um precipício. Um dia queixou-se de frio. “Assistente!”, gritou. “O fraque.” Embora esse papel agora seja só de Samuel, busquei o casaco e ajudei-o a vestir-se. Ele esticou o braço, fez o gesto de um mágico com a varinha na mão. Era a cena de uma peça em que ele rodopia, e a cada toque da varinha faz evaporar coisas a sua volta. Pássaros, postes, latas de lixo.
Meu tempo no casarão, você sabe, está terminando. Até o começo do ano que vem, teremos organizado o acervo inteiro. Catarina me dispensou de ir todos os dias – agora são só duas vezes por semana. Confio na sorte, nunca me faltou trabalho. Mas hoje, admito, ando um pouco preocupado. O que vou fazer depois? A produtora fechou, Cortez não tem nada para mim. Desculpe a cara de pau, mas se você estiver precisando de um assistente, alguém para te ajudar na sua pesquisa, adoraria assumir essa função.
Já falei bastante, e deveria encerrar por aqui. Mas preciso te contar uma última coisa, um fato inesperado que ocorreu há poucos dias, algo que pode te interessar. Recebi pelo correio uma carta de Aníbal. Uma carta manuscrita, bem parecida com as antigas cartas dele.
O texto é curto. Leio para você.
Meu caro assistente.
Sei que uma missiva como esta pode soar estranha e intempestiva, mas não encontrei meio mais confortável e seguro de dirigir-me a você. Gostaria, primeiro, de agradecer a boa vontade e o compromisso com que nos últimos tempos você tem colaborado para salvar a memória deste ator. Se o presente não for justo, ao menos a história o recompensará. O motivo que me compele a escrever-lhe é, porém, nada feliz, e só o faço pela certeza de poder contar com seu auxílio. Não farei rodeios. O fato, meu caro assistente, é que estou sendo ameaçado. Há cerca de uma semana recebi uma intimação judicial para prestar conta de meus atos. Duvidam da minha integridade, duvidam da minha realidade. Acusam-me de falsário, de enganador; acusam-me de não saber gerir meus negócios, de não poder representar-me em meus próprios atos. Haverá ofensa pior para um homem como eu? Você, meu jovem, tem acompanhado tudo o que se passa no interior de minha casa. O que lhe peço é simples: um testemunho em meu favor, em favor da verdade. Sem os laços de sangue, poderá relatar com liberdade e isenção o que vê. Por suas qualidades, sei que não haverá de faltar-me.
Receba desde já meu agradecimento e meu abraço.
Aníbal Flôres
A primeira coisa que me veio à cabeça, claro, é que ele estaria me pregando uma peça. O texto faz sentido, sim, mas, sendo de Aníbal, nunca dá para menosprezar a chance de um ardil, uma farsa. Revi o currículo do ator, tentando descobrir uma pista, um ato teatral que lhe servisse de inspiração. Apesar dos clichês, esse estilo meio arcaico, meio indignado, poderia ter algo de Lear, de Gloucester, você concorda? Acho que é só o tom. Pesquisei cenas com cartas forjadas, pensei em algum roteiro com suicídio, mas isso não combina com Aníbal. Sem dizer do que se tratava, consultei o Cortez. Ele não soube apontar nenhum drama parecido.
Ontem abri o jogo com Catarina. E foi ela quem confirmou o pano de fundo do episódio. Sim, a questão envolve Danilo, o filho mais novo de Aníbal. Como te falei, ele vem há alguns anos brigando na Justiça contra os irmãos. Só que agora o alvo é o pai. O rapaz está pedindo a anulação de uma série de atos de Aníbal. Alega a incapacidade do velho, sua insanidade. Alega má-fé dos irmãos que acompanham suas transações. Danilo pretende interditá-lo, sacá-lo de vez da vida real. Semana passada, o ator recebeu a intimação do oficial.
A situação agora é essa. Imagine que vou depor perante um juiz. Imagine que vou relatar o que sei sobre Aníbal − vou escolher uma história para ele. Meu testemunho pode definir o rumo de sua vida. Mais que isso: pode definir também seu passado. Eis o epílogo que temos. Você é o biógrafo do ator, mas quem dirige essa peça sou eu.
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